quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Uma correspondência com toque de Esperança...



Por: Fernando Teixeira*

Caríssimo Henri LABERY

Obrigado pelas suas amáveis palavras, em resposta ao texto "A TEORIA E PRÁTICA NOS NOVOS TEMPOS DO ANTIGAMENTE" que pela sua importância, entendo dirigidas através de mim a toda uma geração de pessoas que embora sendo mais novos poderão ter mais consciência politica e amor a sua pátria do que os seus pais. Por isso peço-lhe que a minha resposta a sua missiva seja publicada. Pois tem a ver não só com o momento atual mas, de uma maneira ou outra, com todos os momentos dos últimos quarenta anos.

Esta geração quer saber de trabalho, de empregos, de desenvolvimento. Querem ver urbanizações novas, casas para viver com às suas mulheres e filhos, bairros limpos onde possa criar os seus filhos. Querem casar ter seus esposos e suas esposas, a sua casa, creches para os filhos, parques para passear e namorar, teatros e cinemas, quer apenas o normal em qualquer país normal. Não quer saber quem era do comando tal, quem foi morto no ano tal, Congresso tal, quem era contra quem era a favor, etc., etc. Quer saber disso como história do país mas não como a base da sua existência e como o fator que impediu que o seu país se desenvolvesse.

Esta geração nova não quer viver num país em constante sobressaltos, onde nenhum projeto de vida é viável, onde até a eternidade existe sempre um discurso politico arcaico sem significado nenhum que é o eterno discurso de combatente, de quem foi a Luta ou de quem não foi e de tantos disparates a isso associado. Esta geração não quer saber de tribalistas, de ódios tribais, pois para ela todos os guineenses são iguais. Devemos proteger esta geração e impedir o seu envenenamento com teorias sem pés e cabeça que cada dia apenas contribuem para a perpetuação do descalabro.

Caro LABERY

Tem razão quando fala da minha decepção. Sabe quanto critiquei o que se passava nesta terra, mas tinha de voltar tinha que dar alguma coisa de mim antes que fosse tarde demais. Tinha que pôr de novo as minhas capacidades ao serviço do meu país para não ser incoerente e ninguém entender que só critico sem participar num esforço nacional de construção que eu entendia que estava por fim a começar depois de tantos anos de descalabro. Tive uma oportunidade de voltar, para trabalhar - com pessoas com quem discutia há muito o desenvolvimento nacional premente e maneira de o realizar, num lugar onde comecei a minha carreira -, e onde achei que pudesse fazer a diferença, mas de novo tudo é posto em causa e tudo se começa de novo.

A sua afirmação “Quando numa mensagem, Fernando Teixeira anunciou a sua decisão de regressar à Terra, apreciei a coragem e aplaudi com entusiasmo. Hoje, visivelmente, a sua decepção é grande, Fernando. O Pais continua, como sublinha, sem real teoria (desde os tempos idos, acrescento eu) nem teóricos no sentido nobre da palavra, e nem no seio dos que vêm governando há décadas, mas sim caminhando-nos, irremediavelmente ao precipício!”

Você antigo lutador para a liberdade que sonhou este país, que com um projeto politico diferente sim do de Amílcar Cabral, mas com o seu valor intrínseco, pois ela era baseada na Independência a e na Liberdade. Talvez em moldes mais parecidos com o do Leopold Senghor que o do Sekou Touré, mas que que se queremos ser verdadeiros foi com as diferenças em cada país, o caminho seguido pela maioria de estados africanos para sua independências. O projeto de Luta Armada foi uma excepção nas independências africanas e não a regra. Heroica que foi, hoje cada dia mais pessoas compreendem e valorizam que também havia outro caminho talvez e se tal não houvesse por intransigência de Salazar, havia outras sensibilidades que poderiam ser aproveitadas... 

Pois o casamento de dois projetos diferentes, duas visões do mundo, se aceites como ambas dignas de mérito na altura, quem sabe a influência de uma atenuaria os problemas graves e soluções radicais entre camaradas que a Luta proporcionou e que até agora ainda como fantasmas de um passado que nunca é passado, nos trazem ciclicamente a violência para as nossas cidades e para as nossas vidas. Este permanente começar, cada ano, cada mês, cada dia não leva a nada, apenas a mais destruição. Por isso condenei o golpe, não pelo PAIGC, não pelo Carlos Gomes Júnior que nem conhecia: mas por compreender que a semelhança de outros golpes que por cá aconteceram este também nada trará de bom, como nenhum outro trouxe nada de bom no somatória geral que é o pais atual  

A minha não-aceitação tem outros pressupostos morais que não são questões simplistas do dia-a-dia baseados em ódios, amizades, famílias, agravos e tantas razões que cada um evoca para explicar a sua posição em relação a este acontecimento. Um cidadão podia ser visceralmente contra a governação de Cadogo e ser ao mesmo tempo contra o Golpe. Uma coisa não implica a outra. Entendo além de mais que cidadão é livre de se posicionar em relação a este acontecimento (e outros anteriores) como entender. Ninguém deve ser incomodado por ser contra, como ninguém também deve o ser por ser favor. Se eu quero que respeitem a minha opinião devo primeiro respeitar a de outros. Isto é o primeiro pressuposto para uma conversa séria e consequente.

Caro Labery

Recuso que os cidadãos Guineenses no decurso de suas curtas vidas em vez de porem as suas capacidades e sabedoria em prol do desenvolvimento de seu país, cada dia tenham que ser confrontados com acontecimentos com os quais não têm nenhuma relação e obrigados a escolher um lado ou outro com risco das suas próprias vidas, dos familiares e amigos. Com risco de perderem o emprego e a sua segurança se posicionarem do lado oposto dos detentores do poder na altura. Cada vez que os detentores do poder mudam o Guineense é confrontado com a necessidade de fazer juramentos de lealdade para que possa continuar a ser um cidadão. Pois de contrário será despedido desprezado vilipendiado, violentado e quem sabe morto? Quem dá direito a quem seja de todos os dias das nossas vidas nos obrigarem a isto? E que poder poderei respeitar quando baseia a sua legitimidade neste procedimento?

Caro Henri

Tudo o que você diz tem um valor enorme para mim. E das poucas testemunhas vivas que “presenciaram” a Historia, que vivenciaram a Historia que era feita e desenrolava-se cada dia diante dos seus olhos moldada pelas suas mãos e pensamentos também. Você foi privilegiado pela Historia, conheceu o nosso passado e presente, conheceu o início do processo que levou a fundação de vários movimentos e o início da competição para a legitimidade de representar todo o povo desta martirizada terra.
A própria Luta Armada começou no seu também “tempo de luta”, assistiu a Independência e acompanhou de longe todas às nefastas políticas que levaram-nos a este beco da história, quando nós ainda eramos meninos. Por isso você é um privilegiado analista do nosso procesus.

Por isso nas suas palavras que aqui cito “Hoje ainda, não passamos dum Estado voyou, de narco traficantes, desprezados e malcheirosos se se rindo sob a capa, quando se fala do nosso Pais. <Nossa dignidade vergonhosamente humilhada!> encontro também há decepção que você encontra neste meu texto. Mas é você que me anima quando diz a seguir que “A Historia não se reescreve, mas deixa exemplos, bons e/ou maus. Qual geração para reacender a chama?

Acredito que a geração atual de jovens vai reacender a chama, pois se essa chama ainda não apagou, se ainda brilha insistentemente em corações de jovens de oitenta e tal anos como você, que o acarinharam todos estes anos e com o calor dos vossos Guineenses peitos, e não deixaram apagar, então não será a minha nem a geração deles que a deixarão extinguir.

Aquele jovem que você era há quase sessenta anos no início do sonho rumo a liberdade, são estes jovens de hoje que também começarão o seu caminho para a construção do sonho. Pois a distancia do tempo do seu nascimento em relação a muitos funestos acontecimentos é maior e quem sabe isso ajudou a formar uma nova visão do mundo sem o permanente discurso da “Luta” e de tudo que lhe esta associado de mau (pois de bom nos respeitamos).

O nosso primeiro embaixador nas Nações Unidas, Gil Fernandes, que você menciona na sua missiva, tornou-se um amigo para mim e fonte de muitas informações dos primórdios da Luta de Libertação e o seu trabalho depois como funcionário dessa organização permitiu-lhe também conhecer profundamente os bastidores das Nações Unidas, (era um homem a ser chamado pois quem sabe se tivesse sido utilizado a sua experiencia e sabedoria a Guiné seria poupada a caricata situação que se passou na Assembleia Geral das Nações Unidas. Mas quem liga as pessoas competentes neste país? 
Quando ligaram? (Aqui os valores são outros e sempre foram).

O Embaixador Gil Fernandes a quem estimo como “mais velho” fez questão de me conhecer quando veio a Portugal o verão passado (ele hoje é funcionário aposentado das Nações Unidas), para me falar dos primórdios da Luta, de Amílcar Cabral, com quem privou muitas vezes, e de quem tem memória de um homem com uma estatura moral elevada. Hoje os valores perderam-se, denigre-se esse homem e quer-se fazer dele o culpado de todos os atos malsões que cada bandoleiro faz por conta própria. 

A atual violência espelha bem a nossa amarga e desesperada situação de um país sempre adiado mas que se a Providencia não nos for adversa, não será para sempre adiado. Pelo menos nisso eu creio e por isso luto, como sei que milhares creem também embora ainda não lutem.

Termino com esperança, dor e certeza no porvir do nosso povo. Esperança que aguente firme como até agora aguentou, para que um dia, igual a um kankuram da minha meninice em Farim, venha num grito de raiva e dor - rasgado de dentro desse peito onde ainda guarda a preciosa chama sagrada do acreditar e da dignidade - embarcado num vento forte das profundezas do Geba e Corubal, para espantar todos os nossos males para sempre…

Na sua vinda ao passar por Casamança traga a minha gente consigo, aqueles vivos e aqueles mortos para que os abrace na eternidade. Traga também aqueles meus que morreram na Luta de Cabral, na Luta do vosso tempo, do tempo da sua juventude, para que mitiguem a minha dor. Esta dor com que vivo com que procuro há anos que um caminho que teimosamente a Providencia não me mostra. Procuro um movimento, procuro uma força da natureza, baseada no coração dos homens justos que muda este país para os próximos cem anos.

O que me dá a certeza no porvir é a sua linda frase que me lisonjeia, mas não mereço, por isso dirijo-a as novas gerações para que oiçam a palavra de um "mais velho" que prefiro chamar de "jovem velho", um dos raros que restam, que a meio século, sonharam e começaram o caminho da liberdade: O seu Amor à nossa Terra, digníssimo de respeito, me retorna à juventude dos da minha geração. A luta será sem tréguas se os nossos descendentes quiserem fazer da Guiné uma Nação com voz no concerto do Mundo. Vamos fazer preces a Deus para que assim seja!”

Bem-haja Henri Labery; bem-haja Kankuram dos tempos primeiros da consciencialização para a Independência.

*Fernando Teixeira – Arquiteto e Ensaísta


Ordidja-notanto


Dou mão à palmatória, em parte, porque verdade seja dita, não tenho tido tempo nenhum (nem vontade) para escrever e opinar sobre Guiné-Bissau. Em parte tenho  inter-tido com a remoção de algumas pedras colocadas no caminho, por uns doutores em burrologia, e candidatos a falsos agitadores. Estou como a maioria dos leitores sabem, numa Comissão, onde os valores do grêmio falaram mais alto. Não respondi as provocações, fui mantendo a politicamente correta maneira de lidar com situações bizarras, ou seja, tenho estado calmo e sereno num canto da NET sem reclamar. 

Agradeço aos Deuses por esse estado de paciência imperial, que na maior relax vou aproveitando para ler, ler e ler...

Posto isso e todos os entretantos, pude ler, este magnífico texto, tirado presumo eu, duma troca de correspondência entre dois irmãos e cúmplices na madastra função de refletir, opinar, escrever e por vezes participar em certames  sobre a construção da Nação, que se pretende aterrar há quase quatro décadas no território denominado Guiné-Bissau.

Quem me brindou com esta esplendorosa troca de opiniões foi, o amigo e, camarada mais-velho Fernando Teixeira (Nandinho para os mais chegados), que como sempre, tem me enviado belos e extensos textos e artigos de opinião em forma de ensaio. Um ensaísta, que consegue ser desta vez, curto e conciso, numa carta com um toque de sentimentalismo e reconhecimento de outros valores e outros atores que lutaram cada um a sua maneira, para que a Liberdade fosse uma realidade na Guiné. 

Nesta carta dirigida ao mítico nacionalista Henri Labery do movimento Frente de Libertação e Independência Nacional da Guiné (FLING). Fernando Teixeira surpreende e encoraja com 1 profundo fôlego de esperança, cada um daqueles que acreditam que haverá um futuro feliz na nossa terra.  

Obrigado irmão!!!

Bem Haja...