Luís Barbosa Vicente*
Atualmente o exercício da cidadania ativa com recurso às plataformas
eletrónicas tem revelado fundamental na redefinição dos aspetos evidentes e
distintivos da vida política e democrática de um País. Por isso mesmo, a
responsabilidade e a coerência na utilização dessas ferramentas, como meio para
o exercício deste “poder” – um poder enorme sem dúvida – resulta no
comportamento que se pretende estabelecer entre cidadão-público, cidadão-Estado
e Estado-Estado.
Os últimos acontecimentos que marcaram a vida política mundial, tais
como a primavera árabe, os casos Wikileaks, Assange, Snowden, Manning e Greenwald, em resultado conceito associado a
essas tecnologias de informação, colocam as “opinion-makers” num patamar de
responsabilidade acrescida face ao compromisso que estabelecem entre o próprio cidadão,
o Estado e consequentemente o País.
No caso da Guiné-Bissau, atendendo ao uso cada vez mais frequente, desde
alguns anos a esta parte, com o surgimento de vários mecanismos de difusão web,
tais como blog, sites, twitter, facebook, entre outros, que em certa medida têm
dado um enorme contributo na veiculação de informações sobre o país, recupero
aqui um artigo que publiquei em 2004 – “A cidadania: todos os cidadãos têm o
direito e dever de participar direta ou indiretamente na vida ativa do seu
país” – para reforçar a importância desses meios eletrónicos como ferramentas,
cada vez mais em voga, para a difusão das preocupações sobre os aspetos que
observam comportamentos políticos e democráticos de um País.
Na verdade todo o cidadão tem o direito e dever de tomar parte na vida
política e na direção dos assuntos políticos do seu país, diretamente ou por
intermédio de representantes, livremente eleitos, o direito de ser esclarecido
objetivamente sobre os atos do Estado e demais entidades públicas e de ser
informado pelo governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos
públicos, etc. Estes direitos e garantias de participação política visam
concretizar, no plano político, o direito constitucional elevado à categoria de
direito fundamental, o direito à Cidadania.
A etimologia, desde logo, indica-nos que esta categoria refere-se
à condição ou a qualidade de cidadão, membro de um estado, de uma nação, no
pleno gozo dos seus direitos políticos, cívicos e deveres para com esse estado
ou essa nação, sendo que cidadão é a “pessoa” que, na antiguidade clássica,
pertencia a uma cidade e usufruía do direito de cidadania, ou seja, habitante
da cidade.
Ora, a cidade, em boa verdade, é o espaço por excelência do exercício
da cidadania, pois é, essencialmente, na cidade que se exercem aqueles direitos
e deveres. Mas, se no passado a cidade era o lugar onde se aprende a ser
cidadão, hoje, por contraste, aprendemos a ser cidadãos de múltiplas
comunidades, diversas e sobrepostas, através de distintos meios eletrónicos,
navegando em lugares públicos virtuais, participando em reuniões preparadas
eletronicamente em lugares remotos e presenciando retransmissões desde espaços
físicos que se converteram em cenários globais. Esta deve ser assumida através
de uma forma de cooperação e de entendimento entre os vários atores que
influenciam ou são influenciados por esta lógica de participação.
Com efeito, a cooperação artificial que inscreve os cidadãos em
relações múltiplas de interdependência, não desencadeia espontaneamente a
consciência de pertença a uma coletividade, pois os diversos individualismos e
corporativismos, cada vez mais evidentes, são testemunha disso mesmo.
No caso da Guiné-Bissau é latente esta dispersão de exercício
democrático de cidadania e de sentido de pertença, situação que urge
ultrapassar rapidamente, criando uma lógica de cooperação mais estreita entre
os vários atores, caso contrário o poder informativo via tais plataformas, como
instrumento de participação democrática, perderá a sua essência pelo facto do
individualismo sobrepor-se a uma estratégia coletiva de pressão de forma
organizada.
Tanto assim é que surgem fenómenos como o “nimbismo”, ou seja, o
individualismo exprime-se, em particular, pela recusa de considerar os
interesses coletivos e o desenvolvimento daquilo que os anglo-saxónicos
chamaram de “síndroma NIMBY”, isto é, not in my back yard. O “nimbismo”
configura a expressão de indivíduos que se sentem fora das coletividades,
considerando que estas apenas têm obrigações para com eles mas não direitos,
onde os ideais, as confissões, a pluralidade, a democracia, a liberdade, os
direitos e as garantias são expressões sintomáticas de uma identidade forte,
reconhecida e credível.
De facto, ainda existe algum complexo assumido, dentro e fora da nossa
pátria amada, que acaba por coincidir com estes conceitos de teoria política. Na
verdade, alguns indivíduos ainda não conseguiram libertar-se, infelizmente, das
amarras do poder, continuando a apregoar o patriotismo, o nacionalismo, a
unidade e a reconciliação, quando na verdade tais conceitos não representam
quaisquer significados, reconhecimentos e interpretação possíveis. E outros,
porque se julgam fazer parte de uma elite cuja acepção se apelida de não
progressiva, emaranhada, intrincada e falta de coerência nas causas que
defendem, representando o significado “Nimby”, no seu resplendor, que transmite
os sentimentos muito em voga dos movimentos locais de reivindicações muito específicas
e egoístas.
Porém, como fazer face a este estado de coisas? Parece-me que ganha
particular acuidade a discussão em torno da necessidade de reforçar os
mecanismos democráticos da sociedade guineense e encontrar novos campos de
exercício da democracia sob pena de ver agravar os fenómenos de desigualdade de
oportunidades e da falta de participação.
Não restam dúvidas que a renovação da teoria democrática deve assentar,
antes de mais, na formulação de critérios de participação política que não
confinem esta ao ato de votar apenas. Implica, pois, uma articulação entre
democracia representativa e democracia participativa. Este é um desafio para a juventude,
sociedade civil, diáspora, políticos e seus dirigentes, militantes partidários
e, acima de tudo, Nação Guineense.
Lisboa, 04/10/2013
*Expert Consult Project Investment