sexta-feira, 29 de junho de 2012

MANECAS RAMBOUT

Foto: Raul Vera Cruz Barbosa (Facebook)
Por: Geraldo Martins*


Espero ainda um dia escrever sobre o Manecas Rambout. Ele faz parte da “lista restrita” de pessoas extraordinárias que influenciaram positivamente a minha carreira profissional. Antes de o conhecer pessoalmente, conheci-o por interpostas pessoas. O meu amigo Huco Monteiro apresentou-mo um dia, no início dos anos noventa, quando comecei a trabalhar no Ministério da Educação. Ele ministro, eu um quadro recém formado.

Confirmei então a “marca” que ele já carregava com humildade: Inteligência. Manecas possuia uma inteligência perspicaz e refinada. Era capaz de elaborar articuladamente sobre um assunto em espiral, num círculo que parecia de repente que estava a sair fora de órbita, para, surpreendemente, voltar com desenvoltura ao assunto e concluir elegantemente o raciocínio iniciado. Vi-o neste maravilhoso exercício várias vezes, ao longo de muitos anos, e posso dizer que, com ele, conseguia convencer muita gente. Penso, sinceramente, que nem sempre tinha razão, mas a inteligência também serve para isso – trazer a razão do nosso lado.

Os anos em que dirigiu o Ministério da Educação foram anos dourados da cooperação com a Suécia. Quase tudo -- concepção e impressão de manuais escolares, fornecimento e distribuição de material didáctico às escolas, confecção de carteiras, formação de professores – trazia estampado o selo “Supported by Sweden”. Manecas tem imenso mérito nisso. Hábil negociador, conseguia quase sempre dos parceiros de desenvolvimento o que queria. Uma das suas mais bem sucedidas investidas foi convencer a Suécia a financiar um suplemento salarial para os professores, em 1992. Um país estrangeiro a pagar salários de funcionários públicos? Pois é: fê-lo. 

Manecas preocupava-se com as pessoas. Um dia mandou-me subir ao seu gabinete e pediu-me que trabalhasse com o escritório do PAM na preparação do novo programa de cantinas escolares. E lançou-me este desafio:

-- Vamos propor a inclusão de um “subsídio de arroz” aos professores a fim de melhorar as suas condições de vida. 

Durante seis meses, trabalhei com o Alain Cordeil (na altura representante do PAM em Bissau) e, depois, fomos ambos a Roma defender o projecto. Um sucesso: 9 milhões de dólares para financiar refeições aos alunos e um saco de arroz por mês aos professores do ensino básico, durante três anos. 

Manecas era um homem que valorizava muito a competência e procurava basear a sua liderança na meritocracia. Uma vez, o seu amigo Agnelo Regalla, na altura Secretário de Estado da Informação, veio visitá-lo ao seu gabinete, no meio de uma grave crise com o recém-criado Sindicato Nacional do Professores (SINAPROF). Chamaram-me ao gabinete e ambos propuseram que eu fosse à televisão nacional à noite, explicar à opinião o que se estava a passar – foi a minha primeira exposição nacional. 

Estas são apenas algumas lembranças minhas de um intelectual humilde e íntegro. Não o via há muito tempo, mas sabia que estava em Angola. Globalmente, a competência nunca se perde. O que a Guiné-Bissau perdeu, ganhou-o Angola. Hoje, porém, ambos perderam.

Descanse em paz Manecas !

*Geraldo Martins - guineense, ex-ministro da Educação Nacional, Cultura e Desporto  da Guiné-Bissau e especialista em Desenvolvimento Humano no Banco Mundial