domingo, 10 de julho de 2011

Continuação- Doutor Comandante (tem a palavra) IIª Parte

Comandante Pedro Pires 


Gostaria de apresentar o que penso ser o legado da luta de libertação nacional, que constitui o substrato para o inicio do ciclo pós-independência. Essa luta teve uma liderança colectiva personificada no PAIGC/PAICV, partido de Amílcar Cabral, que iria ser o actor principal e impulsionador do processo de reconstrução nacional. Dos ensinamentos de Cabral, retiro, para o caso em consideração alguns dos princípios mais relevantes para a acção política: unidade e luta, a autonomia de acção e de pensamento (andar pelos seus pés e pensar pela sua cabeça), o realismo político (a realidade não se resume ao nosso desejo nem é aquilo que temos em mente, é algo diferente) e a responsabilidade do povo pela construção do seu futuro. 

Para além dessas linhas de orientação, acrescentaria, como outros recursos políticos adquiridos: a experiência de direcção política, o traquejo e a tenacidade ganhos, quer no confronto político, quer na gestão de situações complexas; as alianças e relações e solidariedade conquistadas junto de Governos africanos e de outros, de instituições regionais e internacionais e de forças progressistas. Esses factores constituíram recursos diplomáticos de enorme utilidade, o que permitiu, desde o início, o domínio suficiente das relações internacionais. […]

Os riscos e ameaças iminentes teriam contribuído para o aprofundamento do sentido das enormes responsabilidades e para o fortalecimento do compromisso e empenhamento dos militantes da causa independentista. Outrossim a participação no Governo de Transição permitiu-nos ganhar alguma experiência governativa e dispor de melhor conhecimento da situação e dos desafios inerentes. São esses ingredientes que talharam a postura realista, empenhada e pragmática da liderança cabo-verdiana da altura. […]

Na mesma intenção, verificou-se uma acção pedagógica persistente e orientada no sentido do combate à alienação, ao pessimismo, ao derrotismo, à insegurança e a falta de confiança. É neste campo que a intervenção da liderança colectiva (o partido dirigente) se tornou fundamental a fim de se afastar o medo do risco, incutir confiança e audácia, mobilizar as vontades, concentrar esforços, e estimular e assistir a participação popular na formulação das opções, associado à sua responsabilização na execução (a democracia participativa). Com efeito, nesse período a que me refiro do processo cabo-verdiano, procedeu-se a uma ampla acção de pedagogia política. […]

Ouso afirmar que teria de ser um regime de índole popular, que fosse capaz de concentrar vontades e os poucos recursos, a fim de superar as enormes dificuldades e carências e ganhar os desafios subsequentes e que, para tal, praticasse a participação popular, a que nós apelidamos, na altura, de democracia nacional revolucionária, conceito, aliás, muito próximo de uma democracia directa.

A questão central do ciclo pós-independência é a edificação do Estado. Nesse campo, o Estado da independência teve e tinha tarefas enormes a realizar, numa situação de precariedade e carência geral, em que tudo estava por fazer e as capacidades de concepção e de execução eram escassas. Foi assim como começou Cabo Verde.

O Estado teria que ser, do meu ponto de vista, um Estado forte, eficiente e estratega, respeitador da lei e dos direitos das pessoas. O que significa um Estado capaz de garantir ao país uma visão de futuro, ambiciosa e mobilizadora, mas, realista e exequível; …, que mudassem para melhor a situação adversa de partida e garantissem a satisfação das necessidades básicas das populações (com planos de emergência), ao mesmo tempo que planejava a executava um programa de reconstrução consistente.

Por outro lado, vejo a construção do estado soberano como um processo evolutivo, sustentado numa perspectiva gradativa de fortalecimento e de aperfeiçoamento sucessivo das suas instituições. Entendo que, em tais circunstâncias, não há lugar para revelações ou receitas a medida. A obra faz-se e se aperfeiçoa num processo de descoberta sucessiva do caminho por fazer.

No processo de construção do novo Estado merecem atenção especial as instituições judiciárias, a fim de garantir a sua eficiência e igualdade de acesso à justiça, independentemente da condição social ou religiosa do utente. […] 

Em síntese, a governação cabo-verdiana teria que ser realista, pragmática, eficaz e visionária. 
Repostando à qualidade de governação estou em crer que a boa governação é um elemento determinante para o sucesso da edificação dos novos Estados e do processo de desenvolvimento dos países recém-independentes. […]


Outrossim, a boa governação aumenta a credibilidade interna e externa do país, permite o que não é de somenos importância, uma maior margem de autonomia de decisão, quando permanecem ainda viva a tentação de condicionar a autonomia de decisão, dos países menos poderosos e mais pequenos. […]

Outrossim, uma boa governação requer recursos humanos capacitados, cuja formação e aperfeiçoamento profissional devem ser vistos como tarefa também prioritária e permanente. Esta premissa coloca a Educação/Formação como uma das grandes prioridades da governação. Contudo não se resume a isso! Pois o esforço deve ser abrangente e integral, de modo a proporcionar a sociedade, no seu todo, a possibilidade de atingir um nível de instrução suficiente a fim de estar em condições de apreender a apropriar-se, com aptidão, do processo de crescimento e de desenvolvimento. Ainda, seria útil juntar, a essas condições primárias, a elevação e a ampliação da participação cívica dos cidadãos, na concepção e execução do programa de sociedade que se quer, num espírito de co-responsabilização colectiva pelo futuro.

Incorporaria, aos aspectos acima referenciados, a necessidade de as lideranças serem criativas e se diligenciarem por ultrapassar a condição de mero consumidor de ideias e de produtos importados, como acontece na maioria dos países descolonizados, e se erijam, em consequência, em produtor de bens e de ideias.

Nota Ordidja

Vai ser preciso uma terceira parte para terminar, este longo, brilhante e interessante discurso proferido pelo Doutor Comandante Pedro Pires, na Universidade Lusófona. Sendo que, depois de transcrever e descrever as linhas fortes do discurso, vai ser necessário, fazer viver essas linhas, com um comentário (se o leitor quiser mandar um, ficamos agradecidos). Afinal a resposta da grande diferença entre à Guiné-Bissau e Cabo Verde, reside precisamente nas lideranças, daquele período pós-independência. Bem visto as coisas, nada melhor do que esperar para o fim e, fazer uma analise geral.