Ricardo Rosa
Por: Ricardo Rosa
Passados sensivelmente dois anos após a última ida às urnas que não resultaram em nada, uma vez que o processo foi abruptamente interrompido por um golpe de estado, uma vez mais o país se encontra confrontado com um cenário de eleições e, desta vez, eleições gerais, ou seja, num único dia a população eleitora vai ter que escolher o futuro Presidente da República e os seus representantes na Assembleia Nacional.
Passados sensivelmente dois anos após a última ida às urnas que não resultaram em nada, uma vez que o processo foi abruptamente interrompido por um golpe de estado, uma vez mais o país se encontra confrontado com um cenário de eleições e, desta vez, eleições gerais, ou seja, num único dia a população eleitora vai ter que escolher o futuro Presidente da República e os seus representantes na Assembleia Nacional.
Sem querer aqui tornar-me repetitivo, embora o país não sofrera transformações
significativas no sentido crescente que justificasse uma outra realidade,
começo por evidenciar que na senda de uma transformação da mentalidade
reprimida pelo regime anterior à passagem para a democracia, a sociedade
guineense começou a perceber que com esta nova realidade existem novas figuras
com as quais normalmente ela não era confrontada, particularmente, a sua
responsabilidade face ao estado. O cidadão era cidadão e ponto final. Direitos
altamente condicionados. E agora ele pode escolher. Uma responsabilidade que
não fazia parte da sua competência.
1994 foi o ano das primeiras eleições por sufrágio direto e universal. Eleições
livres e transparentes, onde o cidadão eleitor foi confrontado com exercício da
responsabilidade de escolher, como hoje, o Presidente da República e os
Deputados da Nação. Recordo-me que no momento, apesar das brilhantes intervenções
dos jovens políticos de então e das novas forças político-partidárias criadas,
momentos de ousadia, a população foi às urnas num ambiente de medo. Haviam
ameaças de morte dirigidas a políticos e ao pessoal ligado ao processo
eleitoral e, apesar da vitória do regime dominante, pela primeira vez o
Presidente mas, sobretudo, os deputados foram diretamente escolhidos pelo povo
e não pela militância no partido único e exclusivo de outrora. E o povo
escolheu outros que não os mesmos da militância. Assembleia do não senhor!
Este marco histórico para o país, como foi a independência, pôs fim à
legitimidade constitucional de um grupo ser dono e senhor de toda uma
população, executando-a se fosse necessário. As ideias começaram a florescer
quer na Assembleia Nacional Popular como também no Governo, pois que havia um
programa votado e fiscalizado. Era o início do jogo político-democrático.
Com a fatídica guerra de 7 de Junho de 1998, a democracia foi barbaramente
violentada. Um golpe de estado ao estado de direito democrático instituído.
«Passamos em quatro anos de bestial a besta» exclamava! Mas de golpe ninguém
falou, a comunidade internacional apadrinhou e a população aplaudiu. Portugal
até condecorou. Numa lógica de “levar a liberdade onde ela não existe”. Futuros
meticulosamente desenhados para o recomeço do país, assim se publicitava.
Apesar da destruição, inclusive do Palácio da República, o espírito de
reconstrução nacional reinava. Pouco durou, em 2003 novo golpe de estado. A
comunidade internacional que havia formalmente oficializado não mais tolerar
golpes, continuou no seu rolo de padrinho. Novas eleições em 2004 e 2005.
Novo
golpe de estado em 2009. O Presidente da República democraticamente eleito foi
animalescamente assassinado. A comunidade internacional exigiu eleições
presidenciais antecipadas e o assunto ficou arrumado. De golpe ninguém falou.
De militares muito menos. A quem julgar? O mal menor começou.
E porque o mal é sempre mal, menor ou maior, em 2012 novo golpe de estado.
Agora no decurso de umas eleições presidenciais antecipadas, consequência da
morte do então Presidente da República, também democraticamente eleito. A
comunidade internacional condenou intransigentemente e ordenou a reposição da
legalidade constitucional, com os seus acessórios e tudo, contra sanções a
todos os níveis, incluindo a ajuda direta às populações, que em situações
normais já sofrera. Que motivações? Pois que se desde 1998 tivessem tido esta
postura talvez hoje estivéssemos a discutir outros assuntos. Mas mais vale
tarde do que nunca. Com coerência, sobretudo.
Tal como nas eleições de 2012, também nestas de 2014 assistimos a um
esbanjamento de dinheiro superior ao PIB, num cenário socioeconómico de calamidade
generalizada, sectores públicos e privados inoperantes, greves particularmente
na saúde e na educação, salários não pagos, ajuda à população consideravelmente
insuficiente. Mas muito dinheiro a circular. Eleições de dinheiro, de muito
dinheiro. A troco do quê? Estamos a falar de candidaturas a profissões
altamente compensatórias. Aliás, as mais compensatórias do país. “Bu vida ta
resolvi la”. Todo o investimento é pouco.
Ideias e programas são
marginalizados. É preciso dinheiro, muito dinheiro. O eleitor vota no dinheiro,
no ronco dos materiais de campanha, na demonstração de força, quando devia ser
de razão. Ideias e programas para quê? A população não precisa. Ela só é
convidada para os atos de lançamento dos manifestos e programas mesmo se for no
dia do ato eleitoral. O voto é para o dinheiro e não para o manifesto nem para
o programa. Discussão prévia? Não obrigado!
A sociedade é portanto confrontada, neste momento ímpar do exercício da sua
cidadania, da sua responsabilidade de escolher, optar, com uma forte
instabilidade emocional. Com medos e incertezas. Mas com a esperança de um
amanhã diferente de ontem. De uma inspiração divina para se proteger, por mais
uns anos, quem sabe. De uma realidade diferente da anarquia absoluta, indissociável
da instabilidade política e militar vivida. Do autoritarismo e totalitarismo.
Sem aspiração neocolonialista. Que o dinheiro seja legalmente e merecidamente
ganho pelo trabalho. Que as instituições do estado não sirvam de capote
jurídico para a fuga à justiça. Enfim, esperança de uma sociedade que comece a
preocupar-se com o melhor e não com o mais.
Pela ausência do debate político público, pela falta de respeito dos políticos
à sociedade, pelas inverdades que se tornaram vectores principais de campanha,
a todos os cidadãos eleitores o dever de melhor escolher, porquanto ser uma
responsabilidade democrática. Hoje dentro e fora do país. Primeira vez. “Pa i
sedu bon simola”. Que o país ganhe. Que a população se regozije. Que a
confiança e a credibilidade sejam repostas para que a sociedade possa
reorganizar-se com valores e princípios sociais próprios de um Estado de
Direito Democrático. Para o bem da nossa querida GUINÉ.
Pela Paz e pela Democracia!
Viva a Guiné-Bissau!
Boa reflexão.