Ricardo Rosa
Por: Ricardo Rosa
"Dos resultados saídos das eleições, dos apelos da comunidade
internacional e das vontades políticas internas, tendo como pano de fundo o
espírito da inclusão, assim se formou o XXI governo da República da
Guiné-Bissau empossado no passado dia 4 de Julho de 2014 pelo Presidente da
República. Um governo liderado pelo Eng.º Domingos Simões Pereira, Presidente
do partido vencedor das eleições legislativas com maioria absoluta, o PAIGC.”
Com mais de um mês de exercício de funções este governo começa a
sentir na pele quais as pressões inerentes à função, apesar de integrar alguns
já experimentados no assunto, a começar pelo próprio Primeiro-Ministro.
Promovendo um espírito de diálogo permanente com os tradicionais parceiros
sociais e de desenvolvimento, entre concertações e consensos, depois da onda de
expectativas iniciais defraudadas, conforme comentários de analistas políticos
da nossa sociedade e das conversas sociais nas tertúlias improvisadas, certeza
é que este governo ganhou o coração do comum cidadão. Desde logo, já pagou três
dos quatro meses em dívida para com os funcionários públicos, pensionistas e
reformados. E ainda aliviou as pesadas contas das nossas representações no
exterior que já contavam com uma vintena de meses de atrasados salariais. Um
governo para arrasar com tudo mas não com todos.
Com dezasseis ministérios e quinze secretarias de estado, este
governo conseguiu surpreender os mais desatentos dos últimos acontecimentos
políticos no país que desembocaram nas eleições gerais, legislativas e
presidenciais. Resultado de um amplo consenso político visto que todos os
partidos com assento parlamentar estão aí representados, e ainda elementos
apartidários, este governo é, acreditamos, o governo possível. Uma engenharia
política de entendimento complexo ao substrato político interno amplamente
caracterizado de múltiplas alas no interior de cada partido político que entre
si lutam para fazer parte de um governo. Mas como este modelo não tem dado bons
resultados, logo, benefício de dúvida é devido a esta nova fórmula. Contudo, a
sociedade civil aqui não entrou, mas também não devia. Um assunto a desenvolver
mais à frente.
Depois de uma longa cavalgada interna, o PAIGC conseguiu
realizar o seu congresso e eleger os seus órgãos. Entre alianças e
desconfianças, o partido conseguiu reestruturar-se e ganhou as eleições
legislativas com maioria absoluta, conseguindo assim, legitimidade constitucional
de formar o seu próprio governo. Um governo à medida dos desafios projetados
pelo partido para fazer face aos gravíssimos problemas que o país enfrenta. Um
governo PAIGC conforme as regras do jogo político. Da sua responsabilidade
política. Como bem frisou o Presidente da República aquando da toma de posse do
governo. Esta situação coloca os partidos integrantes, em primeira mão, num
verdadeiro labirinto político. Serei responsável inclusive pelos actos dos
outros? Uma questão que ficará no ar.
Apesar do entendimento comum, nacional e internacional, que o
país precisa de consensos amplos alcançados também pelo diálogo político
inclusivo, e sobre esta matéria muito já foi dito e escrito, a sua arquitetura
foi sempre de difícil assunção dada à própria estruturação deste tipo de
paradigma político, a coligação. Para além do paradoxo no ganhar absolutamente
e ainda ter que partilhar o ganho com a oposição. Simplesmente não é lógico.
Mas como a lógica nem sempre faz parte da política. Quiçá!
Mas também existem ganhos subjacentes às coligações de forças
políticas. Desde logo a todos o dever de participar responsavelmente na
execução da sua função de governante tendo em mãos a bandeira do país e não do
partido, na perspectiva de se pôr em marcha um programa de governo que traduza
o engajamento de todos em políticas de desenvolvimento socioeconómico realistas
e, sobretudo, realizáveis. E ainda que permitam alicerçar uma consciência comum
sobre os reais problemas sociais e políticos que o país em concreto enfrenta e
que a população espera vê-los resolvidos. Portanto, estando todos juntos, a
tarefa fica tendencialmente mais facilitada.
A conjuntura sociopolítica instalada tem colocado o país numa
fragilidade generalizada. Todos os sectores encontram-se num estado de abandono
pelas autoridades da república, dando a entender que o país é conduzido pelas
instituições internacionais ou por elas financiadas. O aparelho do estado tem
prestado um serviço passivo face às demandas da população, provocando
descrédito e consequente afastamento, abrindo assim caminho para a busca de
soluções individuais, que em determinadas situações têm-se apresentado fatal,
casos de justiça popular, por exemplo. Portanto, este governo deverá inscrever
nas suas prioridades o resgate da administração pública e seu devido
reposicionamento no contexto nacional, recuperando assim o seu papel de gestor
principal para melhor administrar o seu território.
Uma reforma à larga escala é sobejamente necessária e urgente,
de forma a se conseguir dar dignidade ao estado, à sua população e às suas
instituições. Uma reforma que se oriente para sectores prioritários começando,
sobretudo por uma profunda mas ajustada reforma de um sector fiscal que coloque
todos os contribuintes e utentes, sem grandes exceções, a participarem ativamente
no financiamento das necessidades sociais básicas a serem satisfeitas pelo
governo. De um sector de educação que privilegie o conhecimento racional ínsito
a qualquer homem, com rigor e modernização, mas sem políticas convencionais. De
um sector de saúde que assista sobretudo preventivamente a população sem olhar
a substratos sociais, raciais ou políticos.
De um sector agroindustrial que faça aumentar a autossuficiência
alimentar e que permita colocar o selo de made in Guiné-Bissau. Um sector de
justiça promotor de uma saudável segurança jurídica longe das mãos ocultas. Um
sector de infraestruturas e comunicações capazes de modernizar as ligações
terrestres, marítimas e aéreas sem risco e custo maior para os utilizadores
tornando o país num espaço moderno e acessível. Um sector do ambiente e do
turismo que criem condições para sustentabilidade futura das nossas riquezas
naturais.
O país espera deste governo coligado uma estabilidade
governativa e institucional que traga o bem-estar social há muito estacionado
numa memória longínqua. Realidade que acreditamos haver condições mínimas para
o ponta pé de saída dum projeto social de longo prazo, daí a cautela devida em
não se exigir mais do que de imediato é possível e, com isto, também não quer
dizer que se deve relaxar à sombra da bananeira à espera que os parceiros de
desenvolvimento ditem as regras do jogo. Um governo exigente nas áreas pilares
da sociedade de maneira a serem protegidos os valores e os princípios sociais e
morais, e no pleno zelo da nossa nacionalidade.
A responsabilidade política deverá ser permanentemente avaliada
pela Assembleia Nacional Popular e pelo Presidente da República, na expectativa
que tudo farão para que haja a estabilidade política necessária para os
mandatos serem cumpridos e, de facto, conseguirmos ter um ciclo legislativo
completo. Para que os momentos de instabilidade tenham sido passados
necessários para compreendermos que temos que dar oportunidade ao
desenvolvimento como o demos à luta pela independência. Todas as instituições
civis devem participar nesta nova dinâmica de forma a poder criticar
construtivamente em benefício de todos e não numa tentativa de intervenção
apenas porque têm que se mostrar presentes. Daí o entendimento que neste
contexto em que o governo foi formado, a sociedade civil não deveria fazer
parte, porquanto ser a única voz do povo face à governação, uma
responsabilidade que deve ser acolhida com tenacidade, a mesma inscrita nos
seus ideais.
A todos a responsabilidade de ajudar os representantes do estado
a cumprirem com os seus mandatos num ambiente positivamente alimentada com
valências individuais ou coletivas, sejam elas residentes ou não mas, para que
espírito patriótico permaneça acima das diferenças e das incompreensões
políticas, sociais e culturais. Que consigamos gradualmente definir um novo
paradigma social para a nossa querida Guiné distante do abismo homofóbico a que
fomos conduzidos nestes últimos anos e que nos tem levado ao isolamento neste
mundo que é suposto ser de solidariedade globalizada.