domingo, 6 de abril de 2014

À propósito da morte do Dr. Kumba Ialá

Mussa Baldé

Por: Mussa Baldé

Muito se disse e muito ainda será escrito sobre a figura do Dr. Kumba Ialá que acabou de deixar (fisicamente) o mundo dos vivos para entregar a alma ao Senhor, dono do Céu e da Terra. Ainda fiquei na duvida se devia ou não escrever algo sobre o Dr. Kumba Ialá. Pelo sim pelo não, decidi-me em rabiscar estas linhas para partilhar convosco aquilo que é a imagem que guardo de Kumba Ialá. Confesso que não fui aluno dele no liceu, pois quando vim para Bissau estudar já ele estava nas lides políticas à sério no dealbar da criação do seu PRS. 

Conheci Kumba Ialá em 1993 era eu um dos assessores de imprensa na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional (Cercle), que funcionava paredes-meais com a sede da OMS em Bissau onde se discutia as linhas mestras do multipartidarismo. Digamos é nessa Cercle que se cozinhava a democracia. Kumba Ialá lá estava em representação do seu novel partido, ele e Artur Sanhá que seria secretário-geral do PRS. Nesta hora da sua surpreendente morte, creio que seria de bom tom render homenagem à Kumba Ialá pelo papel que teve na abertura democrática. 

Personalidades como Nino Vieira, Helder Vaz, Kumba Ialá, Domingos Gomes Fernandes, François Mendy Kankoila, Aristides Menezes, Agnelo Regala, Amine Saad, João da Costa e tantos outros, devem ser elevados ao estatuto de pais-fundadores da nossa democracia. Sim. Porque foram eles que lutaram, desbravando florestas de espinhos, contra a vontade de muita gente da nossa praça política para que hoje tenhamos a alternância política, a liberdade de manifestação e de reunião. Kumba Ialá deu o seu quinhão. 

Lembro-me dos famosos comícios de Kumba Ialá no Alto-Crim onde fazia as pessoas aguardar pelos “mbuludjus” que dizia ter para desvendar. Lembro-me da forma entusiasta como as pessoas voltavam para casa após os comícios de Kumba Ialá mesmo sabendo que das prometidas revelações bombásticas não traziam nada. Aquilo fazia furor apenas e só pelo facto de permitir que muitos ousassem participar num comício que não seja do velho PAIGC. Era uma espécie de escape ao centralismo democrático que muitos agora apelidam de ditadura, coisa que na minha óptica (ou será antes ótica?) não colhe pois creio que não experimentamos a ditadura na verdadeira essência na Guiné-Bissau.

Tornei-me a cruzar com o Dr. Kumba Ialá já era ele Presidente da República. Enquanto jornalista ia cobrir os assuntos da presidência. O Presidente deixava sinais evidentes de ter uma certa simpatia para com os jornalistas, mas da minha parte nunca recebi qualquer manifestação de simpatia ou amizade especial da parte do Presidente. Limitava-se a cumprimentar-me sem aquelas brincadeiras que fazia com os demais colegas de profissão. Notava-se que o Presidente Kumba Ialá não ia com a minha cara. Vim a saber através de um assessor dele que o Presidente não ia à bola com pessoas formais. Eu era formal porque julgava e ainda julgo que um jornalista não se pode pôr na galhofa com um chefe de Estado em pleno Palácio da Presidência. 

Não censuro os meus colegas, nem repudio o comportamento do agora defunto Presidente. Era assim. Kumba Ialá era autêntico diga-se o que se disser dele. Das muitas entrevistas que lhe fiz lembro-me particularmente de uma em que disse ao bom som que se o Supremo Tribunal não autorizar a sua candidatura à presidência da República nas eleições de 2005 pura e simplesmente ia renunciar à renuncia que tinha sido obrigado a fazer aquando do golpe de Estado militar para desta forma retomar as suas funções de Presidente!

Quando a Lusa meteu essa notícia na linha foi um pandemónio na Guiné-Bissau. Alguns colegas até chegaram a censurar-me pelo facto de ter feito aquela entrevista à Kumba Ialá. Mas, defendi-me dizendo que apenas fiz o meu papel de jornalista.
Não vou analisar aqui o desempenho especifico do Dr. Kumba Ialá como estadista ou político, apenas gostava de sublinhar a forma simples como encarava as suas responsabilidades. Às vezes simples até demais!

Nesta hora do seu falecimento devemos todos render-lhe a justa homenagem e cuidar com que as suas ideais nobres sejam continuadas para o bem da Guiné-Bissau.
Dr. Koumba Yalá