Palácio da República com a bandeira do Reino de Marrocos
Nós os
guineenses devemos reconhecer que criticar um “erro protocolar” não é criticar
ou estar contra uma governação ou uma presidência. Todos nós almejamos a paz, a
estabilidade e o desenvolvimento do país, independentemente de quem esteja a
dirigi-lo.
Portanto,
todo e qualquer cidadão, imbuído de um bom espírito, deve saudar, louvar e
encorajar o esforço diplomático da Presidência da República da Guiné-Bissau que
resultou nesta honrosa visita do rei de Marrocos, Mohamed VI. Afinal de contas,
não é possível um desenvolvimento económico sem um bom e durável sustentáculo
diplomático.
Hoje, tal
como ontem, todo e qualquer país precisa de “apadrinhamento” de um outro para
abrir caminhos, forjar novas relações, novas alianças e, consequentemente
trazer benefícios para os seus cidadãos. Exemplos não faltam. Senegal e Cotê
d’Ivoire (Costa do Marfim) em relação à França; Cabo Verde em relação a
Portugal; Libéria, Egipto, Coreia do Sul e Israel em relação aos EUA; Cuba em
relação à Venezuela; Gana e Tanzânia em relação à China; Iraque e Síria em
relação ao Irão, e daí por fora.
Portanto, a
Guiné-Bissau precisa de ser apadrinhada pelos países e organizações
bem-intencionadas. E, claro, no contexto das monarquias, a maneira mais sólida
de forjar alianças duráveis é ter o “amor” e o “carinho” de um rei ou de uma
rainha. Daí a importância da visita do rei Mohamed VI à Guiné-Bissau, como
sendo uma figura de autoridade na política interna e externa marroquina.
Mas, também
acredito que os acordos assinados não são apenas um sinal de benevolência em
relação à Guiné-Bissau. Marrocos já deve saber que os seus interesses
económicos, regionais e até de segurança, neste novo contexto global, passam
também pela Guiné-Bissau. Assim, há certamente uma reciprocidade em várias
escalas ainda por definir.
Dito tudo
isto, volto para a questão do tal erro protocolar, a questão da bandeira de Marrocos ter merecido maior destaque no Palácio da República da Guiné-Bissau.
Apesar da falta de clareza quanto às leis que regem o uso e o hasteamento das
bandeiras nacionais nos lugares públicos e privados, o que se viu no edifício
do Palácio da República merece uma explicação pública, um esclarecimento público.
Pessoalmente não
acredito que uma tal medida tenha sido uma exigência do monarca. Ele já esteve
em vários países do mundo, mas não acredito que tenha hasteado a bandeira do
seu país em todos os lugares por onde passou. Do mesmo modo, não quero
acreditar que a tal medida tivesse sido um erro diplomático, mas essencialmente
um erro protocolar precipitado pelo espírito de “abertura” e de hospitalidade
do povo guineense.
Todavia, os
cidadãos da Guiné-Bissau podem, certamente, pedir explicações às autoridades
competentes porque, conforme as normas internacionais ditam, dentro de qualquer
país soberano, o único lugar onde uma bandeira estrangeira deve ser hasteada
por si só (ou num lugar de honra) é numa representação diplomática desse mesmo
país estrangeiro, como por exemplo, numa embaixada que é geralmente considerada
um território do país que ela representa.
Os países
mais organizados têm leis redigidas (e guias) para lidar com as suas bandeiras.
Por exemplo, nos Estados Unidos da América:
- Nenhuma outra bandeira ou flâmula deve ser colocada acima ou, se no mesmo nível, à direita da bandeira dos EUA;
- Nos EUA e nos seus territórios, nenhuma pessoa pode hastear uma outra bandeira nacional ou internacional numa posição de igualdade, superioridade ou em maior destaque em relação à bandeira dos Estados Unidos;
- A bandeira dos Estados Unidos da América, quando é exibida com outra bandeira numa parede, ela deve estar à direita da bandeira estrangeira;
- Continuando ainda nos EUA, quando as bandeiras de dois ou mais países forem exibidas, os mastros, devem ser da mesma altura e as bandeiras no mesmo nível e as duas devem ser de tamanho aproximadamente igual.
E, como me
lembrou um diplomata, em tempos de paz, o uso internacional proíbe a exibição
da bandeira de uma nação acima de uma outra nação congénere.
Aliás, por
mais monárquico que seja, Marrocos é estado membro das Nações Unidas e a sua
bandeira certamente não representa um rei, mas sim um país soberano, tal como a
nossa bandeira representa o povo soberano da Guiné-Bissau.
Compreende-se,
no entanto, que na euforia do momento, pequenos detalhes tendem a cair no
esquecimento. Espero que tenha sido este o caso com os serviços protocolares da
Guiné-Bissau. Mas, por mais trivial que pareça para alguns, no mundo
diplomático e protocolar, onde os pequenos detalhes fazem toda a diferença, o
erro (seja ele da Presidência da República ou do Governo) não deixa de ser
considerável. Portanto, em vez de estarmos a tentar calar os críticos, essa
questão da “bandeira” deve constituir uma lição histórica para todos os
guineenses. A questão não deve ser ignorada, mas sim discutida e esclarecida.
Pelo menos, assim exige a democracia participativa e o exercício do poder
electivo.
Quanto à
cedência do palácio ao ilustre hóspede guineense, acho genuíno o gesto do
Presidente da República da Guiné-Bissau. Na ausência de outras referências e
antecedências internacionais (dentro das limitações do meu conhecimento
histórico), quero acreditar que essa hospitalidade de José Mário Vaz tem as
suas raízes africanas, assentes no “tradicionalismo” das nossas culturas.
De resto,
para além ter sido uma boa notícia e uma boa oportunidade no ponto de
vista das relações públicas, diplomáticas e económicas, acho que o rei mereceu
toda a pompa e circunstância porque, parafraseando o próprio
Presidente da República da Guiné-Bissau, José Mário Vaz, “quando só
temos a prata devemos abrir as portas ao dono d’ouro” [fonte oficiosa].
Tal como nas
legendárias e míticas histórias de El Dorado, espero que esse ouro
floresça, percorra todos os rios e riachos do país e dê a prosperidade tão
almejada pelo povo nobre e humilde da Guiné-Bissau. Na expectativa de que o
país irá acolher bons frutos a partir dessa visita, brindemos ao rei Mohamed
VI! Brindemos também ao Presidente José Mário Vaz!
E porque
queremos que a terra arranque (pâ terra ranka), devemos sempre evitar os erros
básicos de natureza protocolar e/ou diplomática, encorajar o princípio básico
de responsabilização individual, colectiva e/ou institucional e, por último,
nunca subestimar o direito à contestação cívica de qualquer que seja. A
democracia participativa constrói-se com críticas, opiniões e acções
correctivas.
Ordidjanotando
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