Por: Ricardo Rosa
Cada
notícia que chega, com um quê de inquietação se faz acompanhar. Assim se tornou
o nosso quotidiano. Entre calmas e acalmias, chegam invadindo privacidades e
expondo a falta de pudor social e cívica. A intensidade inicial não dá espaço a
reflexões quanto mais a resumos. Dianti ki kaminhu1. Sintonia garantida. Tris
biáss … bardadi pega2. Duram durante algum tempo e depois por falta verdade
confirmada, acabam por desaparecer como começaram. Males causados? A quem
interessa? Assim vão as nobas na nossa querida Guiné.
A
permanente incerteza do dia seguinte criou um apetite caprichado na
materialização constante de “teorias de (co)inspiração” que num ápice entram
nas redes de comunicação popular sem pedir licença. Ainda vão mais longe, abrem
noticiários e são sempre página de destaque no moderno caderno do povo.
Difundem-se na velocidade e no perigo da semente de “Jack: O caçador de
gigantes”. A preocupação se ajeita à espera que caia no esquecimento. O perigo
fica. A confusão assim se constrói. E no mais íntimo do guineense, acredito,
esta turbulenta situação de vivência o faça mal e, particularmente, não o
tranquiliza. O que fazer? O que não fazer?
A
liberdade de expressão tem vindo a foco nos últimos tempos mas com discursos
contraditórios. Uns dizem serem perseguidos em função das nobas veiculadas e
outros entendem que é a falta de seriedade e um quê de intencionalidade que
leva a essa dita perseguição. Onde paira a verdade? Eis a questão! Certo é que
os argumentos de cada um são sempre bem sustentados e, entendimento comum, o
comum cidadão neste djunda djunda3 não se acha.
Certo
é, este somatório das ditas liberdades de tudo se dizer sem qualquer tipo de
responsabilização civil, política e até penal ou, simplesmente, o direito ao
contraditório, tem provocado na sociedade guineense uma onda de intimidação à
liberdade de expressão propriamente dita. E tem aniquilado a respeitabilidade sociopolítica
que deve proteger o cidadão da autoridade do Estado.
Engraçado
é que tudo começa no ouvi, li, vi, está aqui a prova, protegendo sagradamente a
fonte e, espalhando-a como notícia do dia. Foi confirmada? Analisada? A fome de
fazê-la sair é maior que a própria deontologia profissional ou ética cívica.
Sabe que tem em mãos, um público faminto para essas nobas. Qual é o problema?
Se é apenas uma questão de vontade. Mas ainda mais engraçado é que a própria
verdadeira notícia mistura-se nesta caldeirada toda, perdendo o seu carácter
essencial.
Guiné-Bissau
é um país que proclamou a sua independência a 24 de Setembro de 1973 nas matas
de Boé e este momento teve o seu eco, nacional e internacionalmente, graças ao
poder diplomático então existente, na preocupação de dar uma informação
verdadeira, relatando factos reais, longe de tendências colectivas ou
individuais. Pois, a informação essencial comum era o nascimento de um novo
estado independente.
E,
os nossos antigos combatentes, que nos gracejaram com a independência, tinham
plena consciência do valor da informação verdadeira como factor de afirmação e
de mobilização de recursos humanos e financeiros para a causa. Esta consciência
facilitou na confiança, ou melhor, na empatia conquistada junto da comunidade
nacional e internacional face à luta para a autodeterminação.
Com
isto queremos aqui evidenciar que a sociedade guineense teve consciência do
poder da informação verdadeira porque sentiu o seu efeito desde a sua fase
embrionária mas, hoje, declina-se em não ver as consequências de uma falsa
informação e, dado à própria conjuntura do país, muitos são os que não têm
sabido avaliar a pertinência ou não de uma determinada noba antes de torná-la
pública ou publicitá-la. Tal facto é de lamentar.
Foi
com alguma apreensão que li o editorial de um dos jornais nacionais da nossa
praça sobre a forma de tirar a notícia. Confesso que fiquei surpreso quanto ao
âmago da informação essencial porquanto ter compreendido a dificuldade
apresentada em ser-se jornalista na Guiné-Bissau pelo editorialista.
Numa
das passagens podia-se ler «(...) Numa sociedade de boateiros, como a nossa, é
difícil ser jornalista, porque às vezes não é fácil distinguir e elucidar as
condições dos parâmetros de relevância social e de relevância mediática, e
analisar o seu impacto sobre os processos de emancipação comunicacional na
nossa sociedade civil. Porque o boato dizima, pura e simplesmente, a
competência de noticiabilidade que permite um jornalista distinguir graus de
relevância de uma informação para poder separar o que é boato ou não». Na
verdade somos tão boateiros que os nossos jornalistas já perderam a competência
profissional de fazer previsões sobre a recessão social de certas informações,
porque todos os guineenses são boateiros e intrigueiros.
Ou
melhor todo cidadão guineense é dotado de uma competência de lançar boatos que
lhe interessa e depois fica refém ou vítima do seu próprio boato que lançou.
Essa nossa capacidade de atribuirmos um valor informacional de boatos que
lançamos está relacionada com a necessidade permanente de cada um de nós em
querer sobreviver satisfazendo as suas necessidades básicas com o poder
informacional de boatos que lança na esfera pública nacional.”
É
de todo preocupante os bastidores do (pseudo) jornalismo guineense enquanto
sabermos que a sociedade tem sido a principal vítima desta inversão na
manipulação da informação. E, sobretudo, quando efectivamente a sociedade
começa a ser intoxicada com informações meramente tendenciosas e até
maliciosas, com o ímpeto de fazer imperar interesses puramente individuais ou
dentro de uma colectividade amplamente restritiva, porquanto que no jornalismo
não deve haver nem previsões quanto mais apostas do género 1 x 2. Deve haver
sim um relato sério e rigoroso de factos comprovados e não de boatos inventados
ou induzidos.
A
sociedade guineense efectivamente tem conhecido a liberdade de expressão nesta
sua jovem caminhada democrática e, definitivamente, não necessita nem de boatos
quanto mais de “boateiros” para se fazer confundir entre os múltiplos desafios
que enfrenta. Contudo, e apesar da verdade que de vez em quando as
consequências corrigem melhor que os conselhos, julgamos ser da
responsabilidade colectiva travar esta forma de fazer sair qualquer que seja a
notícia, particularmente entre aqueles que têm responsabilidade maior, os
jornalistas.
Promovamos
todos uma sociedade livre onde possamos viver com dignidade e responsabilidade
para fazer valer o bem comum e para que o espírito subjacente à mensagem de
Amílcar Cabral num dos seus discursos: «Nô fassi pa tené um vida diritu i di
djustissa nundê ku kada fidju d`ess terra na sinti kuma el i livri di pudi
avanssa pa dianti na tarbadju ... na kanserra ... ma livri di sêdu kil homi ô
kil mindjer ki misti sêdu konformi si kapacidadi ...» Seja de facto o nosso grande desafio social.
1- À frente é que é o caminho
2- Três vezes ... torna-se
verdade
3- Medição de forças
4- «Façamos para merecer uma vida
digna e justa, onde cada filho desta terra se sinta livre de avançar, com
trabalho, com suor, mas sempre livre de ser aquele homem ou mulher que quiser
ser conforme a sua capacidade»
Ordidjanotando
Este
texto foi escrito e publicado pelo meu compadre, amigo e fratelo Ricardo Rosa
no jornal Gazeta de Notícias, no ano passado. Nada mais necessário do que uma
releitura ou se for a primeira vez, boa leitura…