Thomas Lovejoy
Fonte: O Globo
RIO — Para o biólogo americano Thomas Lovejoy, professor da
George Manson University e uma das maiores autoridades em biodiversidade do
mundo, o tema não está sendo tratado na Rio+20 como deveria. Nesta entrevista,
ele diz que as perdas de recursos naturais são enormes e o debate em torno das
soluções não está sendo travado na mesma escala, em parte, por culpa dos
cientistas, que falharam na tarefa de botar na pauta do dia a preservação da
biodiversidade.
Qual a sua expectativa em relação às discussões sobre a preservação
da biodiversidade na Rio+20?
THOMAS LOVEJOY: O tema não está sendo tratado na escala que deveria.
Para se ter uma ideia, se pensarmos em termos de reestruturação de ecossistemas
em escala global temos de considerar pelo menos três milhões de sistemas vivos
a serem recuperados. Ou seja, temos um problemão que não está sendo levado em
conta como deveria.
Por quê?
LOVEJOY: Em parte porque os próprios cientistas falharam em provar que o
tema teria de estar entre as prioridades dos tomadores de decisões. A ciência
cumpre um papel importante com suas descobertas e previsões de cenários
futuros, mas precisa ir além disso e passar a interagir com a política para
criar soluções conjuntas para preservar as espécies e, consequentemente,
garantir o bem-estar da Humanidade. Os cientistas, ou ficam restritos às suas
áreas de conhecimento e não se comunicam entre si, ou se comunicam pouco diante
da necessidade de soluções urgente das questões ambientais. Na Rio 92, o que
parecia relevante para cientistas eram dados de quantidade de espécies, locais
de ocorrência etc.
Hoje, qual a discussão que se impõe ao tratar do tema?
LOVEJOY: Os dados continuam sendo fundamentais. Não podemos trabalhar em
soluções sem fazer os mapeamentos. Mas há um assunto que entrou na pauta
recentemente, do qual pouco se fala, que é serviços ecossistêmicos. São os
serviços que a Natureza oferece para o planeta, como, por exemplo, garantir
matéria-prima para fabricação de um remédio. Precisamos quantificar esses
serviços se quisermos ter a noção dos benefícios sociais da Natureza.
Este é o desafio para os pesquisadores daqui por diante?
LOVEJOY: Este é um dos desafios. Já avançamos muito, se tomarmos por base
1992. Hoje há mais áreas protegidas no planeta, temos o “Protocolo de Nagoya”
assinado por várias nações em 2010, no Japão, que prevê, também, a redução de
perdas de biodiversidade. Mas é preciso ir além disso. Os oceanos, por exemplo,
ainda estão pouco protegidos. Além disso, teremos de saber lidar com a Natureza
de modo a alimentar os 7 bilhões de habitantes do planeta sem destruir os ecossistemas.
Esses são desafios também.
É possível fazer isso em um país como o Brasil, cuja economia
está fortemente atrelada à monocultura do agronegócio, que é devastadora?
LOVEJOY: Sim, é possível. A produção agrícola em escala é importante, mesmo
a baseada em monocultura. Mas deve ser parte de um mosaico de cultivos
diferentes e não a base do sistema agrícola do país.
A proposta de uma economia verde defendida pelo Rascunho
Zero, o documento oficial da Rio+20, poderá contribuir para preservar espécies?
LOVEJOY: Sim, pelo fato de propor um valor para a Natureza. Dessa forma,
inclui os recursos naturais nas decisões econômicas. Isso é fundamental, pois
poderemos provar economicamente, por exemplo, que manter um manguezal em pé
ajudará a garantir o trabalho de pescadores de certo local porque preservará o
ecossistema marinho. No Brasil, as classes C e D, que até bem pouco tempo não
consumiam, agora têm acesso a bens e mercadorias.
Como garantir esse consumo sem devastar o meio ambiente?
LOVEJOY: Algum impacto empre terá quando populações que não consumiam
ascendem à categoria de consumidores. Mas acho que é preciso estabelecer um
limite para o consumo nos países. Além disso, é importante investir na
eficiência. Essa é a palavra-chave quando se trata de preservação da
biodiversidade. Eficiência energética, eficiência de materiais para produzir,
aposta na reciclagem, enfim, otimizar os recursos para produzir mais com menos
recursos naturais.
Como pioneiro em estudos na Amazônia, qual é a sua visão,
hoje, sobre esse bioma?
LOVEJOY: Fico satisfeito com a redução dos índices de desmatamento. Mas não
posso deixar de observar que, ao mesmo tempo que reduzem, há investimentos para
construir hidrelétricas e rodovias que acabam devastando a região. Falta, ali,
uma política integrada de geração de energia, infraestrutura, urbanização. Mas
acho que ainda não há líderes regionais capazes de tocar esse projeto. Se
houvesse, talvez essa proposta já teria sido levada adiante.
Recentemente, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente
(Pnuma) divulgou o Panorama Ambiental Global (GEO-5), que mostrou redução dos
recifes de coral em 38% desde 1980, e que pelo menos 20% dos vertebrados estão
ameaçados. O senhor viu esse relatório?
LOVEJOY: Não vi. Mas faço um comentário: os cientistas podem fazer
descobertas, informar a sociedade o que descobriram, mas devem usar seus
conhecimentos e métodos científicos para também agir, interferindo nas
políticas e, assim, conter as perdas da biodiversidade. É essa tarefa que se
impõe no momento para a comunidade científica.
Como sensibilizar a sociedade para lutar pela preservação da
biodiversidade?
LOVEJOY: Criar legislação para fazendeiros que os obrigue a conservar as
terras que ocupam e criar mecanismos de incentivos fiscais são bom começo.
O senhor acompanhou o debate sobre Código Florestal?
LOVEJOY: Acompanhei em alguns momentos e sei que o debate é bem complexo.
Posso dizer que, com os vetos da presidente Dilma Rousseff, a legislação ficou
um pouco melhor, especialmente sobre a proteção das matas ciliares.
Parêntese- Ordidja
O termo Biodiversidade teve origem em 1980, criado pelo norte-americano Thomas
Lovejoy e desde 1986 essa nomenclatura tem sido usada no que se refere a
diversidade da natureza viva. A biodiversidade é definida pela Convenção sobre
a Diversidade Biológica como “a variabilidade entre os seres vivos
de todas as origens, inter alia, a terrestre, a marinha e outros ecossistemas
aquáticos e os complexos ecológicos dos quais fazem parte: isso inclui a
diversidade no interior das espécies, entre as espécies e entre espécies e
ecossistemas” T. L.