terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O contributo das redes de bibliotecas no processo de aprendizagem e hábitos de leitura

Luís Barbosa Vicente



O contributo das redes de bibliotecas no processo de aprendizagem e hábitos de leitura

O Plano Nacional de Ação – Educação para Todos, elaborado em Fevereiro de 2003, pelo Ministério da Educação da Guiné-Bissau, faz um diagnóstico claro e preciso sobre os constrangimentos que afetam este setor estratégico, muito importante para o desenvolvimento do País, sugerindo por seu lado medidas concretas para a sua atenuação, que entendo, na minha modesta opinião, reunir condições necessárias para esse efeito.

Tal como refere o documento, os constrangimentos do setor indicam-se[1], cito, “fraca qualidade, apesar dos progressos quantitativos registados, inúmeros problemas afetam o sistema educativo quanto à sua eficácia interna e qualidade. A qualidade dos professores do ensino básico, recrutados na sua maioria com o nível académico de instrução primária, continua a ser uma preocupação. O fraco rendimento interno, entre 1999/2000, cerca de 78% de crianças em idade escolar que ingressaram na 1ª classe do ensino básico, somente 32,5% atingem a 6ª classe, enquanto são necessários 5 anos válidos de uma escolarização de qualidade razoável para estabilizar as aprendizagens elementares e contribuir assim de maneira eficaz no desenvolvimento, por isso o custo da formação de um aluno é duas vezes mais elevado do que poderia ser. As disparidades de género e regionais (taxa de disparidade global em 1999/2000 é de 1,34% e aumenta a medida que se avança de níveis – 1,60% na 4ª Classe, a desigualdade de acesso entre zonas urbana e rural: 100% de acesso para rapazes e 95% para raparigas na zona urbana, 95% para rapazes e 60% para raparigas na zona rural; as taxas de retenção são de 57% para rapazes e 37% para raparigas. O analfabetismo afeta 47,4% dos homens e 78,82% das mulheres).”

No sentido de contrariar essa tendência, as medidas enunciadas no documento (Plano Nacional de Ação – Educação para Todos) consubstancia uma visão estratégica clara e uma linha de orientação muito bem articulada com os princípios programáticos subjacentes. No entanto, no que concerne a política de disponibilização de equipamentos coletivos de apoio à educação, esta deverá ser ainda mais abrangente, porquanto entender que o mesmo contribui para o processo de desenvolvimento nas suas dimensões individual, comunitária e cultural, alcançável através de um crescimento em harmonia.

É neste quando que entendo que torna necessário dotar o país de uma rede de bibliotecas, devendo constituir recursos básicos do processo educativo, sendo-lhes atribuído papel central em domínios tão importantes como a aprendizagem da leitura, da literacia, a criação e o desenvolvimento do prazer de ler e a aquisição de hábitos de leitura, as competências de informação e aprofundamento da cultura cívica, científica, tecnológica e artística.

Assim, o enquadramento que se pretende fazer, com este artigo, consiste na formulação de uma necessidade imperiosa de investimento na área da cultura, cidadania e educação, concretamente em redes de bibliotecas, por forma criar um conceito associado à necessidade de desenvolvimento deste equipamento tendo em conta a aprendizagem e hábitos de leitura.

As bibliotecas devem constituir recursos básicos do processo educativo, sendo-lhes atribuído o papel central em domínios tão importantes como a aprendizagem da leitura, da literacia, a criação e o desenvolvimento do prazer de ler e a aquisição de hábitos de leitura, as competências de informação e aprofundamento da cultura cívica, científica, tecnológica e artística.

Recordo que, de acordo com os dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística da Guiné-Bissau, conforme tabela 1 a seguir, a taxa de escolarização era de 72% em 2000, e a taxa de alfabetização dos adultos ronda 26,5%.

Tabela 1: Taxa de Escolarização e de Alfabetização (%)

Indicadores
1991
2000
2006
Taxa de escolarização
46
72

Rapazes
58
74
84
Raparigas
34,2
60
56
Taxa de alfabetização dos adultos
26,5


Homens
40,7


Mulheres
14,5


Fonte: Instituto Nacional de Estatística e Censos da Guiné-Bissau
As bibliotecas devem ter em especial atenção a acessibilidade dos seus serviços e o respeito pela diversidade e pluralismo da informação, constantemente atualizada, que têm que prestar, contribuindo assim para elevar o nível cultural e a qualidade de vida dos cidadãos. Deverão ter como finalidades, estimular o gosto pela leitura e a compreensão do mundo em que vivemos; criar condições para fruição da criação literária, científica e artística, desenvolvendo a capacidade crítica do individuo; conservar, valorizar e difundir o património escrito, sobretudo o relativo ao fundo local, contribuindo para fortalecer a identidade cultural da comunidade; fornecer documentação relativa aos vários domínios de atividade, de que todo o cidadão e os diferentes grupos sociais necessitam no seu quotidiano; difundir informação útil e atualizada, em diversos suportes e recorrendo à utilização das novas tecnologias.

Tendo em conta estes objetivos, a biblioteca deve satisfazer os requisitos estabelecidos quanto à diversificação e dimensão das suas áreas, ao equipamento, aos fundos documentais, etc., e estes devem organizar-se em sistema de livre acesso às estantes, estando até disponíveis para empréstimo domiciliário. A biblioteca deve ser um espaço aberto e dinâmico, essencialmente proporcionadora do prazer da leitura, para além de todas as aprendizagens que lhe estão inerentes.

A razão da sua existência reside no facto do atual contexto de baixos níveis de literacia dos alunos guineenses considerada Crítica para o processo de desenvolvimento educacional da Guiné-Bissau. Conhecendo a necessidade e vontade que os alunos guineenses demonstram pela leitura e concomitantemente terem acesso a uma vida com qualidade e bem-estar, contribuindo dessa forma no processo de aprendizagem, como cidadãos ativos, participativos e responsáveis na sociedade, uma vez que a leitura tem adquirido, ao longo dos anos, um significado inteligível, ultrapassando até a sua dimensão funcional e situando-se no campo da compreensão, a rede de bibliotecas pretende ser uma âncora no processo de integração e redução de iliteracia no seio da comunidade jovem estudantil da Guiné-Bissau.

Entende-se a leitura, de acordo com as atuais correntes construtivistas da compreensão, como a capacidade de cada indivíduo compreender, usar textos escritos e refletir sobre eles de modo a atingir os seus objetivos, a desenvolver os seus próprios conhecimentos, potencialidades e competências. Assim, a integração e desenvolvimento desta rede viria de encontro às necessidades e procura que os alunos se tornem melhores leitores num processo contínuo e gradual.

Num mundo em que o conhecimento científico e tecnológico se produz a um ritmo acelerado, em que se torna indispensável formar cidadãos capazes de assumir a mudança e empenhados no desenvolvimento cultural do país, as bibliotecas deverão permitir que as escolas assumam o objetivo de criar nos alunos competências de informação.

Ir à biblioteca, significa ter acesso à informação e ao conhecimento, através de uma grande variedade de livros, jornais, revistas, documentos audiovisuais e das novas tecnologias e, também, encontrar diversas fontes documentais, disponíveis nos mais variados tipos de suporte, que cada um confere, conforme a sua vontade e necessidade, para trabalho intelectual, ou por prazer de ler e de se informar.

Na sociedade de informação em que vivemos, a permanente mutação e atualização são uma constante, o Estado tem que ter um papel ativo de modo a acompanhar a transformação da sociedade, em que os seus alunos estão inseridos. Deve, pois, proporcionar-lhes espaços, onde estes tenham a possibilidade de se auto-organizar e produzir, proporcionando-lhes autonomia e liberdade de aprendizagem, de modo a que a apropriação do conhecimento se faça com componentes de investigação, produção e animação.

Os objetivos passam por posicionar a biblioteca como um recurso fundamental da escola para a educação e formação dos alunos, visando o desenvolvimento de multiliteracias (tradicionais e de informação na Sociedade do Conhecimento, contribuindo para os dotar com competências para saberem formular necessidades de informação, pesquisar, selecionar, organizar, produzir e saberem problematizar, usar e apresentar informação; promover práticas de cooperação e interesse pela atualização e inovação; estimular a aplicação de estratégias adequadas para que a biblioteca seja reconhecida e vivenciada como um recurso fundamental da ação pedagógica, a aprendizagem, a formação para a cidadania e utilização do tempo de lazer; promover atividades educativas baseadas em estratégias que estimulem competências Informativas, criativas e expressivas em contexto de partilha e lazer, associando-as, preferencialmente, a projetos pedagógicos específicos, práticas de laboratório de atividades e utilizando metodologias de filosofia para crianças; promover a inclusão e a afirmação de valores democráticos e práticas de cidadania. Ao perspetivar as tendências que se prefiguram na sociedade da informação para as bibliotecas, pode-se igualmente projetar objetivos e valores que devem orientar a comunidade guineense na senda do desenvolvimento, da equidade, da qualificação das pessoas, da afirmação e valorização da cidadania. Mas, para a concretização dessa visão, importa traçar rumos, saber para onde se quer ir e, por isso, crê-se que as bibliotecas são um projeto em que se pode continuar a acreditar mas, sobretudo, que se deve acreditar pelos resultados alcançados e a atingir.

Dar garantia as bibliotecas públicas, para que elas sejam socialmente mais reconhecidas e aceites pelo contributo positivo que podem dar às pessoas e à sociedade. Para poderem colher as vantagens proporcionadas por um ambiente positivo que se deve poder criar à sua volta e, num contínuo, igualmente contribuírem para melhorar o contexto em que operam e gerarem mensagens e resultados de retorno.

Lisboa, 06 de fevereiro de 2012.

Luís Barbosa Vicente
Expert Consult Project Investment

Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico.   


[1] Ver link: http://planipolis.iiep.unesco.org/upload/Guinea%20Bissau/Guinea%20Bissau%20PNA%20EPT.pdf