Gabriel García Márquez nasceu em 1928 na pequena
cidade de Aracataca, na Colômbia. Cresceu ao lado de seu avô materno, um
coronel da guerra civil no princípio do século. Estudou num colégio jesuíta e
posteriormente iniciou o curso de Direito, logo abandonado em virtude de seu
trabalho como jornalista. Em 1954 foi para Roma, como correspondente do jornal
onde escrevia, e desde então tem vivido em cidades como Paris, New York,
Barcelona e México, em um exílio mais ou menos compulsório. Apesar de seu
talento como ficcionista e premiado escritor, continua exercendo a profissão de
jornalista.
Em 1961, recebeu o Prêmio Esso de Literatura
Colombiana, em 1971 foi declarado "Doutor Honoris Causa" pela
Universidade de Colúmbia, em em Nova York; em 1972, recebeu o Prêmio Rômulo
Gallegos. Em 1981, o governo francês concedeu-lhe a condecoração "Légion
d'Honneur" (Legião de Honra).
No dia 21 de outubro de 1982 foi agraciado com o
Prêmio Nobel de Literatura, quinze anos depois de ter escrito "Cem Anos de
Solidão", seu maior sucesso, traduzido em 35 idiomas e com venda calculada
em mais de 30 milhões de exemplares.
BIBLIOGRAFIA:
Romances, contos e crônicas:
· Folhas mortasBIBLIOGRAFIA:
Romances, contos e crônicas:
· Ninguém escreve ao coronel
· Cem anos de solidão
· Doze contos peregrinos
· O general em seu labirinto
· O amor nos tempos do cólera
· A aventura de Miguel Littin clandestino no Chile
· Cheiro de Goiaba: Conversas com Plinio Apuleyo Mendoza
· Como Contar um Conto
· Crônica de uma Morte Anunciada
· Do Amor e Outros Demônios
· O Enterro do Diabo: A Revoada
· Entre Amigos
· Os Funerais da Mamãe Grande
· A Má Hora (o Veneno da Madrugada)
· A Incrível e Triste História da Cândida Erêndira e sua Avó Desalmada
· Olhos de Cão Azul
· O Outono do Patriarca
· Relato de um Náufrago
· Oficina de Roteiro de Gabriel García Márquez: Me Alugo Para Sonhar
· Notícia de um seqüestro
. Viver para contar (memórias)
. Memórias de minhas putas tristes
. Obra jornalística - Vol. 1 - Textos caribenhos
. Obra jornalística - Vol. 2 - Textos andinos.
. Obra jornalística - Vol. 3 - Da Europa e da América, 1955 1960
. Obra jornalística - Vol. 4 - Reportagens políticas
. Obra jornalística - Vol. 5 - Crônicas
Infanto-juvenis:
. A última viagem do navio fantasma
. Maria dos prazeres
. A sesta da terça-feira
. A luz é como a água
. Um senhor muito velho com umas asas enormes
. O verão feliz da senhora Forbes
Conto: Um
senhor muito velho com umas asas muito grandes
No
terceiro dia de chuva tinham matado tantos caranguejos dentro de casa que
Pelayo teve de atravessar o seu pátio inundado para atirá‑los ao mar, pois o
bebé recém‑nascido tinha passado a noite com febre e pensava‑se que era por
causa da pestilência. O mundo estava triste desde terça‑feira. O céu e o mar
eram uma única e mesma coisa de cinza e as areias da praia, que em Março
resplandeciam como poeira de luz, tinham‑se transformado numa papa de lodo e
mariscos podres. A luz era tão fraca ao meio‑dia que, quando Pelayo regressava
a casa depois de ter deitado fora os caranguejos, teve dificuldade em ver o que
era que se movia e gemia no fundo do pátio. Teve de aproximar‑se muito, para
descobrir que era um homem velho, que estava caído de borco no lodaçal e que,
apesar dos seus grandes esforços, não podia levantar‑se, porque lho impediam as
suas enormes asas.
Assustado
por aquela visão aflitiva, Pelayo correu em busca de Elisenda, sua mulher, que
estava a pôr compressas ao bebé doente, e levou‑a até ao fundo do pátio. Ambos
observaram o corpo caído com um silencioso pasmo. Estava vestido como um
trapeiro. Não lhe restavam mais do que uns fiapos descoloridos no crânio pelado
e pouquíssimos dentes na boca, e essa lastimosa condição de bisavô ensopado
tinha‑o desprovido de qualquer grandeza. As suas asas de abutre velho, sujas e
meio depenadas, estavam encalhadas para sempre no lodaçal. Tanto o observaram,
e com tanta atenção, que Pelayo e Elisenda muito rapidamente se recompuseram do
assombro e acabaram por achá‑lo familiar. Então atreveram‑se a falar‑lhe, e ele
respondeu‑lhes num dialecto incompreensível, mas com uma boa voz de navegante.
Foi por isso que deixaram de preocupar‑se com o inconveniente das asas e
chegaram à sensata conclusão de que era um náufrago solitário de algum navio
estrangeiro, desfeito pelo temporal. Contudo, chamaram, para que o visse, uma
vizinha que sabia todas as coisas da vida e da morte, e a ela chegou‑lhe um
olhar para tirá‑los do engano.
‑
É um anjo ‑ disse‑lhes. ‑ Com certeza vinha por causa da criança, mas o
desgraçado está tão velho que a chuva o fez cair.
No
dia seguinte toda a gente sabia que em casa de Pelayo tinham cativo um anjo de
carne e osso. Contra o critério da vizinha sábia, para quem os anjos destes
tempos eram sobreviventes fugitivos de uma conspiração celestial, não tinham
tido coragem para matá‑lo à paulada. Pelayo esteve toda a tarde a vigiá‑lo, da
cozinha, armado com o seu garrote de aguazil, e, antes de deitar‑se, tirou‑o de
rastros do lodaçal e fechou‑o com as galinhas no galinheiro alambrado. À meia‑noite,
quando terminou a chuva, Pelayo e Elisenda continuavam a matar caranguejos.
Pouco depois o menino acordou, sem febre e com desejos de comer. Então sentiram‑se
magnânimos e decidiram pôr o anjo numa balsa com água doce e provisões para
três dias e abandoná‑lo à sua sorte no mar alto. Mas, quando foram ao pátio com
as primeiras claridades, encontraram toda a vizinhança em frente do galinheiro,
divertindo‑se com o anjo, sem a menor devoção e a atirar‑lhe coisas para comer
pelos buracos dos alambres, como se não se tratasse de uma criatura
sobrenatural, mas sim de um animal de circo.
O padre Gonzaga chegou antes
das sete, alarmado pela desproporção da notícia. A essa hora já tinham acorrido
curiosos menos frívolos que os do amanhecer e tinham feito toda a espécie de
suposições sobre o futuro do cativo. Os mais simples pensavam que seria nomeado
alcaide do mundo. Outros, de espírito mais austero, supunham que seria
promovido a general de cinco estrelas, para que ganhasse todas as guerras.
Alguns visionários esperavam que fosse conservado como reprodutor, para
implantar na Terra uma estirpe de homens alados e sábios que se encarregassem
do universo. Mas o padre Gonzaga, antes de ser cura, tinha sido lenhador
vigoroso. Chegado aos alambres, fez uma rápida revisão do seu catecismo, e,
entretanto, pediu que lhe abrissem a porta, para examinar de perto aquele varão
de lástima que mais parecia uma enorme galinha decrépita entre as galinhas
absortas. Estava deitado num canto, secando ao sol as asas estendidas, entre as
cascas de frutas e as sobras de pequenos‑almoços que lhe tinham atirado os
madrugadores.
Alheio
às impertinências do mundo, mal levantou os seus olhos de antiquário e murmurou
alguma coisa no seu dialecto quando o padre Gonzaga entrou no galinheiro e lhe
deu os bons‑dias em latim. O pároco teve a primeira suspeita da sua impostura
ao verificar que não compreendia a língua de Deus nem sabia cumprimentar os
seus ministros. A seguir, observou que, visto de perto, tinha a aparência
demasiado humana: tinha um insuportável odor de intempérie, o avesso das asas
semeado de algas parasitárias e as penas maiores maltratadas por ventos
terrestres, e nada da sua natureza miserável estava de acordo com a egrégia
dignidade dos anjos. Então abandonou o galinheiro e, com um breve sermão,
preveniu os curiosos contra os riscos da ingenuidade.
Recordou‑lhes
que o Demónio tinha o mau hábito de servir‑se de artifícios de Carnaval para
confundir os incautos. Argumentou que, se as asas não eram o elemento essencial
para determinar as diferenças entre um gavião e um aeroplano, muito menos o
podiam ser para reconhecer os anjos. No entanto, prometeu escrever uma carta ao
seu bispo, para que este escrevesse outra ao seu primaz e para que este
escrevesse outra ao Sumo Pontífice, de maneira que o veredicto final viesse dos
tribunais mais altos.
A
sua prudência caiu em corações estéreis. A notícia do anjo cativo divulgou‑se
com tanta rapidez que ao cabo de poucas horas havia no pátio um alvoroço de
mercado, e tiveram de levar a tropa, com baionetas, para espantar o tumulto,
que já estava quase a deitar a casa abaixo. Elisenda, com o espinhaço torcido
de tanto varrer lixo de feira, teve então a boa ideia de taipar o pátio e
receber cinco centavos pela entrada para ver o anjo.
Vieram
curiosos até da Martinica. Veio uma feira ambulante com um acrobata voador, que
passou a zumbir várias vezes por cima da multidão, mas ninguém lhe ligou
importância, porque as suas asas não eram de anjo, mas de morcego sideral.
Vieram em busca de saúde os doentes mais infelizes do Caribe: uma pobre mulher
que desde criança estava a contar os latejos do seu coração e já não tinha
números que lhe chegassem, um jamaicano que não podia dormir porque o
atormentava o ruído das estrelas, um sonâmbulo que se levantava de noite para
desfazer as coisas que tinha feito acordado, e muitos outros de menor
gravidade. No meio daquela desordem de naufrágio que fazia tremer a terra,
Pelayo e Elisenda estavam felizes de cansaço, porque em menos de uma semana
atulhavam de dinheiro os quartos de dormir, e, todavia, a fila de peregrinos
que esperavam vez para entrar chegava até ao outro lado do horizonte.
O
anjo era o único que não participava do seu próprio acontecimento. O tempo ia‑se‑lhe
em procurar acomodação no seu ninho emprestado, aturdido pelo calor de inferno
das lamparinas de azeite e das velas de sacrifício que lhe encostavam aos
alambres. Ao princípio insistiram para que comesse cristais de cânfora, que, de
acordo com a sabedoria da vizinha sábia, era o alimento específico dos anjos.
Mas ele desprezava‑os, como desprezou, sem os provar, os almoços papais que lhe
levavam os penitentes, e nunca se soube se foi por ser anjo ou por ser velho
que acabou por comer nada mais que papas de berinjela.
A
sua única virtude sobrenatural parecia ser a paciência. Sobretudo nos primeiros
tempos, quando o espiolhavam as galinhas em busca dos parasitas estelares que
proliferavam nas suas asas e os aleijados lhe arrancavam penas, para tocar com
elas nos seus defeitos, e até os mais piedosos lhe atiravam pedras, tentando
conseguir que se levantasse, para vê‑lo de corpo inteiro. A única vez que
conseguiram perturbá‑lo foi quando lhe queimaram as costas com um ferro de
marcar novilhos, porque havia tantas horas que estava imóvel que pensaram que
estava morto. Acordou sobressaltado, disparatando em língua hermética e com os
olhos em lágrimas, e bateu as asas duas vezes, o que provocou um remoinho de
estrume de galinheiro e pó lunar e um vendaval de pânico que não parecia deste
mundo. Apesar de muitos terem ficado convencidos de que a sua reacção não tinha
sido de raiva, mas sim de dor, desde esse dia trataram de não o incomodar,
porque a maioria compreendeu que a sua passividade não era a de um herói em
gozo de boa reforma, mas a de um cataclismo em repouso.
O
padre Gonzaga enfrentou a frivolidade da multidão com fórmulas de inspiração
doméstica, enquanto lhe chegava um parecer decisivo sobre a natureza do cativo.
Mas o correio de Roma tinha perdido a noção da urgência. O tempo ia‑se‑lhes a
averiguar se o prisioneiro tinha umbigo, se o seu dialecto tinha alguma coisa a
ver com o aramaico, se podia caber muitas vezes na ponta dum alfinete, ou se
não seria simplesmente um norueguês com asas. Aquelas cartas de parcimónia
teriam ido e vindo até ao fim dos séculos se um acontecimento providencial não
tivesse posto um fim às tribulações do pároco.
Sucedeu
que, por esses dias, entre muitas outras atracções das feiras ambulantes do
Caribe, levaram ao povoado o espectáculo triste da mulher que se tinha
convertido em aranha por ter desobedecido a seus pais. A entrada para a ver não
só custava menos que a entrada para ver o anjo, mas ainda permitiam fazer‑lhe
toda a espécie de perguntas sobre a sua absurda condição e examiná‑la pelo
direito e pelo avesso, de maneira que ninguém pusesse em dúvida a veracidade do
horror. Era uma tarântula espantosa do tamanho de um carneiro e com a cabeça de
uma donzela triste.
Porém,
o mais aflitivo não era a sua aparência de disparate, mas a sincera aflição com
que contava os pormenores da sua desgraça; sendo quase uma criança, tinha‑se
escapado de casa dos seus pais para ir a um baile, e, quando regressava pelo
bosque, depois de ter dançado toda a noite sem autorização, um trovão pavoroso
abriu o céu em duas metades e por aquela greta saiu o relâmpago de enxofre que
a converteu em aranha. O seu único alimento eram as bolinhas de carne moída que
as almas caritativas quisessem deitar‑lhe na boca. Semelhante espetáculo,
carregado de tanta verdade humana e de tão temível castigo, tinha de derrotar,
sem premeditação, o de um anjo despeitoso que mal se dignava olhar para os mortais.
Além disso, os raros milagres que se atribuíam ao anjo revelavam uma certa
desordem mental, como o do cego que não recuperou a vista mas a quem apareceram
três dentes novos, o do paralítico que não pôde andar mas esteve quase a ganhar
a lotaria e o do leproso a quem nasceram girassóis nas feridas. Aqueles
milagres de consolação, que mais pareciam divertimentos de troça, já tinham
enfraquecido a reputação do anjo quando a mulher convertida em aranha acabou de
a aniquilar.
Foi
desta maneira que o padre Gonzaga se curou para sempre das insônias e o pátio
de Pelayo voltou a ficar tão solitário como nos tempos em que choveu três dias
e os caranguejos andavam pelos quartos.
Os
donos da casa não tiveram nada que lamentar. Com o dinheiro arrecadado construíram
uma mansão de dois andares, com balcões e jardins e com muros muito altos, para
que não entrassem os caranguejos do Inverno, e com barras de ferro nas janelas,
para que não entrassem os anjos. Pelayo instalou, além disso, uma criação de
coelhos muito perto da povoação, renunciando para sempre ao seu mau emprego de
aguazil, e Elisenda comprou uns sapatos acetinados com saltos altos e muitos
vestidos de seda furta‑cor, como os que usavam as senhoras mais categorizadas
nos domingos daqueles tempos.
O galinheiro foi a única coisa que não mereceu atenção. Se alguma vez o lavaram
com creolina e nele queimaram as lágrimas de mirra, não foi para prestar honras
ao anjo, mas para conjurar a pestilência de esterqueira, que andava como um
fantasma por toda a parte e estava a tornar velha a casa nova. Ao princípio,
quando o menino começou a andar, tiveram cuidado para que não estivesse muito
perto do galinheiro. Mas depois foram‑se esquecendo do temor e acostumando‑se à
pestilência, e antes que o menino mudasse os dentes tinha‑se habituado a
brincar dentro do galinheiro, cujos alambres apodrecidos caíam aos bocados.
O
anjo não foi menos desabrido para com ele do que para com o resto dos mortais,
mas suportava as infâmias mais engenhosas com uma mansuetude de cão sem ilusões.
Ambos contraíram a varicela ao mesmo tempo. O médico que tratou o menino não
resistiu à tentação de auscultar o anjo e encontrou‑lhe tantos sopros no
coração e tantos ruídos nos rins que não lhe pareceu possível que estivesse
vivo. O que mais o assombrou, contudo, foi a lógica das suas asas. Pareciam tão
naturais naquele organismo completamente humano que não podia compreender‑se
porque não as tinham também os outros homens.
Quando
o menino foi à escola, havia muito tempo que o sol e a chuva tinham
desmantelado o galinheiro. O anjo andava a arrastar‑se por aqui e por ali, como
um moribundo sem dono. Expulsavam‑no a vassouradas de um quarto e um momento
depois encontravam‑no na cozinha. Parecia estar em tantos lugares ao mesmo
tempo que chegaram a pensar que se desdobrava, que se repetia a si mesmo por
toda a casa, e a exasperada Elisenda gritava, fora de si, que era uma desgraça
viver naquele inferno cheio de anjos. Mal podia comer, os seus olhos de
antiquário tinham‑se‑lhe tornado tão turvos que andava a tropeçar nas vigas que
sustentavam o telhado e já não lhe restavam senão os ráquis pelados das últimas
penas.
Pelayo
atirou‑lhe para cima uma manta e fez‑lhe a caridade de o deixar dormir no
alpendre, e só então repararam que passava a noite com febres, delirando, em
tartamudeios de norueguês velho. Foi essa uma das poucas vezes em que se
alarmaram, porque pensavam que ia morrer e nem sequer a vizinha sábia tinha
podido dizer‑lhes o que se fazia com os anjos mortos.
No
entanto, não só sobreviveu ao seu pior Inverno como até pareceu melhor com os
primeiros sóis. Permaneceu imóvel durante muitos dias no canto mais afastado do
pátio, onde ninguém o visse, e em princípios de Dezembro começaram a nascer‑lhe
nas asas umas penas grandes e duras, penas de passarão velho, que mais pareciam
um novo percalço da decrepitude. Mas ele devia conhecer a razão dessas
mudanças, porque tinha todo o cuidado para que ninguém as notasse e para que
ninguém ouvisse as canções de navegantes que às vezes cantava sob as estrelas.
Uma
manhã, Elisenda estava a cortar rodelas de cebola para o almoço, quando um
vento que parecia do alto mar se meteu na cozinha. Então assomou‑se à janela e
surpreendeu o anjo nas primeiras tentativas do voo. Eram tão desajeitadas que
abriu com as unhas um sulco de arado nas hortaliças e esteve quase a deitar
abaixo o alpendre, com aqueles adejos indignos que escorregavam na luz e não
encontravam apoio no ar. Mas conseguiu ganhar altura. Elisenda exalou um
suspiro de alívio, por ela e por ele, quando o viu passar por cima das últimas
casas, sustentando‑se de qualquer maneira com um agourento esvoaçar de abutre
senil. Continuou a vê‑lo até ter acabado de cortar a cebola, e continuou a vê‑lo
até quando já não era possível que o pudesse ver, porque nesse momento já não
era um estorvo na sua vida, mas um ponto imaginário no horizonte do mar.