Primeiro lançamento feito no dia 25 de Maio deste ano
Por: Fernando Teixeira
Lisboa, 28-09-2011
Sobre o livro de Julião Soares Sousa, intitulado “Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano”
Acabei hoje de ler a biografia de Amílcar Cabral do Guineense, natural de Bula, Julião Soares Sousa, intitulado “Amílcar Cabral – Vida e Morte de um Revolucionário Africano”que me impressionou pelo tipo de abordagem utilizada realçando a importância da “socialização” no processo da consciencialização de Cabral, no seu percurso pessoal e seu desenvolvimento como personalidade impar em que veio a tornar-se. Um livro - que sem ser solicitado por ninguém - recomendo vivamente a todos os que se interessem pela História e cultura do nosso povo, sejam guineenses ou estrangeiros.
Lendo o livro, com atenção, apercebemo-nos do titânico trabalho de investigação em diferentes países, acervos e instituições, penso, nunca antes realizado por outra pessoa. A organização cronológica, descrição competente dos factos, no meu entender, “fria” e metodicamente, sem envolver o autor em “partidos”, “lados”ou “simpatias”, faz com que seja uma obra de referência para qualquer estudo sério sobre este vulto histórico e não só. Ficamos com a sensação de que o autor, foi metodicamente, com a paciência de um verdadeiro estudioso, “esgotar fontes” primarias e outras, testemunhas e “testemunhos” possíveis e nos apresenta numa impressionante compilação de factos e dados como que nos convidando pensar por nós mesmos, “pelas nossas próprias cabeças” - como diria o saudoso Amílcar Cabral - e tirar as nossas própria conclusões.
E nesse desiderato, foi desmontando “mitos” e “verdades” com dezenas de anos, apresentados os factos como “sucederam” ou provavelmente poderiam ter sucedido. E este mérito é tanto mais importante porque separar factos históricos da sua descrição é quase impossível; mas ao mesmo tempo o facto, o acontecimento, é uma coisa e a sua descrição forçosamente tem que ser outra coisa.
E esta “outra coisa” pode por sua vez “modificar” a percepção que os contemporâneos têm do próprio “facto” em si, independentemente do tempo que passou sobre ela ou das suas verdadeiras implicações históricas. Por isso quando escrevo sobre o passado recente (e antigo) sou constantemente confrontado pela minha consciência, com a questão da necessidade de “descrever os factos”, sem que a “descrição” seja diferente dos “factos” em si.
Embora confessando a minha admiração pela obra, não digo que seja “a biografia definitiva” (a moda dos críticos ocidentais), mas direi, nisso acredito, que é a “base científica” actual - na imensidão de “fontes”, “publicações”, “registos”, “bibliografia” que tornarão muitíssimo mais simples, futuros trabalhos - obrigatória para qualquer estudo sério para uma biografia, ou tentativa (qualquer que ela seja) de abordar Amílcar Cabral seja em termos biográficos ou de crítica política apenas.
José Luis Hopffer Almada na apresentação em Odivelas
Onde a pesquisa actual, esbarra na impossibilidade de “saber exactamente como aconteceu” por falta de mais fontes ou testemunhos, o autor “levanta véus”, “põe questões” ou “deixa em aberto” (com fundamentos bastantes) certas hipóteses, que no futuro poderão ser úteis para a próxima geração “pensar Cabral” de forma limpa, destituído de complexos, em novas abordagens, porventura cada vez mais multifacetadas e com novas contribuições, que este livro vai acabar por suscitar, penso, numa dialéctica de causa e efeito, impossíveis de antever.
Pois é de crer que um vulto imenso como Amílcar Cabral provavelmente terá no futuro muitos estudiosos interessados no seu legado que, espero, nos brindarão com outras biografias ou análises políticas. Alem de que o processo histórico guineense necessita ainda de diferentes abordagens, de vários quadrantes.
Realcei o facto, deste livro ter sido escrito por um Guineense, porque há coisa de meio ano, escrevia sobre a necessidade (no sentido histórico e factual) de estudos e biografias escritas por guineenses sobre o nosso Herói nacional e Fundador da Nacionalidade; dizia inclusive que essa necessidade advinha de “(…) por sermos Guineenses, diferentemente daqueles estrangeiros que nos tentaram entender a luz dos seus “estrangeiros” conhecimentos, pertencemos a este nosso pequeno mundo e somos por ele formados; por isso “sabemos” algumas outras coisas; “sabemos” em que acreditar e como acreditar; e “sabemos” como duvidar e do que duvidar. Sabemos por conhecer a nossa idiossincrasia como pessoas e como povo.”
E hoje, esta agradável surpresa, que é esta monumental biografia (tanto em tamanho como em conteúdo), não me poderia deixar indiferente, e creio, a nenhum guineense também. E a partir deste momento, a minha constatação anterior (nos Sete Instantes de Uma Primavera): “(…) não direi que com Cabral ainda “não acabamos”, mas direi que com Cabral ainda “não começamos”.(…)” perde muito da sua actualidade. Pois a partir deste livro, devo dizer de Cabral que se na verdade “(…) o trabalho sobre o seu trabalho, o pensar sobre o seu pensamento, ainda estão por se realizar”, o mesmo já não se pode dizer da segunda parte da proposição, pois : “sua história, e a história da sua história” já não estão totalmente “por se escrever”, graças ao Dr. J. S. Sousa.
Pois independentemente do que o futuro nos reserva, de quão grandes e interessantes biografias que poderão vir a ser escritas, creio que este livro será um marco, no sentido de hoje poder dizer que se com Cabral ainda “não “acabamos”, inegavelmente, com Cabral “já começamos”.
Termino dando meus sinceros parabéns ao Doutor Julião Soares Sousa, que nunca conheci ou vi, pois entendo, na minha modestíssima opinião, que com esta biografia dá-se o inicio de uma nova fase da abordagem biográfica de Amílcar Cabral: A fase Guineense de novos estudos biográficos sobre Amílcar e outros vultos da nossa História nacional.
As vezes um livro, uma peça de arte, um discurso, uma ideia, pode despoletar toda uma mudança nacional ou mesmo mundial como aconteceu com a “geração de Cabral” depois de lerem a “Anthologie da la Nouvelle Poésie Negre et Malgache”, como bem nos diz o autor desta biografia. Por isso eu saúdo estes “acontecimentos” da nossa cultura não apenas como “mais um livro”, mas como argamassa que tapa as lacunas culturais e cientificas do nosso edifício nacional; e embora as lacunas são infinitas, cada livro, é como um tijolo de uma nova casa, de uma nova mentalidade, para um novo recomeço.
Por isso esta fase, esta nova “fase guineense” pela qual pugno, para mim, não se deve limitar-se ao ofício de escrever; esta nova fase deverá incarnar um movimento social e cultural de regresso às origens da normalidade, feito de literatura, musica, discursos, revistas, universidades, num sacudir da letargia nacional que tantos acontecimentos infelizes nos conduziram, rumo a um florescimento de novos projectos, novas vontades, novos quereres de índole social e cultura.
Nota ordidja
Antes de mais gostaria de agradecer ao Fernando Teixeira (Nandinho) por ter enviado este lindo texto que publico e que serviu de impulso para que escrevesse sobre o livro.
Há cerca de dois meses atrás escrevia no facebook, que já tinha lido cerca de metade dos 532 páginas dos 570 (se incluirmos o apêndice e as fontes) do excelente livro “Amilcar Cabral – A Vida e Morte de um Revolucionário Africano” do Professor Julião Sousa, editado pela Nova Vega. Se tivesse que descrever em três palavras a minha “sentença”, depois de acabar de lê-lo, escolheria para além do Magnífico (da frase anterior), Controverso e Empolgante.
Na Livraria "Diário de Notícias" em Lisboa
Magnífico – Logo depois de discorrer as páginas iniciais, quando se passa pelo prefacio e as notas introdutórias do autor, enquanto admirador (diferente de discípulo) do homem, Amílcar Cabral, despertou-me uma catadupla de curiosidades. Como já tinha lido antes, outras obras sobre Cabral, sente-se que se vai entrar numa viagem alucinante, que embora temos como adquirido o ponto de partida, não sabemos em que estado iremos ficar, ao chegarmos ao ponto da chegada. Se pegarmos então ou melhor, se tivermos em conta as várias revelações que o autor promete fazer ao longo do livro, aí o nível da intensidade da curiosidade aumenta. Ao meio da “viagem” percorrido o levantamento biográfico rigoroso (desde a nascença em Bafatá, até ao excelente percurso acadêmico) da Vida do ainda, nesse período inconformado africano, cai o pano das posições que profetizam Amílcar Cabral. Ganhando o fôlego com a passagem do livro que sita as influencias intelectuais de outros pensadores que marcaram a tomada de posição do Revolucionário, apercebe-se da imbecilidade que marcou o primeiro regime político depois da saída dos colonos. Vou dar só um exemplo dessa imbecilidade: quantas estórias foram contadas, alguns até pelos nossos professores da disciplina de “Formação Militante” de pessoas que foram detidas e perseguidas, com acusações de ameaçar a “segurança do Estado” naquela época, da Guiné-Bissau, só pelo facto de estarem a ler ou por terem feito comentários por terem lido o célebre livro do haitiano Frank Fannon? Quem não se lembra disso que levante o rato no ar!
Onde pode encontrar o Livro
Controverso – Afinal o PAIGC não foi fundado no dia, mês e ano oficialmente conhecido. Mas a passagem onde o falso e controverso se conjugam é na página 185 do livro, num texto publicado em espanhol, recolhido duma entrevista dada por Amílcar Cabral a revista cubana Tricontinental. O autor do livro com a elegância que se lhe reconhece faz esta afirmação “Fizemos esforços no sentido de confirmar a presença de Amilcar Cabral no seu país natal, entre Março de 1955 e Dezembro de 1959, através, fundamentalmente da consulta dos boletins oficiais da Guiné, de Angola e de Cabo-Verde, e da documentação dos Arquivos da PIDE, mas não conseguimos assinalar nenhuma passagem pela Guiné.” Permitam-me que pergunte:
Quando, quem e onde foi criado o PAIGC?
Quantas inverdades temos ainda por descobrir do histórico Partido?
E repare esta, leitor: afinal o nome PAI foi um copianço feito ao PAI da Federação do Mali do universitário senegalês Majhemout Diop. Mais, afinal a apetência do guineense em criar movimentos políticos, está no seu DNA e não é de hoje, muito menos surgiu com adoção do multipartidarismo. É que nos anos 60, já tinham sido criadas cerca de duas dezenas de Partidos guineenses na diáspora, revela o livro. E como todo e qualquer utópico o líder da nossa nacionalidade também acreditou na criação do “Homem Novo” esplanada nas considerações da pag. 390. “A leitura da Anthologie e o contacto com a Negritude também fez com que Cabral e os seus companheiros africanos começassem a colocar a hipótese de regressar a África” pag. 528, e como tudo na vida o livro dá-nos o princípio o meio e o fim, do singular líder!
Empolgante – Quando se pega no livro não apetece e nem temos vontade de ler outra coisa. De capítulo a capítulo, as estórias se multiplicam e se entrelaçam, acabando por ajudar ao leitor a desvendar episódios e pessoas afetas aos momentos revolucionários da nossa querida Guiné. E aproveito a oportunidade para homenagear um ente querido que em várias passagens do livro é lembrado, PAULO DIAS, um homem assassinado por mãos cobarde e traiçoeiras nas matas da Guiné. Paz e Eterno descanso a sua alma!!!