domingo, 15 de abril de 2012

Um golpe previsível!

Geraldo Martins

(Uma análise da situação política na Guiné-Bissau)

É triste ver um Primeiro-Ministro reformista de um país pobre ser tirado do poder através de um golpe de Estado. Carlos Gomes Júnior, Primeiro-ministro da Guiné-Bissau desde 2008, teve sucesso onde a maioria de seus antecessores falharam. Sob seu governo, o país teve um bom desempenho económico. O crescimento económico médio foi de 5 por cento nos últimos anos; os salários dos funcionários públicos são pagos regularmente, inclusivê os atrasados de longo prazo, e o programa apoiado pelo FMI, está a correr bem. Os doadores têm demonstrado entusiasmo em apoiar o governo. O governo também fez alguns investimentos em infraestruturas (incluindo nos sectores da energia elétrica e estradas) que elevaram alguma esperança de uma população há muito descrente em alguma possibilidade de desenvolvimento. Júnior também mostrou fortes sinais de firmeza na luta contra o tráfico de droga e na reforma das forças de defesa e segurança.

Mas se o sucesso de Júnior em termos de políticas económicas e sociais deve ser aplaudido, ele descuidou-se perigosamente da esfera política. Como líder de seu partido, o PAIGC, desde 2008, Junior provocou profundas divisões internas entre os membros do partido e líderes de opinião. Sua liderança foi marcada por controvérsias e contestações. A prova mais recente foi sua incapacidade em unificar o partido em torno de sua própria candidatura às eleições presidenciais de 18 de março, levando a dissidência. Duas figuras proeminentes do partido candidataram-se contra ele como independentes nas eleições. Alguns observadores sugerem que, se Júnior tem sido capaz de liderar o partido, o faz principalmente através da "compra de consciências" (ele é provavelmente o homem mais rico do país).

Também sob seu governo, proeminentes figuras políticas foram assassinadas, incluindo o Chefe do Estado Maior das Forças Armadas, e o ex-presidente Nino Vieira, o deputado e candidato presidencial Baciro Dabo, o deputado Helder Proença, entre outros. Outros presumíveis adversários políticos, incluindo o ex-Primeiro-ministro Francisco Fadul, foram presos e/ou torturados. Estes assassinatos nunca foram esclarecidos. O Primeiro-ministro foi acusado de cumplicidade nos actos --- o que ele nega -, mas a justiça tem sido impotente para levar os casos da investigação à decisão judicial. Muitos acreditam que ele orquestrou os assassinatos, a fim de abrir caminho para si à Presidência.

Suas nomeações políticas, que privilegiam seus familiares, amigos e conhecidos fieis, muitos deles nunca antes testados e com competências duvidosas, em detrimento de figuras políticas do seu partido, têm sido muito criticadas, e estão no cerne do conflito interno dentro do PAIGC. Num Estado pobre, frágil, onde as “fatias do bolo” a ser distribuído são tão pequenas, marginalizar grande parte dos aliados políticos pode ser uma fonte de conflitos políticos, que por sua vez, pode reforçar a fragilidade do Estado.

Esta situação desastrosa na área política, infelizmente, ofuscou o seu relativamente reconhecido sucesso nas políticas económicas, e é fonte de suas divergências políticas com grandes segmentos da sociedade --- membros de seu partido, parte das forças armadas, justiça, parlamentares, apoiantes do ex-presidente Nino Viera, o próprio ex-presidente Sanha, que morreu em janeiro em Paris e, não surpreendentemente, os apoiantes de Sanha. Sanha, visto por muitos como um moderador e hábil negociador, era respeitado pelas forças armadas e, de certa forma, foi a espinha dorsal da relativa acalmia que reinou na Guiné-Bissau nos últimos três anos. Quando no dia 01 de abril de 2010, as forças armadas prenderam o Primeiro-ministro Júnior --- e, presumivelmente, o queriam matar, Sanha foi quem impediu o pior. Partidários de Sanha acreditam numa "teoria da conspiração" sobre a morte do presidente e, implicitamente, acusam júnior de estar envolvido nessa conspiração. 

Quando Junior viajou para Paris em dezembro de 2011 para visitar o presidente no hospital Vale da Graça, foi-lhe recusada a entrada na sala onde o presidente estava internado, supostamente por ordem da esposa do presidente. Rumores circulam em Bissau que, quando Sanha estava sendo evacuado para Dakar e depois para Paris, em novembro de 2011, ele pediu às forças armadas, através do Chefe do Estado Maior Injai, que não permitisse que Júnior se torne Presidente na Guiné-Bissau, caso ele não regressar vivo.

Assim, Júnior é visto como uma figura divisionista. É com essa imagem que ele decidiu concorrer à presidência. Entre os 10 candidatos à eleição presidencial de 18 de março, ele foi o único que estava realmente preparado para a eleição. Ele tinha dinheiro, materiais de campanha e propaganda. Ele ganhou 49 por cento dos votos na primeira volta e tinha todas as condições para ganhar a segunda volta contra o ex-Presidente Koumba Yala (23 por cento). Yala e os outros quatro candidatos mais votados recusaram os resultados e exigem o cancelamento do processo eleitoral, alegando fraude maciça. Foram incapazes de provar a fraude. A comunidade internacional e os observadores consideraram a primeira volta das eleições justas e transparentes. Mas os candidatos continuaram a recusar participar na segunda volta. A crise eleitoral instalou-se.

Muitos suspeitam que há muito que as forças armadas queriam a "cabeça" de Junior. Com a revolta de ontem, eles aparentemente tiveram-na. Independentemente do resultado deste golpe, Junior (se não tiver sido morto pelas forças armandas) não é claramente parte da solução. Ele provavelmente nunca foi parte da solução. Olhando para o futuro, o que a Guiné-Bissau precisa neste momento é de um processo de transição que permita o retorno à estabilidade, a defesa das instituições, o funciomento da justiça, e a organização de umas eleições justas e transparentes. Se a transição política for conduzida com inteligência, e forem escolhidas as pessoas certas para liderar o processo, as forças armadas provavelmente poderiam participar do jogo.

Geraldo Martins - guineense, ex-ministro da Educação Nacional, Cultura e Desporto  da Guiné-Bissau e especialista em Desenvolvimento Humano no Banco Mundial

Foto: A Bola
Ordidja-notando

Com quem devemos nos solidarizar?

O momento guineense é acrítico. O país deu um grande passo atrás. Impera a imprecisão, mas no nosso subconsciente, os últimos acontecimentos eram previsíveis. Quanto a isso não tenho dúvidas porque penso, que todos temos uma memória viva, do resultado dos play-off políticos, sobretudo quando os abusos, não pedem licença  a nossa forma e modo de jogar na Democracia.

Depois de ter lido este artigo ontem, enviado por um irmão, camarada e amigo, fiz questão de escrever logo um mail para o autor, irmão mais-velho, compatriota e amigo Geraldo Martins, pedindo se podia publicar esta magnífica obra-prima, escrita com um olhar objetivo e realista do momento. Uma analise de excelência, que merecia ser partilhado com o leitor deste Blog. O alcance do artigo faz com que fiquemos com menos dúvidas em relação, ao que se passou na Guiné.

Nunca deixei de manifestar aqui neste Blog, que havia muitos excessos e imposição agressiva na Candidatura do PM Carlos Gomes. Quem da ouvidos e partilha decisão política só com os que lhe vão dizendo “sim senhor” e tem um lutador como fiel parceiro, e lutadores, todos sabem que só pensam em “e na batinu”/“nô na bati elis”.

Imagino, se o PM não tivesse candidatado e mantive-se posicionado como Homem de Estado, e com o Governo que lidera, organiza-se e controla-se estas eleições antecipadas. Acredito que a estória da disputa do Poder na Guiné-Bissau, teria outro desfecho.  

Adquiri consciência dessa situação e embora com a mesma passividade, não me acomodei, e chamei a razão na altura certa. Mas a “emoção fala mais alto na política guineense” parafraseando o Dr. Mário Baticã, dizia; não me acomodei não só apenas porque considerei que era preciso quantificar os custos e benefícios do pré-conflito que estava a olho nu. Mas mais do que isso, notava-se que tudo estava a ser apimentado como sempre, pelos habituais noberos e banoberos que iam gozando da plena forma e, tónica maior, da bela Liberdade de exprimir e comunicarmos enquanto guineenses na NET.

Agradeço ao Geraldo Martins este gesto e o esplêndido artigo que aceitou partilhar, espero que este seja o primeiro de muitos artigos para os leitores da Ordidja. A porta está, esteve e estará sempre aberta, para quem quiser partilhar a sua opinião, naquela base da harmonia guineense.
Harmonia sabi!   
Bem haja