Em
apenas cinco dias, inaugurou uma exposição de fotografia, assistiu durante dois
dias a um colóquio internacional sobre política, trabalhou na sua fundação e
foi à festa do Colégio Moderno. Nos últimos anos, Maria de Jesus Barroso tinha
tantas actividades e causas como quando era primeira-dama. A sua intensa agenda
aos 90 anos só foi interrompida quando caiu em casa na noite do dia 25 de
Junho, entrando horas depois num coma irreversível que conduziu à sua morte num
quarto do Hospital da Cruz Vermelha. O seu corpo ficará em câmara ardente a
partir das 18 horas no Colégio Moderno, em Lisboa e amanhã seguirá para
Cemitério dos Prazeres.
Até
ao seu internamento e apesar da idade, todos os dias pelas 10 da manhã, Maria
Barroso subia os 90 degraus da escadaria da Fundação Pro Dignitate, junto à
Basílica da Estrela, em Lisboa, que fundou e à qual se dedicou nos últimos
anos. Mal entrava no antigo convento, dirigia-se ao gabinete e sentava-se a
trabalhar: assinava cheques, falava ao telefone e revia a agenda da tarde com a
secretária. «Era sempre uma agenda muito cheia. A Dra. Maria de Jesus queria ir
a todas dar o seu contributo e a secretária tinha de fazer uma selecção
sistemática dos eventos», conta ao SOL António Pacheco, secretário-geral da
Fundação que se dedica à prevenção da violência e à luta pelos direitos humanos
em Portugal e nos países africanos de expressão portuguesa.
Almoçava
geralmente em casa, com a família e por vezes com amigos. Mas às 15h já estava
de regresso à Pro Dignitate, que criou a 1 de Julho de 1994, ainda antes de
Mário Soares abandonar o Palácio de Belém. A rotina só era interrompida se
houvesse um evento agendado fora. E havia muitos: inaugurações, aulas,
lançamentos de livros ou reuniões.
António
Pacheco define-a como «uma mulher imparável, com uma força e uma energia
notáveis», lembrando que acordava muito cedo, por volta das 6h30, e às vezes
tinha eventos à noite.
Os
amigos há muito se questionavam como é que sendo tão frágil conseguia fazer
tanto. Nos últimos tempos, Maria Barroso sofria de tonturas e tinha mais
dificuldade em mexer-se. Na quinta-feira, dia 25 de Junho, por volta das 22
horas levantou-se da poltrona da sala de sua casa onde via televisão com o
marido Mário Soares e foi à sala de jantar, contígua. Caiu desamparada, batendo
contra a parede, soube o SOL. Foi Mário Soares quem telefonou aos filhos,
Isabel e João, e depois a família contactou o sobrinho e médico, Eduardo
Barroso, que a levou ao Hospital da Cruz Vermelha, em Lisboa, onde entrou pelo
seu pé.
Horas
mais tarde foi-lhe detectada uma hemorragia intracraniana, entrando num coma
profundo e irreversível. Só os familiares mais próximos a podiam ver no 4º
andar da unidade de saúde e por curtos períodos de tempo. Apesar de só ontem,
Maria de Jesus Barroso ter sido transferida para um quarto, houve um vaivém de
personalidades que passou pelo hospital, que chegou a disponibilizar uma sala
para a família Soares receber as visitas: o líder do PS António Costa, o
ex-presidente da República Jorge Sampaio, António Guterres, o ex-ministro
socialista Correia de Campos, Isabel de Herédia, e também o Bispo Januário
Torgal Ferreira, a actriz Lurdes Norberto, os Embaixadores de Espanha, Angola e
de Marrocos, entre outros.
Direitos
humanos no centro das suas preocupações
Nos
últimos tempos, eram o diálogo entre religiões, a luta pela paz e por um
jornalismo ético que a moviam. No dia 24, Maria Barroso, mesmo da plateia, quis
intervir no colóquio do Political Forum, organizado pelo Instituto de Estudos
Políticos da Universidade Católica. «Pediu o microfone para falar sobre o
jornalismo ao serviço da paz e dos cidadãos», recorda António Pacheco que a
acompanhou ao Estoril. A sua última acção na Pro Dignitate foi a inauguração de
uma exposição fotográfica em Odivelas sobre a violência contra as minorias
étnicas no Iraque, onde estiveram vários embaixadores de países árabes.
Seu
amigo há largos anos, e vice-presidente da Pro Dignitate, Vítor Ramalho, esteve
ao seu lado desde que a ex-primeira-dama deixou Belém. Foi seu vice-presidente
quando, em Julho de 1997, Maria Barroso assumiu a liderança da Cruz Vermelha
Portuguesa (CVP), tornando-se a única mulher entre os 23 presidentes da
instituição. Daí destaca a sua tenacidade e capacidade de liderança. «Teve um
grande papel na valorização da CVP, tendo feito um belíssimo negócio na compra
de outra sede no Campo Grande, que já foi vendida», diz. Foi também «a salvação
do Hospital da Cruz Vermelha» o mesmo onde acabaría por morrer esta madrugada,
recorda o ex-deputado do_PS: «O hospital estava tecnicamente falido e ela faz
uma restruturação financeira e reorganização interna, tornando-o autónomo da
CVP».
Vítor
Ramalho não tem dúvidas de que Maria Barroso deixou marca na instituição.
«Criou mecanismos que permitiram a institucionalização da Cruz Vermelha nos
países lusófonos», afirma, lembrando que a então presidente foi nomeada pelo
Crescente Vermelho para fazer um inventário das necessidades humanitárias em
Angola em 2002, no início do processo de paz. Foi, explica, determinante para
perceber como era urgente responder à desminagem naquele país e à fome
provocada pela guerra.
Maria
Barroso acabaria por deixar o cargo, em 2003, em litígio com o então ministro
da Defesa, Paulo Portas, que impugnou as eleições dos órgãos locais da
instituição. A mulher de Soares acusa-o de «intromissão abusiva» na eleição e
de querer nomear alguém do CDS para a liderança. E bateu com a porta.
Sapatos
de salto, mesmo aos 90
Filha
de um militar, tinha uma disciplina férrea e era extremamente organizada. Na
Praia do Vau, onde a família Soares passava o Verão, fazia até há pouco tempo
longas caminhadas pelas sete da manhã, atravessando a praia de uma ponta à
outra. «Eram sete quilómetros», diz a escritora Leonor Xavier, que Maria
Barroso convidou para escrever a sua biografia, publicada pela primeira vez em
1995.
A
disciplina que a caracterizava era visível nos horários rigorosos ou na forma
como se alimentava. Não comia carne, jantava sempre pouco, uma sopa com um
queijo fresco. Mas gostava de receber os amigos: ao domingo um grupo restrito
costumava jantar em sua casa; entre eles estão o embaixador José Fafe, Vítor
Ramalho, Júlia Maranha das Neves e o marido Emanuel, ex-bastonário dos
Engenheiros. «Tinha gosto em receber», conta uma amiga.
Mantinha
o peso de sempre – 46 quilos – e o gosto pelo estético, por estar bem
arranjada, nunca dispensando os sapatos de salto alto numa cerimónia. «Ia
regulamente ao cabeleireiro e estava sempre cuidada. Nunca tinha uma nódoa, no
vestido não havia um vinco. Mas era tudo feito com naturalidade, sem nada de
artificial», adianta a jornalista e escritora, que já conhecia Maria Barroso
antes de lhe fazer a biografia, e desde então ficou com «um grande afecto» por
ela.
Leitora
compulsiva, lia muito sobre temas variados e vários livros ao mesmo tempo,
sublinhando a lápis e fazendo notas críticas. Na fundação deixou abertas duas
obras, ambas de padres: Somos Pobres Mas Somos Muitos, de frei Fernando
Ventura, e Nenhum Caminho Será Longo, de Tolentino de Mendonça.
Leonor
Xavier recorda que, além de uma grande sensibilidade, tinha disponibilidade
para os outros. «As pessoas devoravam-na quando chegava a qualquer sítio»,
recorda a escritora, lembrando que «falava sempre com toda a gente, mesmo as
pessoas mais anónimas».
E
muitos continuavam a tratá-la como se ainda fosse primeira-dama. Ana Príncipe,
do projecto que quer criar uma nova ala pediátrica no Hospital de São João, no
Porto, recorda o dia em que a acompanhou a uma missa celebrada por Manuel
Clemente, na altura bispo do Porto. «Quando entrou na Igreja, as senhoras que
cuidam do altar, vieram cumprimenta-la e limpar-lhe o banco para se sentar». Em
Roma, onde visitou o hospital pediátrico Bambino Gesu, conhecido como o
Hospital do Papa, foi recebida calorosamente, quase com honras de Estado.
Dessa
viagem, Ana Príncipe recorda outro episódio curioso. O Vaticano estava a
abarrotar pois era o dia da canonização de João Paulo II e João XXIII. Chovia
torrencialmente e a dificuldade em circular pela cidade levou-a a pedir ajuda a
D. Carlos Azevedo, o bispo português que vive no Vaticano, num edifício colado
à Praça de São Pedro. «Fomos para casa dele. Acabaram os dois a tarde a recitar
poesia. Foi uma tarde super animada». A paixão pela declamação manteve-se. Aos
90 anos, ainda sabia de cor poemas de Sophia de Mello Breyner, de quem foi
amiga, e a neta Lilah, de oito anos, já lhe segue as pisadas.
A
capacidade de criar pontes entre as pessoas, por vezes em lados extremos, é
outra característica que lhe era apontada por quem colaborou com ela em várias
causas sociais. Um traço distinto do homem que a acompanhou toda a vida. Às
vezes comentava: «Eu bem digo ao meu marido para não pôr tanto fel no que diz».
Foi nesse tom apaziguador que se dirigiu a Laura Ferreira, mulher do
primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, num dia em que se cruzaram num evento no
Parlamento: «Ai, minha querida, o seu marido que não ligue ao que o meu diz’».
A
antiga primeira-dama, Manuela Eanes, com quem conviveu de perto e falou pela
última vez a 2 de Maio, no dia dos seus 90 anos, também realça «a pessoa
solidária, humana e uma grande lutadora pela liberdade». A actual presidente do
Instituto de Apoio à Criança acrescenta: «Éramos próximas e encontravamo-nos
muitas vezes em colóquios, porque tínhamos os mesmos interesses».
Baptizada
em segredo já adulta
Na
Paróquia do Campo Grande, onde ia assistir à missa das 19h ao domingo, chegava
normalmente uma hora antes, e sentava-se no bar a conversar. «Se pudesse ajudar
alguém, ajudava», conta Feytor Pinto, pároco da igreja situada no outro lado da
avenida onde mora a família Soares. «Dava tempo à paróquia, acompanhando também
os estudos de jovens em risco. Já viu o que é ter uma professora de Português
como ela?», diz. «Além disso, na altura do Natal em que a paróquia organiza
manifestações artísticas, vinha ensinar os leitores a falar ao microfone».
Mas
Maria Barroso não foi sempre uma mulher de fé, nem tão pouco uma católica praticante.
Filha de um pai anti clerical, aprendeu com a avó materna, em criança, a rezar
e a ir à missa. Na juventude ligou-se às causas políticas e, descontente como a
Igreja Católica de então punha em prática a doutrina de Cristo, acabou por
esquecer-se de Deus, como a própria já confessou. A sua «fé adormecida», contou
uma vez, renasceu em Setembro de 1989, quando o filho João sofreu um acidente
de avião em Angola. Continua a ler no link a seguir:
Ordidjanotando
Uma revolucionária, mãe, amiga, irmã, avó, tia,
madrinha, humilde, caridosa, meiga, alegre(muito alegre), solidária,
combatente, camarada, pacificadora, sensata, conciliadora, tenaz,
lutadora, professora, Mulher sem dimensão traduzidas em palavras, embora
afirmava sempre com toda a simplicidade, com a frase abaixo.
Aproveito para endereçar com profunda dor, os meus sentimentos às família Barroso e Soares, a todos irmãos, amigos e camaradas da família Socialista aos colegas da Pro-Dignitate e ao irmão, amigo e camarada António Pacheco(meu guru).
Sentidos pêsames da minha Família!
Sentidos pêsames da minha Família!
Termino com a frase feito carma"amo tudo o que faço, meu filho…”
Paz à sua
alma!!