sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Partidos Políticos e Democracia: sensos e consensos

Luís Barbosa Vicente

Por: Luís Vicente*



Diz-nos o sociólogo Robert Michels que “ (…) os partidos políticos apareceram e tomaram corpo devido à impossibilidade de as massas gerirem os seus próprios interesses tornando necessária a inexistência de especialistas que o façam por elas”. Certamente, esta é uma asserção que merece algum cuidado da nossa parte quando abordamos questões políticas, atores políticos e o processo de credibilização da política no contexto da Nação guineense.

Na verdade, o partido político, quiçá pela própria discussão à sua volta, é a instituição que ressalta as mais variadas opiniões acerca da sua utilidade e da sua importância. Enquanto Hans Kelsen, filósofo e jurista austríaco, defendia que os partidos políticos eram “a vida da democracia”, para outros representavam exatamente o inverso: George Washington, primeiro presidente dos Estados Unidos de América, no seu discurso de despedida à Nação - Farwell Address, 1796 - advertiu sobre a ameaça que estes representavam para o Estado, o quão dividiam e agitavam o povo; Rousseau, filósofo e teórico político Suíço, condenava-os no Contrato Social alegando que estes corrompiam e particularizavam a vontade geral; o Código Penal Francês de 1810 proscrevia-os.

Ora bem, a história recorda-nos que a Constituição Francesa, em 1789, foi tida como o momento inicial da formação dos partidos políticos mais ou menos nos moldes atualmente conhecidos, atribuída à sociabilidade humana, a exemplo do que ocorreu com a formação da família, do clã, da tribo e do Estado. Em boa verdade, a Revolução Francesa confirmou que o “iluminismo” foi a génese e a raiz do pensamento ideológico associado à conceção dos partidos políticos. De salientar que o Iluminismo foi um movimento filosófico que defendeu o final dos regimes absolutistas e a divisão dos poderes em instituições separadas, tal como bem defendiam Voltaire, Montesquieu, Rousseau e Adam Smith.

Outrora, alguns pensadores e teóricos da ciência política defenderam que “partido significa parcela de um conjunto maior que tende a disputar com outras parcelas a liderança do conjunto, que tem em vista aquilo que alguns qualificam como a conquista e a manutenção do poder”. Em bom rigor, só existirão partidos num sistema político marcado pela competição eleitoral e que assuma a forma de democracia representativa, dado que a principal função do partido é a de nomear candidatos para uma eleição.

Assim, a responsabilidade de um partido político é superior aos reais interesses particulares e pessoais dos elementos que o integram. A essência dos partidos, tanto mais se acentua quando se tem em consideração que estes se apresentam como um instrumento determinante na concretização do princípio democrático e se exprimem como um dos recursos fundamentais no processo de legitimação do poder estatal, na justa medida em que o “povo, fonte de que provém a soberania nacional”, tem, nesses grupos, o portador necessário ao cumprimento das funções de governação política do Estado.

De tal forma, são necessários os partidos na participação do processo democrático e da construção da Nação, conforme a sua função político-constitucional, prevista no artigo 1º da Lei dos Partidos Políticos,“(…) os partidos políticos concorrem para a livre formação e o pluralismo de expressão da vontade popular e para a organização do poder político, com respeito pelos princípios da independência nacional, da unidade do Estado e da democracia política (…)” e os seus interlocutores, capazes de garantir a eficaz e rigorosa participação no processo de assimilação e cumprimento dos programas estatutários que regem os seus próprios partidos. Daí entender-se que os partidos viabilizam a organização e a participação política do corpo social do País, sendo recusada, inclusive, a ideia de candidaturas avulsas, uma vez que cabe aos partidos políticos o exclusivo do lançamento de candidaturas, recrutadas nos seus quadros de militantes. 

Resumidamente, os partidos políticos têm por finalidade, e de acordo com o nosso ordenamento jurídico-constitucional “ (…) contribuir para o exercício dos direitos políticos dos cidadãos e para a determinação da política nacional, nomeadamente, através da participação em eleições ou outros meios de expressão democrática, participar na atividade dos órgãos do estado e do poder local, formular críticas sobre os atos do governo e da administração pública, estudar, debater e pronunciar-se sobre os problemas da vida nacional e internacional e, finalmente, promover a educação cívica e o esclarecimento político dos cidadãos”.

Todavia, gostaria de chamar atenção para o esclarecimento político dos cidadãos, o qual pretendo desenvolver com este pequeno ensaio, tendo em conta a perspetiva interna dos partidos e a escolha que recai sobre a abordagem política que fazem da democracia e do projeto da construção da Nação. Contudo, não pretendo imiscuir-se na esfera das ciências sociais, que deve essa abordagem reservar-se aos sociólogos, historiadores, politólogos e outras áreas próprias da ciência política.

Sobre o que atrás se referiu, entendo que se torna necessário e imperioso focar três questões essenciais, as quais têm a ver com a escolha dos leais representantes da Nação para os órgãos de soberania: Parlamento, Presidência e Governo.
No que se refere ao Parlamento, instituição que aceita os conflitos sociais para os resolver pela palavra, com exclusão à violência, não só se distingue a democracia representativa da ditadura, como também por outra função política, mais nobre: a legislativa. Deste modo, o Parlamento, para além de ser a casa da democracia é, nos termos da lei fundamental, “a assembleia representativa de todos os cidadãos”.

Para além da função primordial de representação, compete à Assembleia Nacional Popular assegurar a aprovação das leis fundamentais da República e a vigilância pelo cumprimento da Constituição, das leis e dos atos do Governo e da Administração. Assim, pela importância que reveste, não se pode conceber, em democracia representativa, que conste do Parlamento o conceito de analfabetismo ou iliteracia. Na minha profunda convicção isto não constitui nenhum ato discriminatório, nem tampouco vem vedar acesso ao debate democrático pela camada da população com baixa ou menor qualificação, mas sim, o sentido de responsabilidade e a exigência que se deve pautar, desde as bases dos partidos, na escolha dos seus representantes legais para ocuparem os lugares de decisões orgânicas, estratégicas e parlamentares que o País carece e que tem urgência em usufruir.

Ter um Parlamento fraco significa favorecer ou permitir promiscuidade entre as esferas pública e privada, uma aproximação de conveniências que poderão consubstanciar no princípio da subversão dos reais interesses públicos em proveito dos particulares, tais como na elaboração das leis e projetos-lei e na discussão das matérias estratégicas para o País. O Parlamento é a casa da democracia e deve de ser tomado por quem tem real sentido de responsabilidade na discussão das leis e projetos-lei que devem orientar a vida da Nação, pretendendo que se debata não apenas grandes assuntos, mas que influencie, de forma decisiva, nas grandes questões.

Quanto à questão presidencial, apenas pretendo refletir sobre os vários posicionamentos e protagonismos vernáculos que se têm observado no plano da estratégia política e das movimentações partidárias. Na verdade, uma candidatura presidencial é a manifestação da vontade de um indivíduo que revê no seu projeto político a causa nacional e assim perfila para a liderança do mais alto cargo da Nação. Porém, essa manifestação de vontade particular poderá, ou não, ter acolhimento junto de uma determinada formação partidária como, aliás, mais à frente se abordará.

Entendo que não basta apenas querer ser Presidente da República porque fica bem, ou porque se gosta, sem ter em conta a capacidade de liderança que justifique este compromisso sério e responsável. A verdade é que o Presidente da República detém um papel importante na garantia do regular funcionamento das instituições democráticas e na moderação das diferenças entre os atores políticos concorrentes. Ainda tem a função, nos termos da Constituição da República, de garantir a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas, para além de ser o chefe de Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas. Portanto, neste momento conturbado em que o País se encontra, é importante um perfil adequado de líder eficiente e chefe de Estado capaz de fazer a ponte entre a sociedade civil, governo, partidos políticos e a cúpula militar. Por conseguinte, para ser esse líder eficiente e chefe de Estado capaz, é fundamental que as pessoas confiem na sua solidez e na sua ética e tenham confiança nas suas capacidades de liderança, fazendo-as acreditar que merece a autoridade que tem. Não havendo confiança e credibilidade, nada mais é possível.

Partindo do pressuposto que uma das componentes do processo de afirmação da Nação reside nas bases dos partidos, uma vez que são estas que criam condições no seio dessa estrutura para um debate esclarecedor e integrador, e tendo, como é óbvio, no suporte legal o povo como constituinte, torna-se mais importante que os partidos sejam munidos de competências e responsavelmente determinados na luta que orientará a matriz da construção nacional. Ao partido político, como aliás já foi sobejamente referido, instituição que tem caráter nacional, é assegurada autonomia para definir a sua estrutura interna, organização e funcionamento, bem como na definição do seu programa e do seu estatuto, tal como prevê a própria lei dos partidos políticos.

Contudo, no que se refere à questão governamental, tendo em conta o posicionamento eleitoral, entendo que é fundamental que os partidos se apresentem com a devida qualidade dos seus dirigentes, uma vez que se exige credibilização partidária e responsabilidade que terão no quadro parlamentar e constitucional. Assim é que, no que se refere à escolha dos elementos que integrarão à lista de deputados, deverão ser previamente selecionados, no seio dos partidos, militantes capazes e que observam os princípios “ética, responsabilidade e honestidade”, sendo que deverão privilegiar abordagens dos grandes problemas nacionais.

E ainda, como não se podia deixar de abordar, no que se refere à escolha de uma figura no seio do partido para a candidatura presidencial, acresce referir o seguinte: Um partido deve sempre gerar consensos em torno de um candidato único. Isto de primárias e de lutas internas para a escolha de um candidato para a disputa presidencial enfraquece a coesão interna do partido e aponta para o dissenso e para a fragilização partidária. Os consensos são a melhor forma de manter a coesão e a unidade interna de qualquer partido. Ou seja, a título meramente elucidativo, apraz referir o seguinte: sem partidos políticos responsáveis não existirá um parlamento responsável nem um governo eficiente e capaz, automaticamente não existirá um País forte e credível, independentemente de uma magistratura de influência responsável, pois tudo funciona em vazos comunicantes.
Por fim, é necessário, neste momento, estabelecer a ponte e criar consensos alargados entre os vários intervenientes no processo, por forma a retomar o espírito da Nação e assim participar plenamente nos esforços do desenvolvimento social, político e económico do País. 

Lisboa, 28 de Fevereiro de 2014.

Nota: Solicito aos sociólogos e historiadores guineenses que se debrucem sobre o estudo aprofundado dos partidos políticos, e que nos indiquem uma matriz coerente sobre a interpretação deste fenómeno e a razão da sua multiplicidade! LV

*Expert Consult Project Investment