Telefone marca Ericson utilizado na Guiné-Bissau
Poucos sabem, mas foi graças ao Brasil que a Guiné-Bissau teve os primeiros telefones. Falo da Guiné-Bissau Estado novo e independente de Portugal. No final do ano passado, tive a oportunidade de cruzar nos corredores da Editora Thesaurus, com Eng. João Celso, um dos engenheiros que esteve na Guiné nos anos 70, para montar a nossa rede pública de comunicação. Gostou de saber que eu era guineense, e contou-me a aventura que foi, a viagem para Bissau, enquanto jovem engenheiro, na altura. Foram os primeiros anos da independência. Como muitos sabem, o Brasil foi um dos primeiros países a reconhecer a nossa independência e foi também um dos primeiros a inaugurar uma Chancelaria Diplomática no nosso país. Fica aqui o email e o relato sobre essa cooperação na área das telecomunicações.
Prezado Helmer
Conforme prometido, encaminho
esse excerto de nosso livro "Memórias de nossas vidas na Embratel" a sair
em brevemente pela Thesaurus. Espero que lhe traga informações interessantes de uma fase histórica e heroica de seu país.
Eis um relato que Edson Soffiatti, gentilmente, escreveu em
4 de junho de 2013 sobre essas atividades, ao que acrescentou ter sido uma
experiência interessante pelo aprendizado que ela proporcionou, mas, por
outro lado, foi frustrante, pois afinal não foi implementada a ajuda
prometida à Guiné-Bissau, consequência da tradicional falta de coordenação de
nosso governo.
Iª Parte
O Brasil
vivia, no início dos anos 70, sob
um regime de governo comandado pela área militar e apoiava
irrestritamente o regime salazarista então vigente em Portugal. Por sua vez,
Portugal mantinha sua anacrônica política colonialista e sustentava uma
desgastante guerra contra os movimentos de libertação das colônias do ultramar.
Nos fóruns internacionais. era por isso severamente reprovado, sendo que o
Brasil costumava ser um dos únicos países a rejeitar o reconhecimento dos
Movimentos de Libertação das colônias, todos eles de viés esquerdistas,
em apoio a Portugal.
Porém, em
abril de 74, ocorreu a surpreendente Revolução dos Cravos, quando caiu o regime
salazarista, sendo substituído por um governo de extrema esquerda. O novo governo
português então criado tinha como uma de suas metas justamente negociar a
independência das colônias e reconhecer os movimentos de libertação (Frelimo em
Moçambique, PAIGC em Guiné-Bissau e Cabo Verde e o MPLA em Angola) como
legítimos governos dos novos países a serem formados.
O Brasil
ficou assim numa situação desconfortável e não teve alternativa senão
apoiar as negociações que estavam em curso, lideradas por Portugal, visando a
reconhecer os novos governos que se formavam (processo esse que se
desenvolveu em ritmo acelerado, sendo a Guiné-Bissau/Cabo Verde o primeiro
território a ter sua independência formalizada), pois seria ridículo o Brasil,
o maior país de língua portuguesa, ficar fora desse processo, o qual
contou com formidável apoio de toda a comunidade internacional. Nesse apressado movimento de reorientação de sua
política externa, o governo brasileiro se dispôs a instalar, em caráter
de urgência, a embaixada na Guiné-Bissau e Cabo Verde (que na época foram constituídos como um país único
e formaram um só país − posteriormente
se separariam em dois).
Este
preâmbulo é só para ilustrar o momento em que a Embratel se viu
envolvida. Naquele
movimento acelerado de instalação da embaixada na Guiné-Bissau foi designado
como embaixador o diplomata do Itamaraty Joayrton Cahu, uma pessoa
extraordinária, culta e muito objetiva, que sabia a dureza da missão. Acontece
que a Guiné-Bissau era um país muito pobre, praticamente miserável (e, além
disso, devastado pela guerra), e não tinha absolutamente nada. Em particular,
não tinha recursos de telecomunicações para permitir o mínimo funcionamento da
embaixada. Foi ai que veio um pedido do Itamaraty, através do Minicom. para que
a Embratel fornecesse apoio para implantação de recursos de telecomunicações
para o país, e que serviria logicamente à nossa embaixada. Foi quando fui
designado pela diretoria como responsável pela missão, que contou também com o
apoio do engenheiro Carlos de Marca Pedras, da Área de Engenharia da Embratel.
Viajamos em
fevereiro de 1975 juntos com o embaixador e a equipe do Itamaraty de apoio para
instalação da embaixada e passamos uma semana em Guiné-Bissau. Uma cena
impressionante foi a quantidade de delegações estrangeiras presentes (Rússia,
Polônia, Hungria, Cuba, França, Itália, Portugal, delegação da Al Fatah, um
verdadeiro e inesquecível festival de estrangeiros naquele cenário extremamente
pobre, todos oferecendo ajuda). Na cidade faltavam até palitos de fósforos, mas
tinha vários navios estrangeiros (lembro de um carregamento de açúcar
recém-chegado de navio diretamente de Cuba).
O chefe do
governo de Guiné-Bissau era Luís Cabral, irmão do Amílcar Cabral, célebre poeta
e líder guerrilheiro que morrera em combate na guerra de libertação. Nosso
trabalho foi identificar o precário sistema de telecomunicações então existente
para uso do embaixada (praticamente equipamentos de HF de uso militar) e
efetuar um levantamento das condições para permitir realizar um projeto de
instalação de uma rede mínima de telecomunicações para o país. Na verdade,
elaborar um plano diretor de emergência, com foco nas comunicações
internacionais. Efetuamos isso juntamente com as autoridades e técnicos
locais (tudo muito confuso e incipiente, pela fase de transição em que se
encontrava todo o país), demarcamos áreas para equipamentos, terreno para
antenas, áreas para infraestrutura de energia, levantamentos das plantas
das edificações existentes, etc.
Ficamos
hospedados num hotel/alojamento que era usado pelas forças armadas portuguesas,
com uma modestíssima infraestrutura e parcos serviços, mas procuravam nos
atender com muito esforço, especialmente considerando que estavam atendendo ao
próprio embaixador e sua comitiva. Foi uma experiência interessante
conviver na intimidade com os diplomatas preocupados em se organizar num ambiente
tão precário. Lembro-me de que para passarem mensagens para Brasília, como não
havia obviamente nenhum recurso eletrônico de criptografia, o pessoal do
Itamaraty se fechava junto com o embaixador no seu apartamento e ficavam horas
trancados, cifrando as mensagens pelo método totalmente manual, que era obtido
através de livros enormes contendo os códigos. Esses eram os únicos momentos em
que eu e o eng. Pedras ficávamos afastados da comitiva e podíamos relaxar um
pouco.
Continua...