Por: Luís Vicente
Não é impossível, mas dificilmente certos países africanos, caso da Guiné-Bissau, conseguirão aproximar os seus índices de desenvolvimento económico e social à média de alguns países ocidentais.
O facto é que toda a política económica do continente Africano (salvo raras excepções) está assente num modelo errado de desenvolvimento e sustentabilidade. Significa que não existe um historial de modelos de desenvolvimento, mesmo sendo certo ou errado.
Por um lado, assistimos a permanência ininterrupta, por períodos longos, de governação assente na imagem singular de um indivíduo, por outro, a participação cívica não se revela exigente sobre o tipo de modelo que se pretende.
A Europa e América têm um historial de modelos económicos que presentemente faliu como todos sabemos, mas existe, claro que é discutível se está certo ou errado, depende das orientações políticas e económicas de cada um. Estes modelos foram desenhados ao longo dos anos, desde a revolução industrial à revolução tecnológica, passando por investimentos fortes em educação e formação. É um processo natural.
Vejamos a nossa situação!
É óbvio que precisamos de organizar o País, disso não existem dúvidas. Precisamos, antes de mais, de definir um rumo, ter uma visão clara e articular os objectivos e estratégias no plano das orientações políticas de desenvolvimento económico, social e cultural.
É necessário definir prioridades que passam essencialmente pela organização do território, pela escolha dos actores com consciência e ideologia política clara e coerente. Actores que privilegiem o bem comum, incentivem a participação e fomentem o empreendedorismo e a causa pública, tudo isso é da nossa responsabilidade como cidadão e como um povo.
A propósito, gostaria de vos demonstrar, através de um pequeno ensaio, as razões que me levaram a produzir este artigo e porque das minhas conclusões serem a introdução do texto e não o contrário.
Concidadãos, em Maio de 2008, o governo da Guiné-Bissau assinou com o Fundo Monetário Internacional um Memorando de entendimento sobre as Políticas Económicas e Financeiras que vem complementar o de Novembro de 2007 e a Carta de Intenções de 9 de Janeiro de 2008. O documento é uma Carta de Intenções do Governo da Guiné-Bissau na qual se descreviam as políticas que o país pretendia implementar no contexto da revisão da performance a “Assistência Emergencial Pós-Conflito e requisição da segunda compra referente a Assistência Emergencial Pós-Conflito do FMI”.
Na carta dirigida ao então Managing Director International Monetary Fund, Mr. Dominique Strauss-Kahn, o governo da Guiné-Bissau solicitava uma segunda aquisição do EPCA (Assistência de Emergência Pós-Conflito), num valor total de DES 1.775 Milhões. O governo acreditava que as políticas e medidas propostas no Memorando de Entendimento seriam adequadas para atingir os objectivos do programa.
Gostaria apenas de elencar uma dessas medidas e tentar explicar o impacto directo que tem em termos das finanças públicas e indirectamente o seu contributo em matéria de fomento à economia do País.
Cito o memorando: “como resposta às pressões dos preços dos alimentos e dos combustíveis, o Governo tomou medidas na área das finanças públicas, sobretudo a isenção de taxas de importação. Desde Março, os impostos sobre as importações de arroz foram temporariamente suspensos na sua totalidade. O Governo estabeleceu igualmente um preço de referência para calcular taxas de importação de arroz e gasóleo que está muito abaixo do preço de importação real. Espera-se que tais medidas venham aliviar o impacto dos elevados preços das importações, nomeadamente do arroz - base essencial da alimentação dos grupos mais vulneráveis, sobretudo da população urbana mais carenciada - mas haverá um custo financeiro ligado à perda de receita para o ano no seu todo”.
Caros concidadãos devem estar a perguntar que custos financeiros serão esses? Pois, o governo contraiu empréstimos comerciais de curto prazo no primeiro trimestre de 2008 que ascendiam a CFAF 4,7 mil milhões à taxa de juro efectiva de 15%. Uma parte da dívida (CFAF 2,2 mil milhões) foi paga mais um custo da dívida (juros e taxas) de CFAF 100 milhões, e o resto da dívida (CFAF 2,5 mil milhões) teria um custo adicional de CFAF 156 milhões. Ou seja, no espaço de poucos meses os juros e comissões de cobrança ascendiam cerca de CFAF 256 Milhões.
O efeito negativo desta medida é que os impostos sobre as importações ficarão abaixo das previsões do programa em cerca de CFAF 0,6 mil milhões (0,3 por cento do PIB), reflectindo as isenções fiscais nas importações de arroz. A insuficiência de receitas da importação de arroz em relação ao programado seria compensada pelo fortalecimento da arrecadação de impostos não ligados à importação durante o resto de 2008, provenientes de multas e licenças de pesca.
Evidências
Convém salientar o seguinte: na época de 1940 e inicio da década de 1970, a Guiné-Bissau era considerado celeiro de África Ocidental, o sector primário desempenhava um papel importantíssimo na economia nacional, grande parte da produção de arroz destinava-se à exportação, como produto transaccionável.
Actualidade: De acordo com as contas nacionais (dados de 2006, Fonte INE), o sector de actividade com maior peso na economia da Guiné-Bissau é o sector primário, que representava cerca de 52,22% do PIB Nacional, sendo agricultura e pesca a actividade com maior expressão. O sector secundário (indústria e construção) representava cerca de 12,83% e Sector terciário (comércio e serviços) com cerca de 34,95%.
A produção agrícola (de acordo com os dados do INE referente ao ano de 2006) foi de 274 Mil toneladas, sendo que o arroz (paddy) representava cerca de 38,7% e castanha de caju cerca de 35,5%.
Ainda, de acordo com os dados do INE (2006), a pesca artesanal representava cerca de 93,3% e pesca industrial cerca de 6,7%, no universo de 30.000 Toneladas capturadas.
Este é o panorama que serve de análise e interpretação dos dados disponibilizados no site do INE e que gostaria de fazer um breve paralelismo com o memorando de entendimento assinado com o FMI. Realço o facto de este ser apenas um exercício meramente técnico sem qualquer cariz político ou ideológico.
Antes de proceder as minhas alegações, gostaria de colocar apenas duas questões:
1. É verdade ou não que a Guiné-Bissau teve (tem) um potencial forte na produção de arroz, base essencial de alimentação da população?
2. É verdade ou não que a pesca artesanal representa maior fatia da exploração pesqueira?
Perplexidades
A questão tem a ver essencialmente com a nossa capacidade de estimular a economia através do fomento a essas duas grandes actividades, porquanto serem as actividades que poderão ser desenvolvidos com poucos recursos.
Obviamente, quando se negoceia com os parceiros internacionais torna implícito o compromisso entre as duas partes, quem empresta exige garantia de boa cobrança e quem pede sente na obrigação de apresentar soluções que entende serem necessárias para o cumprimento desse dever. Porém, nas negociações deve-se chegar a um equilíbrio entre as duas partes, não se entrega a alma em benefício de uma determinada parte, classe, privilégio ou até ideologia.
Não se pode admitir que haja a isenção de taxas de importação de arroz (com um custo financeiro ligado à perda de receita) e essa insuficiência de receitas seja compensada pelo fortalecimento da arrecadação de impostos não ligados à importação provenientes de multas e licenças de pesca.
Por um lado, não se está a incentivar nem fomentar o desenvolvimento dessa actividade, porque isentando a importação, anula-se o efeito produtivo que esta matéria-prima poderá contribuir em termos de economia, pois está-se a permitir que a capacidade produtiva seja destruída em detrimento de um bem com proveitos para um determinado sector ou determinada classe. Por outro, está-se a penalizar um sector que tem um forte impacto na economia nacional.
Compensando a insuficiência de receitas com isenção da taxa de importação do arroz com fortalecimento da arrecadação de impostos provenientes de multas e licenças de pesca, significa desincentivar a pesca artesanal e dar concessões a grandes frotas de pesca industrial.
Efectivamente é necessário e urgente definir um modelo de desenvolvimento para a Guiné-Bissau. Esse modelo deve ser definido tendo em conta a nossa cultura, a nossa identidade e a nossa capacidade em ser autónomo, ou seja, deve ser definido com base naquilo somos como um povo.
É bem verdade que nenhum País se desenvolveu sem ajudas externas, mas é importante que haja discernimento e bom senso na forma como devem ser oferecidas contrapartidas. Tirem as vossas conclusões.
Bem hajam
Nota Ordidja
Caro amigo, irmão e camarada de longa caminhada Luís Vicente (Caci). Foi uma surpresa agradável receber o teu artigo. Como sempre, manifestas através deste texto (bem enquadrado por sinal) a tua forte ligação a nossa terra natal, Guiné-Bissau, mas também deixas algumas propostas com linhas fortes e alternativas à visão sega da Ajuda Externa, como fonte inesgotável. Gostei! E já sabes, as portas da Ordidja estão e estarão sempre abertas para reflexões positivas e com factos bem trabalhados como o teu artigo oferece. Mande sempre!