domingo, 24 de abril de 2011

A questão das datas Pascais


A data da Páscoa muda, permanece a sua centralidade       

Sáb, 23 de Abril de 2011 13:31 Elias Fernandes Pinto

Por inúmeras vezes escutei esta pergunta: "Por que a data da Páscoa muda todo ano?” E, com ela a reclamação da falta de resposta. O que não é novidade. Desde o século II, a data da celebração anual da Páscoa é discutível na Igreja. Por isso, não será este pequeno rascunho, sobre a organização do calendário das celebrações do Ano Litúrgico, que irá respondê-la, mas reafirmar a atualidade da pergunta pela centralidade vital da celebração da Páscoa para a vida da Igreja.

Antes de ver as orientações da Igreja para a fixação da data para celebração da Páscoa, é bom relembrar o que é o ano e a forma de computar o tempo. A existência do ano teve sua origem primitiva ao fluxo das estações (primavera, verão, outono inverno). O cálculo do ano com base no movimento da lua deu lugar ao chamado ano lunar, que compreende doze períodos completos de lunação (as fases da lua: nova, crescente, cheia, minguante), que são os meses e tem duração exata de 354 dias, 8 horas e 45 segundos. O homem antigo também observou o movimento solar e organizou o ano solar, este é base para o ano civil. Sua duração é de 365 dias, 5 horas, 48 minutos e 46 segundos. Essas frações que equivalem à quarta parte de um dia, deram lugar aos anos bissextos, com 366 dias a cada quatro anos.

Para o povo da bíblia, o ano começava com a primavera, ainda que tenha existido outro começo no mês de setembro, base da atual festa do ano novo judaico (rosh há-shanh). O fato histórico da Páscoa aconteceu na vida do povo de Israel no início da primavera. Daí a Páscoa marca o início do ano. E os dias do ano da Páscoa dependem e a ela remetem (Ex 12).
No século II começou a se discutir na Igreja a data para a celebração anual da páscoa. Os cristãos da Ásia Menor, por tradição dos tempos de São João, apóstolo, a celebravam no dia 14 de Abib (mês do antigo calendário judeu) ou de Nisan (mês do calendário judeu após o exílio da Babilônia, que corresponde aos meses de março e abril) como os judeus (Ex 12; 34,18; Lv 25,5-8; Nm 28,16-25; Ez 45, 21-24; Mt 26,17s; Lc 22,7s) ) e os ligados a Roma, no domingo seguinte. Tal discussão não foi à frente pela intervenção do papa Vítor I que chamou a atenção para a celebração semanal da Páscoa aos domingos. Sobre a centralidade do Domingo muitos outros escritores do início da Igreja dão testemunho como a Didaqué e as Apologias de Justino de Roma. Isto por ser o Domingo, o dia da ressurreição do Senhor (Mc 16,1-8; Mt 28,1-9; Lc 24,1-10; Jo 21,1-18).

Contudo, cada Igreja passou a celebrar a festa anual da Páscoa numa data diferente até que o Concílio Ecumênico de Nicéia, em 325, decidiu que a celebração da Páscoa em toda a Igreja fosse à data já estabelecida pelo uso de Roma e de Alexandria. Estas celebravam a Páscoa no domingo seguinte à lua cheia de primavera. Assim, conforme a tradição bíblica, a Igreja de Roma anuncia a data da celebração anual da Páscoa que é no primeiro domingo depois da lua cheia da primavera, segundo o hemisfério norte. Essa orientação do Concílio faz com que a data da páscoa tenha uma variação num intervalo de tempo de um mês, ou seja, no período de uma lunação completa, dado a desigualdade de dias do ano entre os calendários lunar e solar. A variação se dá entre 22 de março e 25 de abril. É importante sabermos que o calendário anual da Igreja, segue o calendário lunar e o ritmo dos dias segue o calendário solar.

O Ano Litúrgico cristão mantém no centro, como o ano festivo dos judeus, a solenidade da Páscoa. No decorrer do tempo o calendário foi sofrendo mudanças e reformas. As mais significativas foram realizadas sob a autoridade dos Pontífices Gregório XIII, Pio X, Pio XII, João XXIII e de Paulo VI, ambas tiveram um único fio condutor: centralidade do mistério Pascal. No ano de 1582, Gregório XIII reformou o calendário para recuperar os 10 dias de defasagem que se introduziram no calendário cristão, pelo fato do ano solar ter seis horas a mais. As Igrejas do Oriente, não aceitaram a mudança e continuaram seguindo o calendário juliano e celebram a Páscoa em dia diferente da Igreja Católica Romana. Em 1977, para rever essa situação o Papa Paulo VI e o Patriarca Atenágoras tentaram chegar a um acordo para que as Igrejas celebrassem a Páscoa no mesmo dia, mas isto não foi possível. Enfim, em todas as reformas do calendário houve a querela para se firmar uma data fixa para a celebração anual da Páscoa, mas nada ficou fixado.

Contudo, nossa atenção deve voltar-se para a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium, sobre a Sagrada Liturgia, e o que ela tem a nos dizer: “A Santa Mãe Igreja julga seu dever celebrar em certos dias no decurso do ano, com piedosa recordação, a obra salvífica de seu divino Esposo. Em cada semana, no dia que ela chamou Domingo, comemora a Ressurreição do Senhor, celebrando-a uma vez também, na solenidade máxima da Páscoa, juntamente com sua sagrada Paixão” (SC 102). A Liturgia, atualização no tempo da salvação que se realizou no tempo, confere ao tempo um significado: é aqui e agora que acontece a salvação. Pois, a Liturgia celebra a salvação. O tempo litúrgico é sacramento de salvação e uma maneira da presença de Cristo no tempo dos homens, é um tempo de graça e salvação (2Cor 6,2).

Assim, postulando a formulação do calendário, o Concílio nos instrui quanto a centralidade do mistério pascal em sua celebração semanal, aos Domingos, e de sua máxima celebração na Vigília Pascal, portanto é a celebração da Vigília Pascal que confere o ritmo das outras celebrações. Com efeito, o Calendário Romano Geral, aprovado e publicado pelo Papa Paulo VI, em 1969, ensina que “como Cristo realizou a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus principalmente pelo seu mistério pascal, quando morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida, o sagrado Tríduo Pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor resplandece como o ápice de todo o ano litúrgico. Portanto, a solenidade da Páscoa goza no ano litúrgico a mesma culminância do domingo em relação à semana” (CRG 18).

Ademais, “a Vigília Pascal, na noite santa em que o Senhor ressuscitou, seja considerada “a mãe de todas as santas vigílias, na qual a Igreja espera, velando, a Ressurreição de Cristo, e a celebra nos sacramentos” (CRG 21). Percebe-se, portanto, que a todas as celebrações se relacionam, e inclusive depende, da celebração da Páscoa, pois o Ano Litúrgico tem como centralidade tal solenidade: a Vigília Pascal é a mãe de todas as outras celebrações. Como diz são Paulo, “Se Cristo não ressuscitou ilusória é a vossa fé” (1Cor 15,17). A centralidade e a precedência, da celebração da Páscoa, ocorrem por ser a Páscoa o fundamento e fato central de nossa fé.

Cabe a nós experimentar o decorrer do ano como o tempo em que se dá a nossa vida e o momento adequado para fazer memória e tornar presente a totalidade do mistério de Cristo e sua ação salvadora para conosco. Assim cada celebração durante o ano é uma celebração que se desdobra do mistério Pascal, celebrado em sua máxima na Vigília Pascal. A esta celebração, a Vigília Pascal, devemos correr pressurosos com nossas lâmpadas acesas como as cinco virgens sábias e prudentes que entraram para o banquete das núpcias do Cordeiro.