domingo, 28 de junho de 2015

Maria Barroso. Uma vida com várias vidas e o sonho de um mundo melhor


 Maria Barroso encontrou em Mário Soares a mesma vontade de intervir no mundo
Fonte: Expresso

No aniversário recente, comemorado no início de maio, Maria Barroso completou 90 anos, sem que o acumular do tempo denunciasse (segundo confessava António Valdemar, no texto publicado no "Público") a vontade de se apartar da vida ativa e implicada que sempre a caracterizou: "Os olhos continuam despertos para o mundo que a rodeia e exige a partilha de compromissos de solidariedade para transpor a incerteza, a violência, a desigualdade e estabelecer uma cultura de justiça, de tolerância e diálogo." 

A mulher que acompanha Mário Soares há mais de 60 anos, desde que o conheceu quando frequentava a Faculdade de Letras de Lisboa e com ele casou logo a seguir, em 1949, tem uma vida onde cabem várias vidas, e muitas lutas, artísticas, pessoais e políticas.

Nasceu em Olhão, a 2 de maio de 1925, filha de Alfredo José Barroso, oficial do Exército, e de Maria da Encarnação Simões, professora primária. Maria Barroso é a quinta de sete filhos. Quando tinha um ano o pai foi colocado em Setúbal, mas já foi Lisboa que conclui a quarta classe.  

Na capital, estudou Arte Dramática, na Escola do Teatro do Conservatório Nacional (1951) e Ciências Histórico-Filosóficas. Ainda jovem estreou-se na companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, sedeada no Teatro Nacional D. Maria II. Entre 1944 e 1948 subiu a palco em mais de uma dúzia de espetáculos, destacando-se em "Benilde", de José Régio. O mesmo texto que inspira Manoel de Oliveira, e o leva a fazer o filme "Benilde Ou A Virgem Mãe), e ao qual ela volta quase vinte anos depois. No cinema, estreia-se com Paulo Rocha ("Mudar de Vida", 1966) e repete Oliveira: "Amor de Perdição" (1979) e "Le Soulier de Satin" (1985).

O castigo para quem tem coragem de se desviar da norma vigente conhece-o muito cedo, através do pai, e da deportação para Açores de que este foi vítima. Não repudia o modelo paterno, a luta pela liberdade e pela democracia, e por não o esconder é impedida de representar. 

Antes mesmo de se casar com Mário Soares, e enquanto este está na prisão, obrigam Maria Barroso a demitir-se do Teatro Nacional D. Maria II. Os poemas revolucionários que diz para dar voz ao descontentamento levam-na a ser interrogada na PIDE.  

Em Mário Soares, Maria Barroso encontra a mesma coragem, o mesmo desejo de lutar por um mundo melhor. Tal como a mãe, experimentará a deportação do marido, quando Soares é enviado para São Tomé, em 1968. Segue-o, deixando para trás o Colégio Moderno, em Lisboa, que havia fundado. Mas, mais uma vez, o regime não tem vontade de lhe facilitar a vida, e Maria Barroso é impedida de se empregar como professora. Com Mário Soares tem dois filhos: João Soares e Isabel Soares.

Em 1969, apresenta-se como candidata a deputada pela Oposição Democrática e participa no II Congresso em 1973, onde é a única mulher a intervir. Participa na fundação do PS, na Alemanha. É eleita deputada da Assembleia da República em 1976, 1979, 1980 e 1983, e torna-se primeira-dama de Portugal entre 1986 e 1996. 

A sua presença na política e na sociedade civil manteve-se interventiva. No ano seguinte ao fim do mandato de Mário Soares, Maria Barroso assume a presidência da Cruz Vermelha Portuguesa, e recebe a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade. 

Em todos estes anos envolveu-se na luta contra o racismo, a xenofobia, o antissemitismo, a exclusão social, a violência. Mas para sabermos de que qualidade é o sangue que lhe corre nas veias, é bom lembrar que o pai comemorou os 74 anos na Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, a sofrer os horrores da tortura do sono. Talvez esta memória seja apenas uma daquelas que faz com que esta mulher pequenina, charmosa, e bonita não se permita a apartar dos desarranjos do mundo, mesmo quando conta 90 anos.