segunda-feira, 6 de julho de 2015

Outros acontecimentos da semana que passou…



Embaixador Horácio Borja na Zona Libertada

A semana que passou foi também marcada por acontecimentos muito interessantes. Uma delas foi no campo diplomático. Depois de vários avanços e recuos, provocados pela SEDE, finalmente, o Embaixador Horácio Sevilla Borja conseguiu entregar as Cartas Credenciais ao S.E Presidente da República José Mário Vaz, que em janeiro deste ano, em Brasília, já o tinha recebido em audiência. O grande sonho que este Combatente da Liberdade trazia há muitos anos, o de ser o primeiro Embaixador da sua pátria na República da Guiné-Bissau foi realizado.


Sem a repercussão que deveria ter uma notícia desta natureza, e sem querer bater, no “ceguinho” do gabinete de comunicação da Presidência, que nem uma foto deste estórico ato, se dignou a publicar, aqui vai mais uma pergunta para abandonarmos as zonas "dos incomodos" e "dos confortos" e passarmos a AÇÃO!!! 


Mas, quem é Horácio Sevilla Borja?

Nada melhor do que ler esta entrevista:
    
Fonte: A Semana

Retratos

Horácio Sevilla Borja, observador da ONU às zonas libertadas da Guiné: “Com a nossa missão tudo mudou” 19 Janeiro 2010. Há 38 anos a ONU enviou uma missão de observadores às zonas libertadas pelo PAIGC na Guiné-Bissau. Chefiada pelo equatoriano Horácio Sevilla Borja, integrada pelo tunisino Kamel Belkhiria e pelo sueco Folke Lofgren, o grupo percorreu durante oito dias o interior daquele território cujo domínio (em dois terços) era reivindicado pelo PAIGC. Quase 40 anos depois, Sevilla Borja relembra nesta entrevista os significados da missão. Ele e Folke Lofgren são convidados da conferência que tem lugar esta terça-feira, 19, às 17 horas, na Biblioteca Nacional, promovida pela Presidência da República.

Para os portugueses, na altura, vocês não entraram nunca na Guiné. Tudo não passou de uma ficção.
Isso realmente foi dito por eles, nomeadamente, pelo então ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício. Mas, claro, a nossa missão estava documentada, fotografada, de maneira firme. Fomos perseguidos pelos portugueses, que nos bombardearam quase o tempo todo. Mesmo assim, caminhamos oito dias pelas zonas libertadas pelo PAIGC. Num dado lugar, Quedanda, se não me engano, passámos ao lado de um quartel português, a dois quilómetros. Portanto, a missão foi real, não foi uma ficção, como quiseram fazer crer.

Uma decisão revolucionária
Como é que se deu a sua escolha para essa missão?
A decisão aconteceu no âmbito do Comité dos 24, da ONU, que se ocupava da descolonização. A proposta, quando submetida à Assembleia Geral, foi aprovada por uma larga maioria. Tratou-se de uma missão inédita, um passo em frente, se quiser, uma revolução nos anais da ONU. Na altura deveríamos ir também a Angola e a Moçambique, também convidados pelo MPLA e pela Frelimo. Mas o primeiro convite surgiu do PAIGC.

Por que diz que foi uma “revolução”?
Foi uma revolução porque, pela primeira vez, na ONU, um movimento de libertação convidou a comunidade internacional a visitar um território. Até aí eram as potências administrantes a convidar as missões de visita da ONU, nelas procuravam mostrar os passos que estavam a dar em benefício dos povos por elas tutelados, com vista à sua autodeterminação e independência.
Com o convite do PAIGC, romperam-se todos os moldes, as formas de trabalho da ONU no processo de descolonização. E dada a tenacidade de Portugal de conservar as suas colónias, negando a realidade, a ONU deu um passo em frente, com a abstenção de uns poucos países que o apoiavam, dentre eles os EUA, a França, etc. Portugal se opôs por todos os meios ao seu alcance.

Vocês eram quantos?
Éramos três e estávamos apoiados por dois membros da secretaria da ONU. O secretário-geral na altura era o austríaco Kurt Waldeim. No caso do Equador a escolha recaiu sobre mim, mas também estavam os meus colegas da Tunísia [Kamel Belkhiria] e da Suécia [Folke Lofgren]. A distribuição era geográfica. Um dos elementos de apoio era do Senegal, o Sr. Gaye, e o fotógrafo era japonês. Portanto, havia gente de todos os continentes.

E foi com base no vosso relatório que o PAIGC pôde declarar a independência da Guiné-Bissau, não?
Sim. No nosso regresso dissemos que efectivamente o PAIGC controlava a maior parte do território da Guiné-Bissau. Mais do que isso, tinha organizado a sociedade. Era incrível como um movimento de libertação, em condições tão difíceis e precárias, tinha conseguido montar escolas, serviços de saúde, de abastecimento às populações, etc. Com base nisso, a ONU declarou que o único movimento representante desse povo era o PAIGC e não a potência colonial.

Diante disso também, recomendou-se a todos os estados para que reconhecessem o PAIGC como o único representante dos povos da Guiné e Cabo Verde, e se instruiu também a todas as agências da ONU a ter em conta nos seus programas esses dois territórios. A missão mudou totalmente o quadro político na Guiné-Bissau e por isso foi uma tremenda vitória diplomática do PAIGC e dos seus líderes.

Fora isso, também fizemos uma série de recomendações militares. Do nosso ponto de vista, os portugueses estavam entrincheirados nos seus quartéis e apenas por via aérea conseguiam mover-se, destruindo muitas vezes o que o PAIGC tinha construído ou estava a construir. Lembro-me que depois da missão, um dia, Amílcar Cabral nos enviou um telegrama a dizer que uma dada escola no interior, que chegámos a visitar, tinha sido bombardeada e destruída, com morte de várias crianças.

Com base nisso tudo, se pediu aos estados que ajudassem a luta do PAIGC, com as armas necessárias, para enfrentar os helicópteros e outros meios aéreos utilizados pelos portugueses. Ou seja, com a nossa missão, tudo mudou, e isso acelerou e permitiu a independência da Guiné que foi logo reconhecida por dezenas de outros países.

Pressões portuguesas
E pressões, tiveram muitas?
Portugal, sobretudo, exerceu muita pressão sobre o Equador. As autoridades portuguesas consideravam que a missão era um ataque a Portugal, a uma província autónoma sua, e que, portanto, um país amigo, como Equador, não devia estar numa missão a favor da independência de um dos territórios que supostamente eram parte de Portugal. Mas houve também pressões directamente contra a minha pessoa, nomeadamente, no meu Ministério dos Negócios Estrangeiros.

Mas a posição do Equador era muito clara. Se lutamos há 200 anos atrás pela nossa independência, através de uma luta armada conduzida pelo nosso Amílcar Cabral – Simon Bolívar – , entendíamos que devíamos apoiar outros povos no mesmo sentido. Convém recordar que nessa época estávamos a viver na segunda metade do século passado, em 1972, e já em 1960 a ONU havia aprovado a resolução 1542 dizendo que tinha de terminar o colonialismo.

Nessa missão à Guiné o que é que mais o marcou?
Duas coisas. Primeiro, o povo. Na missão pudemos ver e contactar pessoas, às vezes, em grandes aglomerados, vimos e falámos com responsáveis dos vários sectores (mulheres, jovens, etc.) que, apesar de muitas carestias, estavam determinadas, queriam ser independentes, para conseguirem melhores condições de vida. A outra coisa era a capacidade dos líderes do PAIGC. E não me refiro só a Amílcar Cabral.
Quem em particular?
Refiro-me, por exemplo, a Pedro Pires. Tivemos a oportunidade de falar duas vezes com ele na altura, à chegada e no fim. Mas também me recordo do José Araújo, Fidélis Cabral Almada, Nino Vieira... Lembro-me que numa noite, depois de uma longa marcha, exaustos, em plena selva, ouvindo os bombardeios, conversámos sobre filosofia, literatura, etc. com algumas desses dirigentes. Eram pessoas que tinham ideias claras, uma capacidade humana extraordinária. Nessa noite, ao mesmo tempo que ouvíamos ao fundo o som de bombardeios e discutíamos literatura, filosofia, através de um aparelho, ouvimos um concerto de J.S. Bach.

Guiné x Cabo Verde
Continuou a acompanhar o processo guineense?
Sim, na medida do possível, com preocupação, os seus altos e baixos. Infelizmente, vários dos seus lideres que conheci durante a missão morreram ou foram mortos. Quem me protegeu durante toda a missão foi o Constantino Teixeira, comandante Tchutcho. Ele morreu em circunstâncias trágicas, eu soube, e isso me deixou triste. E é também com muita tristeza o que vejo o que se passa na Guiné. Em contrapartida, sinto-me confortado com Cabo Verde.

Cabo Verde para si era um mistério, suponho, não?
Conhecíamos menos Cabo Verde e por isso era um mistério, sem dúvida. Conhecíamos alguns líderes cabo-verdianos e estávamos a par de um ou outro dado sobre Cabo Verde. Sabíamos que eram ilhas áridas, havia muita pobreza, e sem dúvida que, desde a independência e depois a democracia, houve aqui importantes avanços. Hoje, graças a isso, Cabo Verde é um dos estados africanos mais respeitados. Por isso, aqui estamos, dispostos a ajudar no que for possível a enfrentar os desafios do século XXI, comuns, entre a África e a América Latina. Temos que ter uma maior proximidade. Pela sua posição geográfica, por aquilo que representa de bom, Cabo Verde é um ponto extraordinário para unir os dois continentes.

E a si, o que lhe aconteceu depois da missão à Guiné?
Eu sou diplomata de carreira. Toda a minha vida profissional foi isso.

Esteve colocado em África?
Não, sempre estive na ONU em Nova York, em Washington, em Buenos Aires, Lima, Praga, etc. Neste momento sou embaixador do meu país em Berlim. Foi aí que o presidente Pedro Pires me encontrou e me convidou para esta visita a Cabo Verde.

Os perigos da missão
Já não se viam há quantos anos?
Desde aquela altura. Como disse, vimo-nos à chegada e depois no fim. Quando chegámos, ele nos recebeu, em Conakry, conversámos demoradamente. Ele chamou-nos a atenção para a gravidade da nossa missão. Portugal tinha tomado o assunto muito a peito, para as autoridades portuguesas era uma questão de honra impedir a missão.

Nesse primeiro encontro – por sinal, muito angustiante – , o comandante Pires nos pôs a par da gravidade da situação. Ele nos alertou que poderíamos ser feridos e até ser mortos. A ofensiva portuguesa era muito grande. No fim, exposto o quadro que iríamos encontrar, ele nos perguntou se mesmo naquelas condições estávamos dispostos a prosseguir com a missão. Eu, como chefe da delegação, fui peremptório: “Sim! Se aqui estamos, temos de prosseguir com a missão e confiamos na vossa capacidade militar e na capacidade política dos lideres do PAIGC”.

Eu respondi-lhe também que não estávamos naquele momento a representar apenas a nossa própria cabeça, mas os nossos países, as Nações Unidas, enfim, toda a comunidade internacional. E, quando terminou a missão, voltámos a nos encontrar com ele. Nesse dia ele até nos condecorou com uma medalha do PAIGC, dirigindo-nos palavras muito elogiosas. Depois disso, só voltei a vê-lo agora, há poucos meses, quando ele visitou a Alemanha.

E com Amílcar Cabral chegou a privar com ele?
Sim, com ele foram variadíssimas vezes, antes da missão. Ele viajava muito a Nova York, ia sempre à ONU, onde havia muitas negociações. Inclusive, por causa da nossa missão, houve várias negociações e encontros com ele. A morte de Amílcar Cabral deixou-nos a todos muito tristes. Ele era de facto um líder no pleno sentido da palavra.