Erosão natural na ilha de Bubaque.
Existe também a erosão mental, feitas pelas pegadas sangrentas do passado!
Fonte: DW
Cinco anos
depois a Guiné-Bissau retoma a reconciliação nacional. O pároco de Buba já faz
os primeiros contactos na qualidade de presidente da comissão preparatória da
Conferência Nacional de Reconciliação.
A comissão foi
empossada na última segunda-feira (18.05) pelo presidente do Parlamento da
Guiné-Bissau, Cipriano Cassamá, com a tarefa de fazer um verdadeiro esforço de
reconciliação com o passado de maneira a transformar o presente do país.
A DW África
falou sobre o tema com Domingos da Fonseca, pároco de Buba, no sul do país, e
também vigário geral da diocese de Bafatá, no centro.
DW África: Esta
Conferência Nacional de Reconciliação entre os Guineenses é algo desejável
agora que o país está num processo de paz?
Domingos da
Fonseca (DF): Mais que desejável, eu diria até urgente porque o
país tem vivido momentos de crises profundas que deixou mágoas e feridas nos
corações dos guineenses. Essa situação não pode continuar no tempo e no espaço,
porque não ajuda no processo de desenvolvimento.
DW África:
Portanto, é necessário um verdadeiro esforço de reconciliação na Guiné-Bissau?
DF: É fundamental, é mesmo indispensável.
DW África: Isso
significará esquecer o passado de maneira a transformar o presente do país?
DF: Não se trata de esquecer o passado, trata-se de reconciliar-se com o
passado. Todos nós temos de assumir o nosso passado, ninguém pode ficar
escondido. E assumir o nosso passado significa refletir profundamente sobre o
nosso passado, tomar consciência do nosso passado e sermos capazes de nos
reconciliar com o nosso passado. Só assim é que poderemos começar a escrever a
nova página da nossa história.
DW África:
Perdoar significa esquecer?
DF: Perdoar não significa esquecer. Até uma ferida escondida pode sarar, mas
fica sempre a cicatriz. Perdoar significa compreender o outro e libertar-se da
prisão interior e psicológica e ser capaz, também, de libertar o outro da sua
situação. E quando o outro é chamado a libertar-se, dá-se um processo de reconciliação
com o nosso passado. E torna-se possível o prosseguimento da nossa história.
DW África: A
comissão que foi empossada e presidida pelo senhor já tinha sido criada em
2010.
DF: Fez o trabalho e foi interrompido a partir do golpe de 12 de abril de 2012,
mas já tinha feito um bom trabalho. Trata-se agora de ver o que foi feito e
quais serão os próximos passos.
DW África: E já
tem ideia de quando será realizada essa Conferência Nacional sobre a
Reconciliação?
DF: Ainda é muito cedo para me pronunciar sobre o assunto. Não me quero
precipitar, dar falsos passos.
DW África: Como
cidadão guineense, o que acha que essa Comissão de Reconciliação Guineense
deverá fazer?
DF: Continuar o trabalho inciado pela outra comissão, dando um novo impulso,
uma nova dinâmica. É sobretudo de auscultação. Para começarmos temos de ter a
capacidade, sobretudo, de escutar, de ouvir, uma escuta imparcial. Ouvir e
deixar as pessoas exprimirem os seus sentimentos recalcados há anos, porque
sofreram injustiças, foram humilhadas, etc. É permitir que as pessoas falem. A
comissão tem de criar essa cultura de ouvir sem tomar nenhuma posição. A partir
dessa escuta é que se poderá fazer uma análise e preparar a conferência
nacional.
DW África: Mas
a reconciliação não poderá ser uma "caça às bruxas"?
DF: Absolutamente. Uma "caça às bruxas" já não faz parte da
reconciliação. É um projeto antagónico. Por isso digo que todos têm de ser
implicados, os militares, para-militares, o poder tradicional, o poder
jurídico, tudo tem de ser implicado no processo. Para mim é um processo
terapeutico, é uma cura, porque quem co-habita com o sentimento de ódio é uma
pessoa doente.
DW África: E a
sociedade civil guineense está preparada para perdoar?
DF: Está a ser preparada, já começou a ser informada em 2010, o trabalho não é
de hoje. As nossas rádios locais, diocesanas e eclesiáticas já estão a
trabalhar nesse sentido de mudar a mentalidade guineense e já se sente essa
mudança.