terça-feira, 8 de janeiro de 2013

A IDOLATRIA E O MEDO NA ESCRITA DE INTERVENÇÃO



Por: Fernando Teixeira*


OS PERIGOS DO ANONIMATO

Esta carta, que inicialmente era para ser dirigida apenas a um leitor - que teve o obséquio de me escrever sobre – mas que acho pertinente e necessário aqui expor de uma forma mais alargada. Parte do que vão ler já foi escrita há uns anos como uma reflexão sobre a maneira como podemos utilizar esta maravilhosa feramente que se chama internet para melhorar o nosso país no geral, isto é a nossa classe pensante, os quadros e a pouca massa crítica ainda existente, pois as transições da vida fizeram que muitos quadros guineenses espalhados por este mundo fora tenham há muito saído deste nosso universo essencialmente Guineense. Se este maravilhoso mundo novo virtual é extraordinário pela rapidez com que as nossas ideias atingem um grande público, ela é passível também de ser um palco de permanente conflitualidade politica, confronto de vaidades, ódios e outros menos nobres sentimentos. Mas isso só é possível quando esse cidadão não se esconda atrás de pseudónimos para escrever e opinar sobre o País e/ou figuras públicas. Pois essa mentalidade, alem de assente em cobardia e no atraso, é uma mentalidade intelectualmente tacanha e de certa forma “desonesta” e oportunista; pois mesmo tentando entender que esse comportamento é baseado em certos pressupostos que têm a ver com a insegurança e o medo que os cidadãos - embora não o confessem - têm do seu próprio Estado. O que é (ou devia ser) um contra-senso nesta “época de Democracia” e neste globalizado mundo em que vivemos. O facto de se esconderem atrás de falsas identidades é também extremamente nocivo para os que não se escondem. Pois faz com que os que não se escondem serem eventualmente prejudicados (física ou profissionalmente), enquanto “os cobardes” continuam em segurança relativa; em vez de com o seu “descobrir da cara” criarem uma força moral e patriótica tão forte e de uma amplitude tão grande que ninguém possa ser prejudicado jamais pelas suas opiniões neste país.

E mesmo “entendendo”, de certa forma, quem assim procede, porque a sua vida esta possivelmente ameaçada por um poder (eventualmente criminoso) superior do Estado ou outro ainda mais nocivo, tenho que dizer que esta “vantagem” que o anonimato teoricamente dá é contraproducente a longo prazo. Pois esta aparente vantagem é um handicap muito grande, pois em toda a parte do mundo, em qualquer circunstância, quase ninguém tem respeito pelos que se escondem, pelos que não dão a cara, embora possam estar de acordo com eles; embora compreendam os seus motivos. Portanto neste particular, este comportamento, em vez de ser positivo - no sentido de permitir o livre exercício da crítica política (que doutra forma eventualmente não seria possível para alguns) - acaba sendo pernicioso até para os próprios que assim se querem proteger; pois a longo prazo ele é mais destruidor para o tecido intelectual da nação do que os seus benefícios a curto prazo, Um indivíduo que escreve sobre pseudónimo terá porventura “uma certa liberdade” mas ao mesmo tempo terá também “uma certa impunidade” de denegrir os outros impunemente; e isso muitas vezes os leva a não respeitarem as preocupações de verificar cabalmente os factos antes de os publicarem; mas isto é apenas um aspecto entre outras dezenas de falhas que norteiam este tipo de intervenção “camuflada”. E isso as vezes acontece sem intenção premeditada do escritor, pois o seu subconsciente está mais livre do que quem escreve dando cara e isso obviamente aligeira a pena. Todas estas nuances, no cômputo geral, acabam por tolher o avanço da Nação de várias maneiras, fazendo com que o objectivo alcançado seja totalmente contrário ao pretendido. Porque querendo ou não quando temos receios fundados ou infundados no exercício de qualquer criação, ela é ou torpe ou insuficiente para não dizer tendenciosa as mais das vezes; o medo provoca geralmente reacções desonestas, desconexas ou falsas, pois não é ele “o mais ignorante, o mais injusto e cruel dos conselheiros”? (Como bem diz Burke). E hoje, acima de tudo, no momento crucial que vive a pátria, ao esconder-nos atras de pseudónimos, estamos a “trair os interesses do povo” na mais profunda acepção Cabralista.

Escrever escondendo atrás de pseudónimos já é mau, não escrever por medo pior, sendo bajuladores por interesse, apoiando pessoas que sabemos que não são talhados e nem capazes para assumir determinadas responsabilidades, apenas para tirar algum proveito duvidoso; sendo, em suma, indiferentes para com a sorte da Nação cometendo o crime de lesa-pátria, quando na verdade tudo o que se nos pede é preenchermos a nossa mente com um requisito básico: o facto de que a responsabilidade intelectual do escritor, ou de qualquer pessoa decente, é dizer a verdade sobre os factos, sobre as causas e sobre os efeitos destas. Tudo o mais de bom, baseado neste númeno, virá por acréscimo. E assim talvez da nossa parte o medo que Cabral tinha destes comportamentos desviantes não se consubstancie. Esse medo, patente na afirmação de Amílcar Cabral “Se nós, amanhã, trairmos os interesses do nosso povo, não será porque não o soubéssemos, será porque quisemos trair e não teremos então qualquer desculpa”, infelizmente foi uma realidade impossível de esconder. Essa traição aos interesses e sonhos mais profundos deste povo, que foi realizado pelos seus próprios companheiros e por muita outra gente mais, tão profundamente como só fazem os traidores, foi o que nos fez chegar onde chegamos.

BANTABA ANDORINHA COM O SEU CORO DE ANDORINHAS GUINEENSES

Tudo isto nos remete para um outro nível moral, porventura mais elevado. Só temos uma dicotomia: o silêncio ou a escrita. O silêncio é criminoso e atentatório a dignidade e aos direitos do povo. Sei que há os que preferem que não se escreva, que não se diga nada, que quanto pior, melhor. E sabemos quem são. Aqueles para quem o País é apenas um lugar-comum sem nenhum interesse ou significado profundo. São aqueles que nem se apercebem (como muitos antes deles) que a hora de todos pagarem chegará tarde ou cedo. E o facto de viverem bem a custa da desorganização os fará (um dia) morrerem mal a custa da desorganização.

E o facto de termos chegado onde chegamos é que na verdade nos faz escrever... De todas as maneiras mesmo que muita coisa de mal pode ser dito e escrito neste espaço virtual, acredito que coisas boas estarão sempre em esmagadora maioria, pois a maioria das pessoas são honestas e altruístas e estão genuinamente comprometidos com os destinos da sua pátria; alem de que se fosse de outra maneira nada valeria a pena aqui. Por acreditar no que afirmei que disse antes “que não sendo o nosso um país de académicos, politólogos ou cientistas políticos, precisamos mesmo assim de “conversar” e elevar o nível da “nossa conversa” até onde ela é possível. Pois a teorização política pode ser também uma arma para elevar o nível das nossas gentes e originar a boa compreensão do que se passa no nosso país. Pois é necessário falar não só de “Politica”, mas de “Cultura Politica”, de “Literatura”, da “Ciência”, do “Direito”, da “Arte”, “ da “Medicina” e da própria “Cultura” em geral, em suma, de novas ideias para um novo País ou para um novo começo. Pois SE não se salva um povo pela economia, mas pela cultura, então desta “literatura de intervenção”, desta “literatura virtual”, também se faz a cultura de um povo, a história de um povo, o sentimento de pertença de um povo. E desta forma também podemos dar aos que nos lêem um profundo credo em si mesmo como elemento de um povo que se quer grande e capaz. De forma que não espere realizações vindas de cima, mas as que partem dele, que surgem dentro de si próprio. Pois são essas realizações que provarão que ele existe, que é uma vez audível no coro nacional, de tal forma audível que quando se calar as pessoas sentem a sua falta e perguntam para onde foi.

E assim que vejo e utilizo esta Escrita de Intervenção, mas entendo que a “escrita de intervenção”, na sua variedade e possibilidades de publicação, seja em simples e-mails, na facebook, em Blogues pessoais ou não, e tantos outras plataformas virtuais, tem que obedecer a certas regras de apropriação e de apresentação. Regras no geral não escritas (não falo aqui de política interna de cada site em particular) mas que devem ser baseados se não na elementar justiça, na ética pelo menos. E não apenas naquela ética simples e compreensível por todos em frases tão batidas como “a minha liberdade termina onde a sua começa” ou “sou contra tudo o que você diz mas respeito o seu direito de dize-lo” etc. nem apenas em entendimentos sociais e civilizacionais feitos da urbanidade de não insultar, não difamar, não agredir escrita e verbalmente. É necessário frisar que se escrevemos de modo sério e não apenas para ser “notado”, então é porque o nosso espirito esta alicerçado num “dever” que provocara o devir melhor que todos ansiamos. E este devir terá como base uma memória colectiva feita de todos nós e de tudo o que escrevemos neste espaço virtual permanente que não controlamos; pois depois de publicado o nosso ensaio e passa a pertença de centenas de pessoas que o usarão de modo que entenderem pra o bem ou para o mal; e depois de mortos os nossos escritos continuarão a rodar infinitamente no tempo durante dezenas de anos ou centenas, pois o “espaço virtual” apenas esta nos seus primórdios e ela durara, isso podem ter a certeza absoluta, mil anos… e não se admirem se na primavera do ano 2090 uma linda menina que nasceu no ano 2070 esteja a ler um texto, que encontrou por acaso, que escreveram cem anos antes de ela nascer. Podem-me dizer que hoje também leio textos de Confúcio ou de Heródoto escritos há mais de dois mil anos, mas eu vos responderei que os Confúcios e Rogeres Bacons e Kants contam-se pelos dedos e lê-los é diferente de ler um texto que um miúdo de Pefine em Bissau, escreveu e publicou no Cyber Café de Chapa de Bissau, cem anos depois; mas o texto desse menino lá estará, para todo o sempre, ao lado dos de Voltaire e de Hegel rodando nesse permanente e cada vez mais infinito espaço virtual. Por isso mesmo, e por respeito a essa garota nascida em 17 de Abril do ano 2070, não devemos escrever insultos nos nossos textos (além de que um texto com insultos é difícil e muito desagradável de ler e facilmente fazem perder leitores). Geralmente que lé um texto com insultos fica com uma ideia tão má de quem o escreveu que raramente volta a lê-lo.

Mas podemos utilizar este grande “bantabá”, esta “bancada andorinha” (existe uma em Bissau) gigantesca, onde como andorinhas, cada qual sentado no seu poleiro (computador, ipad ou smartphones) piamos uns para os outros, e como as andorinhas os nossos pios podem ser grossos ou finos, extensos ou curtos, ouvidos ou não, mas cada pio é necessário no concerto final; pois num coro de vozes parece que muitos são supérfluos e que poderiam lá não figurar, mas isso para quem não tem ouvido musical, pois quem é aficionado, consegue distinguir audivelmente cada voz, desde baixos, barítonos e tenores, nas suas variações respectivas femininas, o soprano ao contralto. Isso para dizer que por mais poderosa que seja a sua mensagem, ela só o é, no fundo, por comparação, por justa posição. Pois na verdade só posso saber que Adam Smith é um grande economista comparando-o com outros economistas clássicos como David Ricardo e Karl Marx por exemplo. Pois da mesma maneira que nunca poderia existir um Hegel sem Kant este não existiria sem Hume ou quiçá Platão, pois a criação humana nunca é obra de génios iluminados; sempre é produto de uma evolução que muitas vezes começou mil anos antes do nascimento daquele que viria a ser o seu maior expoente. Quem sabe algum texto, de alguém, neste espaço virtual, um dia será o rastilho de uma revolução Copernicana no nosso país? Mas mesmo sendo isso hipoteticamente possível (como a imolação pelo fogo do vendedor ambulante Tunisino que despoletou a actual revolução árabe conhecido como a Primavera Árabe) devo em nome dos perigos da “idolatria” do texto (que falarei abaixo) e da verdade vos asseverar que a nossa mensagem é sempre parte de um coro onde outros mensageiros - que assim como nós querem (e devem) passar a sua mensagem para que esta sirva ao soerguimento do edifício comum que é a nação guineense (destes que eu falo) – que nos escutam modelam a nossa voz de uma forma ou de outra. A Revolução de Copérnico influenciou todas as artes, embora ele só percebesse de planetas e estrelas, mas o seu método que permitiu descobrir que é a Tera que gira a volta do Sol e não o contrário como há cinco mil anos vinha sendo aceite como verdade indiscutível pela Humanidade, permitiu que outros no campos da filosofia a Historia, da Física as Ciências da Natureza e a outros intelectos tão distantes da Astronomia fizessem poderosas descobertas. Que o digam Darwin e Newton. Por isso fala-se e com razão na Revolução Copernicana.

Mas não tendo conhecimentos profundos sobre a ciência da linguagem tirando o lugar-comum aceite que a linguagem é a expressão do pensamento por palavras, quero aqui dividir com vocês a linha de compreensão de Noam Chomsky que nos ensina que “a essência da ideia sobre a linguagem (…) é que a linguagem envolve "o uso infinito de meios finitos", algo que parece paradoxal. Os meios devem ser finitos porque o cérebro é finito. Mas a utilização desses meios é infinita, sem limites; sempre se pode dizer algo novo e a disposição das expressões da qual a utilização normal é formulada é astronómica vai muito além de qualquer possibilidade de armazenagem, e é ilimitada a princípio, o que torna impossível a armazenagem. Esses são aspectos óbvios da linguagem comum e sua utilização, apesar do fato de que não esta clara a forma de controlá-los.

E tudo o que Chomsky escreve acima, foi escrito, creio, numa época em que não havia este espaço chamado internet (penso que actualmente é a palavra mais conhecida do planeta), portanto hoje o cérebro humano, mais do que no seu tempo, tem - além do que ele diz - ao seu dispor possibilidades praticas quase infinitas - de num determinado lugar pesquisar o mundo inteiro, o passado e o presente - que podem ser multiplicado varias vezes neste mundo virtual que cada dia acedemos, influenciamos e somos influenciados para o bem e para o mal. Agora os médicos não aconselham criar uma página na facebook para quem esta deprimido e precisa de amor e carrinho? (bem lá tem sempre alguém para nos dar um abraço todos os dias e desejar-nos tanta felicidade que as vezes ficamos pensando que não damos devido valor a nós mesmos).

O ESPAÇO VIRTUAL E NOÇÃO DE IDOLATRIA DO TEXTO SEM ESQUECER O “ESCREVER POR ESCREVER” E AMÍLCAR CABRAL TAMBÉM

O espaço virtual por outro lado pode criar a noção de “idolatria” pelos nossos próprios textos. O perigo disso é grande e a maioria dos que estão a iniciar o seu aprendizado na publicação de textos neste espaço criam grandes expectativas sobre eles; sobre a sua qualidade, sobre o singular da sua mensagem, sobre “o nunca antes dito”, sobre o seu alcance, sobre o impacto que terá, etc., etc., para depois com amargura perceberem que noventa e nove por cento de textos publicados não têm e não terão nenhuma influência, nem em quem quer que seja ou em qualquer acontecimento ou mudança social ou politica, A “idolatria do texto” levam as pessoas a imaginar coisas fantásticas acerca do que escrevem, e a espera de resultados torna-se sempre longa e insuportável (pois é uma espera inglória) e leva muitas vezes ao desencanto e a conclusão de que “não nos merecem”, de que os leitores “não entenderam a mensagem” ou de que “não estão preparados para o alcance da mesma”, etc. e por ai fora. Mas é esse momento, momento de desapontamento, o mais importante, pois ou a pessoa desiste de escrever, portanto de tentar influenciar para melhor a sociedade ou perseverantemente melhora o teor e a forma da sua mensagem. A segunda hipótese é a melhor, indiscutivelmente, pois não se melhora o conteúdo e a forma de escrever porque se quer; primeiro tem que se “aclarar o pensamento” e para melhorar o pensamento é preciso estudar, investigar, ler, em suma o tal de “aprender, aprender, aprender sempre” como dizia o Amílcar Cabral. E mesmo que depois nunca mais escrevamos uma linha na internet, já seremos uma pessoa mais perfeita, mais competente e mais racionalmente dedutivo em assuntos que antes eram de nosso interesse. Por isso ao escrever, tendo sucesso ou não, você só tem a ganhar, de um modo ou de outro. Pois o acto de escrever é na verdade o momento que o nosso ser se divide em dois e discute consigo próprio, sobre a verdade das coisas e depois, não menos importante, sobre a forma como a verdade deve ser contada. Pois é na hora de escrever e durante o acto da escrita propriamente, que o nosso espírito flui livremente do ser para o “mundo imediato” (seja ela uma folha de papel ou o ecrã de um computador) onde faz ricochete para voltar para nós de novo com outros vincos, que agora (de novo) o ser/pensamento (ou o ser pensante) torna a analisar e nesse processo interactivo criando novos vincos, num movimento dialéctico e perene em que o conteúdo e forma condicionam-se numa simbiose que é o verdadeiro acto de criação.
Na verdade para mim na política (e não só) só existe o “pensamento escrito”. Pois o acto de “pensar” sem o acto de “escrever” é pueril; pois por mais bons pensamentos que tenhamos, se ficam dentro da nossa cabeça, de nada valem. Só depois que passam para o papel e tomam forma de uma tese coerente, seja uma carta de amor ou um enunciado matemático, é que o pensamento se realiza. Uma tese apenas pensada não existe (mesmo que hipoteticamente a possamos visualizar ou até verbalizar na íntegra), ou existe apenas “potencialmente". Que é outra forma de dizer que “não existe”. Porque “não existir ainda” e “não existir” é uma e mesma coisa. Só “existe” quando a podemos ler (depois de escrito).
E assim, neste permanente “pensar para melhor escrever e escrever para melhor pensar” que cinquenta anos depois ainda, se quisermos, encontramos um substrato ideológico comum com o “agir para melhor pensar e pensar para melhor agir” de Amílcar Cabral que era a tentativa teórica, de transposição para a linguagem inteligível, este proterótipo processo mental, real no tempo e no cotidiano do tempo da Luta, encontro a aprovação do digo, nesta nova Luta que travamos, a Luta pela Nação. E como ainda estamos em Luta pela emancipação deste povo e para a criação final desta nação, pelo desenvolvimento desta Pátria, devemos usar este instrumento (escrita de intervenção) como a mais importante arma da revolução cultural que se avizinha.
Alguém disse que quando Amílcar Cabral tinha um problema complicado para resolver escrevia longamente sobre ele “como se o simples facto de escrever sobre isso resolve-se por si só o problema” (…) Aqui somos autorizados a especular sobre os motivos que levavam o Homem a proceder desta maneira. Creio que os motivos do Amílcar, nesse particular, eram outros, pois esse homem de quem o próprio Ernesto (Che) Guevara disse que era “… o dirigente africano de maior talento e o que mais o tinha impressionado” (Che Guevara era um médico que abraçou a revolução de um outro povo, como base e preludio para uma revolução continental, como de Simon Bolivar, que um dia chegaria ao seu país… mas aqui o importante é que ele era uma mente brilhante seja na medicina, economia e teoria revolucionária; por isso tudo que ele disse sobre Cabral tem uma importância acrescida) não podia “escrever por escrever”, isto é, esperando que as coisas se resolvessem por si só. Acho que os motivos do Homem, quando escrevia, eram, modestamente, parecidos com os meus actuais. Independentemente do que já disse antes sobre este particular, entendo que só escrevendo sobre as coisas, conseguimos discernir - o principal do acessório, o conteúdo da forma e muitas vezes o certo do errado – e penetrar na essência das coisas do que simplesmente pensando sobre elas, mesmo que atenta e profundamente. Creio que quando Cabral sintetizou o seu pensamento em “pensar para melhor agir e agir para melhor pensar” podia ter partido de uma outra intuição que eu verbalizaria por “escrever para melhor pensar e pensar para melhor escrever”. E jogando com palavras colocando-as antes e depois da famosa frase, numa certa lógica de continuação, obteria: escrever para melhor pensar, pensar para melhor agir, agir para melhor pensar, pensar para melhor escrever“ com isto querendo dizer que in fact não há outra maneira de “pensar”. Pensar sem escrever é não pensar. Mas como escrever não é o mesmo que copiar, o escrever significa: pensar (analiticamente) e sistematizar - passando da ideia inicial a sua antítese, que depois determinaria a sua síntese e por fim a tese final, como todos sabemos. Só assim o pensamento pode “realizado”.

Mas este “escrever para pensar” quando o objecto do pensamento é político (não no sentido estrito de procura do poder, mas na política no verdadeiro sentido nas suas diversas manifestações; no sentido da política que atua na História, mudando o seu curso e sentido, a fim de o ser humano poder permanecer livre e humano) deve ter a sua realização num “agir consequente”. Por isso considero “escrever por escrever” mais nefasto que não escrever. Ou como se diz, a “meia verdade” é pior que uma “mentira inteira”. Nunca pensem apenas: escrevam o pensamento. Nunca escrevam apenas: pensem a escrita. Só assim agem consequentemente. E quando o pensamento e a escrita tornarem-se um só você se realizou.


PRIMADO DAS IDEIAS, IDEALIZAR PARA REALIZAR

Mas seja como for temos que voltar ao primado das ideais, do idealizar para realizar. Pensar “segundo as ideias” e verbaliza-las “segundo as palavras” para realiza-las “segundo os actos”. Mas não da maneira de Albert Camus que respondendo a uma importante questão disse: Por que sou um artista e não um filósofo? É que penso segundo as palavras e não segundo as ideias. Camus na verdade era um filósofo e não um artista, por mais que quisesse ser o segundo. E será sempre lembrado como filosofo e não como artista. Isso para dizer que quanto a mim “penso” segundo as “ideias”. Mas o que é na verdade “pensar segundo as ideias”? Para responder a esta questão temos que aceitar em primeiro lugar que pensamentos não são ideias; da mesma forma que um conjunto de ideias, só por si, não formam uma ideologia. Mas a sistematização de pensamentos, imbuídos de sólida realidade, numa aturada maturação com objectivos claros de melhorar o nosso país, determinará o surgimento da “ideia”. Marx sobre este particular escreveu o seguinte: “para Hegel o movimento do pensamento que ele personifica no nome de ideia, é o demiurgo da realidade, a qual é apenas a forma fenomenal da ideia. Para mim, pelo contrário, o movimento do pensamento é apenas a reflexão do movimento real, transporto no cérebro do homem”. Para nós Guineenses, infelizmente (correndo o risco de contradizer o Marx), só a ideia pode ser o demiurgo da realidade, pois a nossa pobre e miserável realidade é muito pouco propenso ao impulso gerador de novas ideias que venham a transformar essa mesma realidade. Por isso, assim como Hegel, prefiro a força criadora das ideias e não a realidade miserável da nossa existência que destrói toda a força criadora que poderia ter, que sem apelo nem agravo parece só gerar ideias destrutivas que vejo em tantas pessoas que poderiam ser muito superiores a isso.

E como creio que a nossa miserável realidade (económica, social e politica) nunca será o demiurgo de nada, temos que abstrair-nos dela e viver e criar para além dela. Acreditar que tudo o que vemos e nos repugna é algo que podemos mudar num reduzido espaço de tempo com ideias novas e uma vontade inquebrantável. Preciso acreditar como Heinrich Heine que “A ideia precede a acção como o raio precede o trovão”, mas essa ideia, a ideia nacional, a ideia de que tudo podemos, tem que ser mais que transmitida, mas interiorizada tão profundamente que seja por fim a tal demiurgo da realidade que queremos e procuramos a tanto tempo. Já disse antes, não queremos que seres humanos moram em nome de alguma ideologia, por mais correcta que ela seja, mas que vivam para a realização do porvir. Que vivam para efectivação de uma ideia que seja justa e que aponte o caminho para enormes realizações futuras nesta terra que Deus nos deu, que espera e desespera pelos seus filhos. Que vivam para superar o passado, que um dia se orgulhem de dizer “eu fiz”. “Pensei e realizei” e não apenas “escrevi e disse”. Pois o criador da ideia idealmente devia ser o realizador da ideia através de um movimento que se reveja nessas ideias para que se possa triunfar. E quando falo de um movimento, aqui não me refiro ao cultural ou literário, embora pelo texto leva-se o leitor a pensar nisso, aqui refiro a um movimento político, pois como já disse a “Escrita de Intervenção” é um instrumento da política e não da literatura. Pois ele persegue objectivos políticos embora as vezes tenha vestes de literato ou de intelectual, no fundo, por baixo dassas veste tem sempre as vestes do militante de uma causa, de um ideal, de um povo. E a nossa escrita de intervenção é para servir este povo, para preservar este povo que se dilui cada dia, como areia de praia pelos dedos, desaparecendo na fímbria do mar; desaparecendo pelos países do mundo, engolidos por culturas estranhas, deixando apenas um ténue rasto de algo maravilhoso que um dia existiu. Esse rasto que encontraremos em terras distantes, na cara dos seus filhos, nos olhos dos seus netos, mas nunca nos seus corações. Esse algo que sempre existiu, esse algo insubstituível na terra, que só existe no povo no seu conjunto, que é necessário devolver. Só assim podemos “paga nõ quinhon”, como dizia o grande filho deste povo, José Carlos Schwarz.

ESCRITOR VERSUS ORADOR NO PROCESSO DE INTERVENÇÃO

A Escrita de Intervenção embora feitos critérios de sintaxe próprias, que nunca serão totalmente definidos ou possíveis de ser aceites de modo consensual - penso que cada um de nós (escreventes) tem que encontrar o seu caminho próprio – esta “escrita de intervenção” tem o condão sublimar de transformar o discurso verbal em taquigráfico, isto é em discurso escrito taquigraficamente. O que modifica totalmente a percepção e o acto de escrever. Pois deixa de ser passivo para ser activo, procurando tocar a alma do leitor e não somente o seu cérebro. Pois entendo que a escrita, diferente do discurso, “atinge-nos” só quando estamos predispostos para isso. Enquanto um orador politico brilhante “atinge-nos” independentemente de nós mesmos, do nosso estado de espírito ou da tal predisposição do momento. E diferente da escrita, no discurso verbal, pode-se repetir as frases e palavras dezenas de vezes até atingir o efeito desejado, sem que isso constitua um “erro” seja gramatical ou de estilo. Alem de que verbalmente podemos aumentar ou diminuir a intensidade da “força necessária” com que queremos atingir o ouvinte com as nossas ideias.
Acredito, portanto, na política apenas, no primado da retórica em relação a escrita, num tempo certo, no tempo em que for preciso para um orador capaz galvanizar as massas e fazer passar a mensagem (a ideia) do escritor (pensador). Como disse antes “é a tal dicotomia “homem da palavra escrita versus homem da palavra falada”. Mas como por agora é difícil “atingir”, através da fala, um grande número de pessoas, então resta a “escrita falada”. Que para chegar “com a violência necessária” às pessoas, devo repetir o máximo que puder (sem estragar a harmonia do texto e a fluidez das ideias) certas ideias e verdades. E a maneira mais fácil de o fazer é repetir as sentenças” e “frases” ou usa-las mais de uma vez.

E não penso isso porque entendo que sou “melhor” com palavras do que com letras, e nem porque acredito piamente na superioridade da palavra falada em relação a palavra escrita, mas porque sendo realista, conhecendo a História da humanidade, sei que é pela palavra que se convence um povo a fazer uma revolução e não pela escrita. E portanto nesse preciso momento, o momento político de mudanças profundas, como agora, o orador é mais importante que o escritor.

Dito isto para situar o meu pensamento em abstracto sobre este particular, passo a questão de escrever do “dever de escrever” que acima mencionei, não pode existir sem o outro, seu sósia, que é o da “memória”; mas como não existem “dever de escrever e o da memória” sem o “dever da honestidade”, temos aqui uma tríade de “deveres”, pois por mais que lhes vire, não são “direitos”. Aliás este último pressuposto é a condição basilar para realização dos anteriores. No fundo são três coisas inseparáveis que significam uma e mesma coisa; A honestidade intelectual (aqui a palavra intelectual também significa política) – que diferente da honestidade normal que deve pautar as nossas acções durante a vida – tem uma componente acrescida de responsabilização, baseada na convicção que a honestidade intelectual não tem implicações somente para o intelectual, mas para todas as pessoas que escutam, lêem e se revejam nesse intelectual, político ou nesse especifico cidadão. Mas tudo o que acabei de dizer só tem sentido se não existir o medo de escrever, de falar e de criar. Pois é a coragem o maior dos atributos humanos, pois ela é que suporta todas as outras qualidades que possamos ter. Na verdade é a coragem que fez o homem abandonar o Reino Animal para ser homem. Quando o primeiro Guineense corajosamente decidiu morrer pela sua dignidade tornou-se num homem livre nesse momento. É essa herança, que esse homem anonimo nos deixou, que não devemos menosprezar. Não devemos desprezar essa grandiosa herança, traindo a nossa natureza de homens nascidos livres e iguais que nos é ensinada por Jean-Jacques Rousseau no seu imortal “Contrato Social”.

Mas independentemente desta parte “desiderativa” existe a parte “abstractiva” da “Intervenção Escrita” que não sendo uma ciência nem instrumento de linguagem, mas de política, depende de cada um. Por isso, respondendo ao meu leitor, falando portanto agora de mim, pessoalmente, como mais um escrevente deste espaço virtual, digo o que já disse uma vez num outro texto: o meu escrever, no fundo - se assim o posso descrever literariamente - é o “som da minha alma batendo no teclado do meu computador” e através deste chegar ao meu leitor. Isso também sucede porque estes escritos na verdade são palavras, que como já disse “só os escrevo porque não os posso dizer pessoalmente a cada um de vocês”. É um discurso “traduzido na escrita”. Como se fosse a gravação de um discurso que depois é estenografado e publicado em forma de texto. É falado embora chegue a vocês em forma escrita, a única maneira de fazer chegar as ideias que professo a mentes que não posso alcançar com retórica. Portanto o meu escrever é falado e assim deve permanecer, para ter resultados. É esta fórmula que encontrei na minha intervenção cívica, pois esta minha escrita é de intervenção e somente de intervenção. Falei (poeticamente) do meu caso porque é aquele que penso conhecer melhor, pese embora tenha analisado o de vários outros que leio com atenção e as vezes até troco e-mails com alguns.

Pese embora o meu escrever, neste momento, só tem um sentido político, que entendo também ser o meu dever de cidadão, tenho que confessar que só escrevo porque não “posso falar” para este vasto público “Net-niano” (ou seria Internet-niano?) directamente. Que só escrevo porque não posso falar directamente com o meu povo, em cada cidade, em cada vila, em cada rua e em cada esquina para lhes dizer que podem ser o que quiserem quando quiserem independentemente de quem esta a frente. Pois a relatividade e a efemeridade das lideranças nunca poderão acompanhar nenhum desenvolvimento harmonioso permanente.

Bissau, 9 de Janeiro de 2013

* Arquiteto e Coordenador da Casa dos Direitos