sexta-feira, 26 de abril de 2013

POBRES E MISERÁVEIS MAS DEMOCRATAS


Fernando Teixeira
“A pobreza não é um pecado, é a verdade. (…). Mas a miséria (…) essa é pecado. Na pobreza ainda se conserva a nobreza dos sentimentos inatos; na miséria não há nem nunca houve nada que os conserve. (…) Na miséria sou eu o primeiro que estou disposto a ofender-me a mim próprio.” 
F. DOSTOIEVSKI in “Crime e Castigo”
I
Ser democráticos é o que “esta a dar”. Querem nos fazer desesperadamente democráticos. Queremos desesperadamente ser democráticos. Ser uns Atenienses de Africa em vez de Espartanos para o qual parecemos ter mais jeito. Mas ser democrático é difícil, a começar pela falta de meios. Ou como como se diz entre nós, “não há condições financeiras…”. 

Sim, a democracia pressupõe alguma riqueza, mesmo que apenas para comprar tinta indelével para pintar dedo dos infelizes analfabetos que votam com o polegar. Há, esquecia-me das urnas de papelão e boletins de voto… os instrumentos da democracia por excelência. Pobres de nós; queremos ser democratas, mas somos pobres de mais para isso. Mas quando o “Estado que quer democratizar-se” não tem “condições financeiras” arranja-se uma maneira. 

A solução é nos comprarem a democracia. Bem, se calhar a frase não é boa: pagarem-nos a democracia. Soa melhor; pagarem a democracia… Não, decididamente não. Seria melhor: “financiarem-nos a democracia”. Não… também não; é necessário algo mais sério e um pouco mais pomposo: A Comunidade Internacional vai financiar a Democracia na Guiné Bissau. Agora está bem. Não; outra vez não; é politicamente incorrecto. A formulação correcta politica e desavergonhadamente (para nós) é a seguinte:

A Comunidade Internacional vai financiar o processo eleitoral na Guiné-Bissau”.
a) E esse financiamento inclui observadores (para dizer que foram ”livres e justas”), urnas, tinta e boletins de voto e recenseamento.
b) A Guiné entra com a população (“contrapartida nacional” - como se diz nos “projectos de desenvolvimento” - afinal temos que entrar com alguma coisa).

A paz compra-se, Roma dixit. A democracia não? (Grecia dixit?).
Ser democrata é como ser um homem digno, pressupõem alguma abastança além de e algum self-respect a mistura. Um miserável raramente consegue ser digno; pois “se a pobreza não é vergonha” a miséria sim; pois a miséria avilta… e daí um miserável raramente poder ser um democrata.

E nem é apenas porque “primeiro é preciso comer e só depois filosofar” que o Marx já pregava; prefiro dizer apenas que ele “tem mais no que pensar”. A miséria e a democracia são como azeite e agua, são conceitos mutuamente exclusivos. Sim, um miserável raramente consegue ser um democrata pois isso é contra a sua natureza.

Como é contranatura até fazer de um miserável, um perfeito democrata, como se diz. Ou não é necessário ser “um perfeito” democrata mas apenas um “assim-assim?”.

E por isso a democracia (direito de voto) na antiguidade era apenas para homens livres, pessoas abastadas e ou cultas. Tinha-se que provar que possuía bens suficientes para se “ser democrático”. Mesmo na América que só tem duzentos e trinta e sete anos de Independência houve alturas, em alguns Estados, que o direito de voto era exercido só por quem “tinha meios” para isso. 
Por isso e outras que, um miserável raramente consegue ser democrático, mas também porque o seu acabrunhante e miserabilisestado de alma não lhe atrai para aí... Para se por a exercer direitos cívicos… era o que faltava.

II
O nosso povo infelizmente é miserável. Pois é mais do que pobre; nos índices de Desenvolvimento Humano está sempre entre os últimos do Planeta para a nossa vergonha. Há muitos povos pobres no mundo e em Africa em particular.

Em África também há os povos remediados e alguns poucos - como dizer? - organizados; mas também existem os povos miseráveis de que nós, orgulhosamente, fazemos parte (e não apenas por solidariedade revolucionária do antigamente); embora dentre esses sejamos sempre os últimos de todas as listas de desenvolvimento (afinal o que interessa é participar e não ganhar. Sem esquecer que no campeonato dos miseráveis, estar em ultimo lugar ou no primeiro é relativo. Talvez o mais miserável deva ser o Nº 1 da lista; ou devia ser o contrario?).

Fazer parte desses países miseráveis dói muito; dói, dói, afinal poderíamos ser mais organizados, se não mais desenvolvidos, do que Mali, Burkina, Senegal, Gambia e a República da Guine… - e quero lá saber dos que não acreditam - mas os que nos governaram e governam durante todos estes anos não deixaram. Cachorros. Mas também por nossa culpa. Seja como for, esquecendo dos cachorros, não deixamos de ser um país miserável (país, povo, cidades, vilas, bairros, cães, porcos e vacas). Mas o que é a miséria diante da democracia? Que importância tem a pobreza se somos democráticos? 

A pobreza é porventura mais importante que a democracia? Do que ser democrático? Claro que não; prefiro ser pobre mas democrático, do que rico mas… enfim nunca sabemos o que preferimos e o que nos fazem preferir. E quando se é pobre… aceita-se tudo. E quando miserável come-se de tudo. Come e cala como diz o proverbio.

Então como de um povo miserável não podemos fazer um povo rico, fazemos o mais fácil, fazemo-lo democrático. Dois males é que não podem ser; é demais. Um povo miserável sim, mas democrático - que obedece todos os preceitos de uma sociedade livre e democrática -, admirável!!! Há milagres sim, mas não é preciso pedir tanto a Deus, basta ganhar o totoloto (ou euromilhões?), para a acreditar na Sua omnipotência. 

III
Há quem pense que a História não passou e “não passa” pelos nossos povos. Há quem diga mesmo que não têm História pois não há vestígios de grandes monumentos arquitectónicos que provam a “passagem” da História. Então é necessário “fazer-lhes” (financiar-lhes) a História. Assim “tiram-nos” directamente da Idade da Pedra, da Idade Media, para a modernidade; para um sistema político igualzinho ao de Inglaterra. Num passe de mágica, numa capsula do tempo, pilotados por valorosos cosmonautas da democracia que vindos directamente do século XXI. Sim do seculo XXI, pois a Africa Negra não vive no seculo XXI, apenas adaptaram o calendário Juliano através dos seus colonizadores. 

Os Maias tinham o seu calendário, os antigos Egípcios também. Os Judeus, Chineses e os Russos o seu. Os Árabes têm o seu (ainda estão no ano 1434), cada povo conforme o seu desenvolvimento histórico, social e cultural. Nós estamos em pleno século XXI vivendo como há 1000 anos atras. Um paradoxo onde o tempo histórico e económico não coincidem. Mas o tempo político e social também não. É uma chatice

É nesta inversão de tudo - e não apenas de valores - que as “democracias” africanas, estão inquinadas à partida, nunca servirão para muito. Se acreditarmos em René Dumont que em 1962 - sem conhecer, portanto, todas as desgraças dos últimos quarenta anos, todos os males que viriam se abater sobre a Africa – já nos dizia que a “L`Afrique est mal partie”, por isso não vai a lado nenhum (com todo o escândalo e incompreensão que provocou com a sua obra nessa altura), hoje posso dizer com toda a tranquilidade que “A democracia Africana começou mal” ou em língua de ricos “La democratie Africaine est mal partie”.

Mas esta constatação advém da simplicidade de compreender que podemos ter os “instrumentos democráticos” feitos de “partidos políticos”, “eleições periódicas”, “assembleias nacionais eleitas” (cheinhas de analfabetos, tribalistas, fundamentalistas, etc.), “Governos” (que apenas desgovernam) etc., e copiar tudo que se faz nos países democráticos, mas ela pode não ter nenhum resultado positivo; nem para o povo que em última instância é o “beneficiário” (nos “projectos de desenvolvimento” temos sempre os grupos alvos, os beneficiários indirectos, os finais, etc., e outras balelas), nem para as elites e partidos políticos (grupos alvos) nem para os promotores (os financiadores e as ONGs estrangeiras).

Aclarando o raciocínio sobre isto uso um exemplo de alguém, sobre outro assunto, que se aplica a este também. É mais ou menos o seguinte: podemos reunir um conjunto de pessoas que nunca foram a uma igreja católica, e sem serem católicos sequer, num edifício qualquer, ensinar-lhes a cantar hinos religiosos; pôr-lhes nas mãos um missal onde acompanharão o serviço religioso católico, vestir um deles de trajes de sacerdote, e ensinar-lhes como representar uma missa durante quarenta e cinco minutos. Eles até podem ser muçulmanos, budistas ou agnósticos, mas bem ensinados, podem realizar essa cerimónia na perfeição. Como num filme com actores profissionais.

E se nesse momento, um católico inocente, ao ouvir os hinos, entrasse nessa Igreja e assiste-se a essa encenação, a essa missa fingida, iria acreditar que os presentes eram todos católicos, e que estava realmente numa igreja católica, com um padre verdadeiro; pois tudo que ele conhecia da sua religião estava presente: a liturgia, os cânticos, as bênçãos e oferendas. Mas no fundo é uma impostura, pois é uma representação...

São assim as democracias africanas, uma representação, uma impostura imposta, feita de liturgias europeias, mas que nunca terão o resultado delas. Portanto nunca servirão para serem mais do que encenação. Tem que se entender de uma vez para sempre que a Democracia não é um fim em si. A Democracia é apenas um instrumento para levar ao poder os melhores para que estes governem melhor e criem riquezas para o povo. A democracia é para por os competentes a frente dos incompetentes. A democracia é para melhorar a vida do povo. Este é que é o objectivo final, o “fim em si”.

IV
Se vou a uma tabanca ou vila qualquer e ofereço ao chefe da mesma zinco para cobrir casa dele, bicicleta para passear, arroz (ou um produto alimentar similar, dependendo do país Africano), e lhe peço para dizer aos seus “súbditos” para votarem em mim, sabendo de antemão que essas pessoas não têm capacidade de analisar o meu programa politico (por culpa dos sucessivos governos corruptos e incompetentes que tiveram no passado) e nem de recusar as ordens do chefe da tabanca, onde esta a liberdade e justeza de tais eleições?
Se vou a um bairro onde vivem muçulmanos e peço-lhes para votarem em mim porque sou também muçulmano, sabendo de antemão que vão aceitar (aconselhados ou não por seus chefes religiosos), onde está a Democracia?

E se sou de uma determinada tribo? E peço aos dessa tribo que votem em mim? E geralmente sabemos que é o que sucede em toda a parte desta Africa imensa, onde está a Democracia?
Os europeus e americanos não percebem isto? Não percebem que aplicar em África receitas e uma forma de democracia similar à aquela que é aplicada ao povo inglês, é um contra-senso, para não dizer um disparate?

Os americanos e europeus, na sua relativa cegueira, pensam que estão espalhando a democracia - como a conhecem - pelo mundo; e para eles, a prova desse sucesso extraordinário, de transformar povos que sempre viveram em atrasadas realidade tribais, em repentinos democratas, amantes da bondade da democracia e das suas infinitas possibilidades para trazer o progresso as suas vidas, são as “eleições” atrás de “eleições” que exigem, promovem, financiam e por fim “observam” (um eufemismo para fiscalizar); e como acreditam piamente nessa ilusão - que aliás apressam a definir sempre como “livres e justas”, em qualquer país de África em que se realizem -, depois não percebem os acontecimentos que depois contrariam esse seu diagnóstico.

Mas tudo tem a sua utilidade, pois servem para lavar as mãos das consequências futuras, como as de Costa do Marfim, do Darfur ou no genocídio do Rwanda. Assim as consciências ocidentais estão sempre tranquilas. Afinal implantaram a democracia, o instrumento supremo para o desenvolvimento, harmonia e boa governação, o resto deixa de ser de responsabilidade comum, num mundo cada vez mais comum.

V
Um homem Um voto. Há coisa mais bela que isto? Mais Ateniense que isto? Péricles (que foi o maior de todas os estadistas de todos os tempos) devia ressuscitar para ser observador da O.C.D.C. em todas as eleições ao Sul do Saara, e pelo caminho realizar uns seminários - tão em moda hoje em Africa desde que os Ocidentais entenderam que o caminho para o desenvolvimento passa por eles. Os Guineenses, esses cépticos, agora perguntam “se é pago ou não” e agem em conformidade; se não é, mandam “passear” o seminário. Sabem, por experiencia própria, que na sua maioria só servem, realmente, para justificar o salário de quem o dá e de quem o promove - para ensinar aos nosso felizes eleitos analfabetos, como fazer uma democracia ideal, em que houvesse equilíbrio entre os interesses do Estado e dos cidadãos.

Ensinar aos eleitos analfabetos como se desenvolve uma economia, como se faz a gestão normal da coisa pública e como se come a mesa quando vão a encontros internacionais e balelas do género. Talvez num dos módulos do seminário nos dissesse que as eleições por si só não garantem a democracia. E muitas vezes só servem para levar ao poder analfabetos, fundamentalistas, tribalistas de toda a ordem que não estão de modo nenhum interessados na criação de um Estado democrático, mas sim de teocracias, tribocracias e ditaduras mascaradas com eleições periódicas.

Um homem Um voto: os analfabetos geralmente votam em analfabetos. Um analfabeto raramente se identifica com um licenciado, identifica-se com um igual a ele. Membro de uma tribo raramente vota no de outra tribo…

“Um homem Um voto” deveria ser precedido de “Um Homem um Cidadão”, “Um homem um Alfabetizado”, “Um homem uma Dignidade”, “Um Homem uma Habitação”, “um Homem um Hospital”, “um Homem um Dever”, “um Homem um Direito”… e por ai fora, até a “Um Homem não um Miserável”. Mas ensina-se o rosário ao vigário?

VI
Onde estão essas eleições “livres e justas” nos países árabes agora? Ali havia sempre eleições livres e justas que os presidentes ganhavam com 90% dos votos sufragados… afinal era tudo mentira? Afinal anos e anos de democracia eram apenas para o “Inglês ver”? Qual Inglês… Francês, Americano, Espanhol… e fiquem vendo enquanto o mundo está a mudar nos nossos e vossos olhos, consequências de uma mistificação planetária: As eleições em dezenas de países do dito terceiro mundo, nunca foram justas, nem livres. Ouso mesmo dizer que “jamais” foram nem livres nem justas.

“Que trama emaranhada nós tecemos, quando a nossa actividade principal é mentir” (Sir Walter Scott dixit). Acredito que em breve possivelmente toda África Negra acompanhará este terramoto que agora atravessa os países árabes; do que dela resultará finalmente, ninguém saberá, mas espero que o tribalismo - como movimento político, como reaccionarismo social, como a ultima barreira entre o povo africano e a liberdade, modernidade e progresso - seja varrido da face da terra. E que descanse em paz, finalmente no seu lugar, o caixote de lixo da História.

As últimas eleições que assisti na Guiné tiveram uma abstenção de quase 50%, isso diz alguma coisa a alguém? Cansaço do povo? Farto de um sistema que nunca lhe trouxe nada de bom, nem um bocadinho de paz numa vida inteira de atribulações, fome, guerra, suor e sangue, sangue e suor numa existência miserável que não merece, não pediu, não quer mas da qual nunca pode sair por culpa desses políticos que são eleitos apenas para o massacrar e roubar?
Já agora a votação devia ser paga. Cada votante devia receber algo em troca do seu voto em qualquer eleição; pois como nos seminários, só assim ganhará algo real com essa eleição… e quanto ao “ganho real” não estou brincando…estou aqui sentado com uma cara muito séria.

Algo não esta bem no sistema. Algo vai mal no Reino da Dinamarca. O Rei vai nu… Por isso escrevo hoje cada vez mais, pois da literatura também se faz a cultura de um povo, a história de um povo, a mudança e o sentimento de pertença de um povo. E desta forma dar povo um profundo credo em si mesmo, uma sensação de participação politica superior, mais profunda, do que uma simples ida as urnas.

No fundo trata-se de dar um objectivo claro e perceptível ao povo. Só com este sentimento é possível fazer o impossível, realizar o impossível através do povo, de forma que não espere realizações vindas de cima, mas as que partem de baixo, que surgem dentro de si próprio. Pois Governo algum, em tempo nenhum, por mais competente que seja, jamais poderá realizar a “parte” do povo na construção nacional. Pois o poder estabelecido não é o Presidente ou o Primeiro-ministro, é o que eles representam, e o que lhes deixa ou não governar, o Povo.

Por: Fernando Teixeira
Bissau, Centro Cultural, 25 de Abril do ano do desastre de 2013

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Hoje queria perguntar aos políticos de Cabo-Verde:

Marcos Galina Correia

Que país da costa ocidental consegue “armazenar” e encaminhar, mais droga que Cabo-Verde, desde sempre e com tendência para piorar?
Que cidadão da CEDAO desempenhou um papel mais relevante na logística dos cartéis de droga do que o “VERISSÍMO PINTO” que tinha edifícios exclusivamente destinados a receber e armazenar droga na capital cabo-verdiana, e bancos a seu dispor para "lavagem" de dinheiro (pelo que se disse)? 

Para quem não sabe o “Veríssimo Pinto” era presidente da bolsa de valores de Cabo-Verde (BVC) na altura da sua detenção! O que disseram os advogados do “Veríssimo Pinto” na altura? Passo a reproduzir algumas ameaças: 

1. Advogados de Veríssimo Pinto ameaçam divulgar dados que comprometem ALTAS ENTIDADES PÚBLICAS (eu entendo altas figuras do estado e da república).

2. Advogado de ex-presidente da Bolsa ameaça divulgar peças processuais do caso "Lancha Voadora"

3. “…os advogados reagiam à notícia publicada sexta-feira pela agência Inforpress, que sustenta que o presidente do Banco Africano de Investimentos - Cabo Verde (BAI/CV) e outros dirigentes daquele banco de capitais angolanos estão suspensos, devido a alegado envolvimento em "lavagem de dinheiro"…”

4. Operação Lancha Voadora: Veríssimo Pinto conta ao "A Nação" a sua versão do caso e diz-se ansioso pelo julgamento.

Porque razão os políticos de Cabo-Verde não colaboraram com a DEA na altura, nem facilitaram a captura de “Veríssimo Pinto” em alto mar? Sabem os políticos de Cabo-Verde que se o governo da Guiné-Bissau assim o entender terão O MAIOR PROBLEMA DIPLOMÁTICO QUE ALGUMA VEZ CABO-VERDE CONHECEU, pelo facto de Bubo na Tchuto ter lá entrado, e ter sido permitida a sua extradição para os EUA? 

Sabem os políticos de cabo-verde que a defesa de Bubo na Tchuto vai assentar a sua estratégia de defesa no “facto” deste NÃO TER SIDO CAPTURADO EM AGUAS INTERNACIONAIS, o que quer dizer que é a melhor hipótese de defesa e o facto mais seguro e relevante na óptica da defesa, logo mais um problema para Cabo-Verde que terá que se explicar: Que papel(eis) desempenhou e com que suporte jurídico para tal?

Porque fizeram questão de esquecer que Bubo na Tchuto é um combatente de liberdade da pátria cabo-verdiana, por muito que isso lhes custe? Vale mais um presidente de bolsa que um combatente na óptica dos políticos Cabo-Verdianos?
Por que RAZÃO TUDO SE TRANSFIGURA QUANDO HÁ UM GUINEENSE OU O NOME DA GUINÉ-BISSAU ENVOLVIDO?

NADA DISTO É INÉDITO, NEM EXCLUSIVO DA GUINÉ, ACONTECE TODOS OS DIAS EM CABO-VERDE, E NA GUINÉ-KONACRY POR EXEMPLO, MAS NUNCA SE OUVE UM ÚNICA VOZ MENCIONAR ESTES PAÍSES.
Veríssimo Pinto

Ordidjanotando

Por estas e por outras é que costumo dizer que – se houver uma próxima vez, cada um vai ter que lutar na sua própria terra para ter a sua Independência.  Porque todos sabemos que o saldo da Guerra de Libertação, dos dois países, até agora está sendo pago apenas pela Guiné-Bissau. Recordo de uma entrevista com Carlos Veiga no aeroporto de Bissau, em 2010, na altura ele candidato as legislativas cabo-verdianas. Coloquei-o a questão relacionada com os antigos Combatentes guineenses, e se Cabo-Verde tendo em conta o seu sucesso, poderia assumir parte do pagamento das pensões dos órfãos, viúvas(o), deficientes, estropiados e mutilados de guerra. 

Recordo-me que na altura, o candidato Veiga, respondeu que era uma questão que devia ser discutido entre os Estados e que ele estaria sempre disposto para abordar esta questão tendo em conta o valor inestimável e impagável do papel dos antigos combatentes. 

O próprio Veiga na altura disse dias depois, numa coletiva com os jornalistas isto (Lusa): Veiga incitou o Governo à criação de um fundo de pensões para os antigos combatentes e ressalvou que ‘Cabo Verde tem o dever moral de participar neste encontro, porque parte destes combatentes lutaram também pela independência do país’”.

E mais, não digo!!!

quarta-feira, 17 de abril de 2013

Governo brasileiro pode sofrer sanções internacionais pela morte de estudante africano

Malogrado Toni Bernardo(estudante guineense)

Por:  Marcio Camilo
FONTE: Popular (Centro-Oeste)


A Comissão de Direitos Humanos da OEA acatou a denúncia contra Polícia Militar de Mato Grosso que é acusada de violações dos Direitos Humanos
A Organização dos Estados Americanos (OEA) acatou a denúncia de assassinato do estudante africano Toni Bernardo, morto em setembro de 2011 numa pizzaria de Cuiabá depois de ser espancado por policiais militares e um empresário.  Com a entrada da OEA no caso, o governo brasileiro poderá sofrer sérias sanções internacionais, já que é signatário da Carta elaborada pelo órgão internacional.

A denúncia feita pela UNEGRO de Brasília pode reabrir o caso que foi arquivado pela Polícia Militar de Mato Grosso que inocentou da acusação de morte os polícias Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira. Mais do que isso, a entrada da OEA no mérito reacende o caso e pode resultar em sérias sanções internacionais ao Brasil.

Quem explica a situação é um dos coordenadores da Unegro de Brasília, João Negrão. Ele detalha que a OEA considerou o caso. Sendo assim, o órgão fará um estudo que pode resultar na abertura de um processo contra o governo brasileiro. No estudo serão colhidas provas sobre a morte de Toni. O Estado de Mato Grosso e o Governo Brasileiro terão que se pronunciar sobre o caso. “Se o processo for aberto e resultar em condenação. O Governo de Mato Grosso será pressionado a reabrir o processo e a corrigir as falhas do caso sobre a morte de Toni”, explicou Negrão.

A OEA é uma organização da América-Latina voltada para as questões dos Direitos Humanos. O órgão é como se fosse uma espécie de ‘ONU americana’. Negrão ressalta ainda que é uma “grande vitória” o fato da OEA estudar o caso de Toni, já que o órgão apura milhares de situações de abusos aos Direitos Humanos na América Latina.
A coordenadora geral da Unegro do Distrito Federal, Santa Alves, já começou o trabalho no sentido de coletar documentos sobre o caso de Toni. “Desde já estamos solicitando às entidades de Mato Grosso para que nos repassem publicações e documentos tanto do Caso Toni, como o dos argentinos e de outras agressões da PM mato-grossense, como o ocorrido contra estudantes da UFMT recentemente”, destacou.

Mesmo imobilizado, Toni foi espancado pelos policiais e por um empresário. Ele morreu por asfixia, depois de ter levado um chute na traquéia. O motivo do espancamento foi porque Toni incomodou o empresário e a sua namorada ao pedir esmola. Dessa forma, o empresário se irritou e 'partiu para cima' do estudante africano. Os policiais que ajudaram a imobilizar Toni estavam a paisana e passavam pela região quando o tumulto começou.    

Confira abaixo a denúncia à OEA:

Brasília (DF), 05 de junho de 2012. 

À Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA)

NESTA
As entidades dos movimentos sociais e sindical do Distrito Federal e de Mato Grosso, infra-assinadas, por meio desta, denunciam o governo do Mato Grosso junto a esta Comissão dos Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), pelos motivos que seguem: 

1 - A decisão do Comando Geral da Polícia Militar do Estado de Mato Grosso de inocentar, em inquérito administrativo, os policiais Higor Marcell Mendes Montenegro e Wesley Fagundes Pereira, da acusação de participação na morte do estudante africano Toni Bernardo da Silva, natural de Guiné-Bissau, que cursava Economia na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Ele morreu em setembro de 2011, espancado pelos referidos policiais e mais um empresário em uma pizzaria no bairro Boa Esperança, em Cuiabá, capital do Estado. Entre os vários ferimentos causados por socos e pontapés, ele teve a traqueia rompida e morreu por asfixia. 

2 – A posição da PM de Mato Grosso e, por extensão, do governo do Estado, gera a impunidade que estimula outros atos de violência policial, como o verificado recentemente contra dois turistas argentinos que foram violentamente espancados por dois policiais militares a paisana dentro de uma casa noturna na capital mato-grossense.

3 - Estes episódios, por envolverem estrangeiros, ganharam notoriedade, mas sabe-se que diariamente cidadãos mato-grossenses têm sido vítimas de uma polícia truculenta e despreparada. Esses crimes, que vão de prisões arbitrárias, forja de provas com “plantações”, a torturas e assassinatos, permanecem impunes devido ao corporativismo nefasto, como o manifestado no resultado do inquérito administrativo da PM, e pelo poder ameaçador e intimidador dos policiais e seus comandados. 

4 - Por esta razão, entendemos que, com a decisão, o governo do Estado de Mato Grosso não apenas inocenta os policiais, como abona atitudes, estimula a impunidade e passa a ser flagrantemente cúmplice com os crimes que seus policiais cometem cotidianamente.

5 - A absolvição administrativa dos dois policiais pelo comando da Polícia Militar soma-se a outras decisões estimuladoras da violência policial tomadas pelo Ministério Público e pela Justiça de Mato Grosso que tendem a tornar impune o assassinato do Toni ou ao menos amenizar ao máximo a condenação dos acusados. Muito embora o inquérito da Polícia Civil tenha concluído que houvera assassinato, acabou sendo tipificado como lesão corporal seguida de morte pelo Ministério Público Estadual. Num primeiro momento a Justiça local não acatou tal encaminhamento, considerando que Toni Bernardo fora, sim, vítima de assassinato. Mas a própria Justiça reviu a decisão, acatando a versão de lesão corporal seguida de morte.

6 - Diante de tais decisões, os acusados estão respondendo o inquérito em liberdade e não serão levados a júri popular. No caso dos policiais, os mesmos já voltaram trabalhar nas ruas de Cuiabá, atuando na “segurança da população”. Por isto indagamos: que tipo de segurança agentes públicos garantirão à população diante da concessão por seus comandados e com a conivência do governo de Mato Grosso estão isentos para espancar e matar cidadãos?

Diante do exposto, solicitamos que os organismos acompanhem de perto e assiduamente o caso, cobrando do governo de Mato Grosso explicações e exigindo a revisão do inquérito administrativo da Polícia Militar, que fatalmente irá influenciar no julgamento a favor dos acusados.

Solicitamos ainda que diante de uma eventual recusa do governo de Mato Grosso de reparar a atitude no mínimo vergonhosa de sua Polícia Militar, analisem a possibilidade de condenação por conivência e cumplicidade com as agressões aos Direitos Humanos.

Assinamos:
 - União dos Negros pela Igualdade do Distrito Federal (Unegro-DF)
- Grupo Tortura Nunca Mais
- União Brasileira de Mulheres (UBM)
- Movimento Negro Unificado (MNU)
- Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB) do Distrito Federal
- União dos Negros pela Igualdade de Mato Grosso (Unegro-MT)
- Grupo de União e Consciência Negra de Mato Grosso
- Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial de Mato Grosso (Cojira-MT)
- Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Distrito Federal (Cojira-DF)
- União dos Negros pela Igualdade de Sergipe (Unegro-SE)
- Instituto de Mulheres Negras (Imune)
- Movimento de Inteligência Negra (MIN)
- Centro Nacional de Cidadania Negra
- Federação de Umbanda e Candomblé de Mato Grosso
- Associação Mato-grossense dos Portadores de Anemia Falciforme
- Federação das Associações Quilombolas de Mato Grosso
- Instituto de Formação, Estudo e Pesquisa de Mato Grosso
- Centro de Organização e Defesa da Criança e Adolescente
- Instituto das Tradições de Cultura Afro-brasileira
- Instituto Afro Barra do Bugres (MT)
- Associação dos Filhos e Amigos de Vila Bela da Santíssima Trindade (MT)
- Centro de Educação e Cultura Popular de Taguatinga
- União dos Negros pela Igualdade de Pernambuco (Unegro-PE)
- Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar em Estabelecimentos de Ensino do Distrito Federal
Autor do Blog no 4º Congresso da UNEGRO

Ordidjanotando

Nô bai, dianti ki kaminnhu...A Luta continua!

CONVITE


OS FUNDADORES DO CRIOULO OU AMI KI BU MAMÉ …

Fernando Teixeira

Anteontem foi realizado o último debate sobre o futuro do Crioulo nesta semana que amanhã termina, denominada de a Primeira Semana da CRIOLOFONIA /Purmeru Sumana di kriolofunia. Hoje foi lançado o último livro desta semana em que se discute o Crioulo/Criol em todas as suas vertentes: O falado e o escrito, as suas diferenças e desenvolvimento. Os Crioulos com alguma identidade similar ao nosso como o caso do Crioulo de Cabo-Verde e o Papiamento do Coração. Os oitenta Crioulos existentes no mundo.

Os diferentes Crioulos dentro do nosso território nacional (Geba, Farim, Cacheu, Bissau, Bolama…). O nosso Crioulo mas que se fala fora do nosso território nacional como o de Ziguinchor, de Portugal (principalmente na periferia de Lisboa, casos de Damaia, Amadora, Vale de Amoreira) por exemplo, foram aventados como hipótese de estudo e seguimento pelas novas contribuições que vão incorporando ao léxico atual; uma realidade viva e dinâmica de milhares de falantes de crioulo que nasceram fora do território nacional (e nem a conhecem) mas é a sua língua materna e de comunicação.

O processo de desenvolvimento e expansão do Crioulo na nossa sociedade, dentro das tribos, nas tabankas distantes, no ensino e além-fronteiras. A metodologia do ensino e da investigação. A gramática crioula, a pedagogia, literatura crioula; a (hoje) importante vertente poética crioula (um dos pilares de sustentação da escrita crioula a nosso ver). As convenções existentes (a de 1987 e a de 1999). Os limites da oralidade e da escrita; B. Pinto Bull; Paulo Freire; Luigi Scantamburlo e outros, pioneiros da Criolofonia.

A necessidade histórica (?) de estabelecer um Crioulo padrão e a partir deste conhecer e combater os desvios. A necessidade de proteger o Crioulo das “contribuições” nefastas vindos dos falantes dos países limítrofes.

Resumindo, tudo, numa semana rica e que se recomenda, pois foram três debates específicos e profundos, baseados em estudos sérios e competentes intitulados “Génese e Formação do Crioulo”, “Como Normalizar o Crioulo”, “Ensino e Desenvolvimento em contexto Multilingue”;

Lançamento de quatro livros crioulos (Tanamu Fenhi na República de Kafumbam de João José “Huco” Monteiro,Polom Malgós & Finham, de Emílio Tavares Lima, e Mufunessa Padi Sabura de Adul Carrimo Só);

Exibição de quatro filmes em crioulo (Nha Fala de Flora Gomes, Clara de Sabura de José Lopes, Bissau D`Isabel de Sana Na`Hada);

Nada ficou de fora, num debate aberto a uma plateia interessada e habilitada. Tudo foi abordado mesmo que de forma muito sintética dada as circunstâncias. Semântica, linguagem, língua, estilo, gramatica, verbos, fonética, provérbios, ditos, linguagistas, linguista, poetas do Crioulo, romancistas de Crioulo, crioulíssimos entendimentos e crioulíssimos discordâncias, crioulíssimas propostas para a continuidade da língua e do evento.

Interessantes intervenções e contribuições de varias pessoas, simples leigos, falantes apenas do crioulo, mas que quiseram dar a sua contribuição, mesmo que simples, mesmo que apenas baseado no amor e preocupação que sentem com relação sua língua materna ou não; Tudo discutido com sabedoria, bom senso, cientificidade; até com alguma ingenuidade (porque não dize-lo?) de participantes fortuitos, mas que tudo somado, proporcionou um debate profícuo e interessante.

Todo esse calidoscópio de falas, filmes, livros, danças, teatro e muito mais, permitiram transformar este Abril no més do Crioulo. E o Centro Cultural Franco Bissau Guineense na Catedral Nacional do Crioulo e assim provar também que mesmo na mais escura noite é possível pensar e criar, se houver vontade.

II
A palavra de ordem foi valorizar o que é nosso, valorizar o crioulo e centra-lo no seu devido lugar no processo de desenvolvimento socioeconómico e cultural da nação. Esta mensagem com todas as suas implicações culturais, sociológicas, pedagógicas, linguísticas, nacionalistas (que sei eu?) foi-nos deixada por uma plêiade de investigadores, professores e técnicos que merecem o nosso respeito e carrinho pelo trabalho realizado e que vão realizando silenciosamente ao longo dos anos em prol do nosso Crioulo. São eles, por ordem alfabética: Adul Carrimo Só, Adriano Ferreira (Atchutchi), António Soares (Tony Tcheka), Conduto de Pina, Domingos Gomes, Adulai Sila, Emílio Tavares Lima, Flora Gomes, Guillaume Thieriot, Ibraimo Djaló, Incanha Ntumbo, Jorge Lopes Soares, João José “Huco” Monteiro, Miguel de Barros, Mário Conté (Maiuca) Nelson Medina, Odete Semedo, Zaida Lopes Pereira, …, …, ….
Não conheço todos, infelizmente, mas estes nomes que escrevi de certa forma exemplificam este desiderato. E mais não direi, mesmo que cada mereça, particularmente, um enaltecimento particular.

Deles não tecerei encómios e não produzirei elogios e para explicar esta minha conduta, sem licença, ouso usar as conhecidas palavras de Erasmo de Rotterdam“(...) De resto, esta minha conduta me parece muito mais modesta do que a que costuma ter a maior parte dos grandes e dos sábios do mundo. É que estes, calcando o pudor aos pés, subornam qualquer panegirista adulador, ou um poetastro tagarela, que, à custa do ouro, recita os seus elogios, que não passam, afinal, de uma rede de mentiras. E, enquanto o modestíssimo homem fica a escutá-lo, o adulador ostenta penas de pavão, levanta a crista, modula uma voz de timbre descarado comparando aos deuses o homenzinho de nada, apresentando-o como modelo absoluto de todas as virtudes, muito embora saiba estar ele muito longe disso, enfeitando com penas não suas a desprezível gralha, esforçando-se por alvejar as peles da Etiópia, e, finalmente, fazendo de uma mosca um elefante. (…)
  
Estas palavras me lembram a nossa pobre e actual realidade, mas que sei eu? Erasmo sim; na verdade ler Erasmo é como ir ao Ceu e voltar (se no Ceu não houver uma biblioteca onde se possa ler Erasmo e outros como ele, valerá a pena ir ao Ceu? Não estarei indo a missa todos os Domingos para nada? Não devia desejar a imortalidade aqui na Terra para ser feliz para sempre entre os homens); mas o Erasmo que me perdoe, pois abro uma excepção (em tudo tem que haver uma excepção, não é verdade?) para deste nobre conjunto de Guineenses ressaltar um em particular:

Sr. Guillaume Thieriot, pelo seu papel omnipresente em prol da Cultura Guineense nestes últimos anos. Nas artes plásticas, na música, cinema e agora em prol da nossa língua nacional de comunicação, o seu legado é enorme e será certamente lembrado por muitos bons anos. Uma pessoa que por acaso do destino reúne num só individuo culturas diferentes como o Francês, o Brasileiro, o Guineense e seguramente outros que não sei. Cosmopolita por excelência, conhecedor da realidade Guineense, falante do Crioulo, amante da cultura Guineense, proporcionou-nos a todos durante estes últimos tempos um verdadeiro reencontro com a nossa própria cultura. Dele pode-se dizer sem risco de errar que “se mais não fez, mais não pôde”. Mas que sou eu para falar dele? Que o digam os nossos músicos, cineastas, pintores, poetas, escritores, dançarinos, actores teatrais e de cinema, agradecidos, com que falo todos os dias nesse espaço de cultura Guineense, Francesa e Africana por excelência em que ele transformou o Centro Cultural Franco Bissau Guineense. Bem-haja este filho da nossa terra, conhecido entre nós por Gui de Bolama (Gui Di`Blama).

III
Como já disse o que tinha a dizer sobre aquilo que se passou, não poderia deixar de aproveitar a boleia (não é, Odete Semedo?) e dizer duas palavas em jeito de modesta contribuição para este “debate” da Crioulofonia que agora de novo se inicia, na esteira de outros, que no passado tiveram lugar mas não tiveram a continuidade infelizmente. A nossa contribuição não será seguramente sobre este debate de hoje que será conduzido no futuro por técnicos conhecedores da matéria, mas sobre a necessidade de um debate novo sobre os fundamentos socio culturais do crioulo na formação da nossa identidade nacional.

Um debate complementar a este ou não, mas que deve definir a responsabilidade politica da língua, o seu papel na formação identitária deste povo. Precisamos primeiro dizer que “aceitamos” e entendemos - mais com intuição do que com provas “cientificas” – que a língua crioula está e estará sempre em permanente desenvolvimento, num movimente perpetuo; e como outras línguas - que já “cresceram” e chegaram a idade adulta (e já pouco desenvolvem) - o crioulo só atingirá a maioridade quando esgotar todas as suas fontes (coisa quase impossível pois cada dia surgem mais) e riachos que desaguam no grande rio que será um dia o tal Crioulo padrão que procuramos. Pois o crioulo é ainda uma empresa comum; é criado todos os dias por todos nós, todas as tribos, todas as pessoas, num processo silencioso que ninguém consegue conhecer totalmente e muito menos controlar ou condicionar. Só atingirá a maturidade quando todas as línguas que lhe servem de base étnica e concorrem para a sua riqueza, esgotarem os aportes que podem trazer; e também a diáspora e territórios que interagem connosco na fala e utilização do crioulo. Cada dia surgem expressões novas que são incorporadas e raramente desaparecem outras tantas, pois o corpo da língua ainda é magro, ainda vai na adolescência.

Mas nosso entendimento sobre a problemática do Crioulo procura ser sobre outras dimensões que não estritamente “linguísticas” na sua variação multifacetada. Pois se hoje é aceite pacificamente ou não que a língua não faz parte da superstrutura da sociedade por vários factores que aqui não trataremos - basicamente porque ela permanece igual independentemente das mudanças sociais, revoluções, etc., operadas nas sociedades -, no nosso caso, no processo de formação da nação em que ainda estamos nos primórdios, ela é um elemento da superstrutura.

Se não vejamos rapidamente: A infra-estrutura, simplificadamente, é o regime económico da sociedade . A super-estrutura são as opiniões políticas, jurídicas, religiosas, artísticas, filosóficas da sociedade e, claro, as instituições políticas, jurídicas e outras que correspondem a esse regime económico. Portanto a língua teoricamente não depende de regimes políticos ou económicos, em qualquer regime ela é a mesma. O francês sempre foi basicamente o mesmo no feudalismo, na monarquia, durante a revolução e o império e hoje na república. Isso é que leva a conclusão anterior sobre a sua não pertença a super-estrutura.  Mas o crioulo diferentemente das línguas já estudadas, como disse, pertence a infra-estrutura enquanto formador e aglutinador de toda a nossa  super-estrutura:  as opiniões políticas, jurídicas, religiosas, artísticas, filosóficas da nossa sociedade em formação e , claro, as nossa instituições políticas, jurídicas e outras ainda em gestação ou embrionárias.

Esta minha asserção advém-me da certeza que tenho de que o Crioulo é a nossa própria cultura, e não apenas um veículo de disseminação desta. Vou buscar esta dimensão na simples mas profunda afirmação “nossa língua é nossa pátria” ou de outra forma, pranteada, na compreensão de que a “minha pátria é a minha língua”, dita por outros mais sages que nós. Entendendo assim que se a alma de um povo é a sua língua, a sua cultura (de que a língua é apenas parte) é o próprio povo em si.
Assim entendemos por fim, sem surpresas, mas com a simplicidade de uma certeza evidente que a Guinendade e o Crioulo são faces da mesma moeda, pois uma só existe na existência do outro. A Guinendade só pode existir em Crioulo e dentro de uma mundivisão crioula. De outra forma a palavra Guineense - sem o substrato cultural e social dado pela língua crioula - ainda é hoje, como há quatrocentos anos atrás, apenas um topónimo, se não de um lugar, mas de um indivíduo que nasceu num triângulo serpenteado por rios, algures na África Ocidental, chamado Guiné por decisão de um desconhecido… e esse individuo ainda anda a procura da sua identidade última…

IV
Entendemos que podemos ensinar o crioulo a toda a gente, estrangeiros inclusive (muitos falam o crioulo tão bem ou melhor que nós; e criam gramaticas de crioulo inclusive), para ser um instrumento de comunicação por excelência entre as diferentes tribos e para a sua utilização como instrumento de ensino. Mas o crioulo para nós é muito mais importante do que apenas isso; O “falar” crioulo pressupõe a priori o “pensar” crioulo, que diferente de pensar “em crioulo” assenta numa aculturação crioula, um sentir “crioulo” comum.  Sabendo que a língua nunca é passiva, nunca é apenas um instrumento de comunicação e interacção; cada povo é aquilo que é porque aa sua língua é àquela que usa. Mas a língua de cada povo é assim e não assado porque quem o fala é aquele povo e não o outro. Esta dinâmica é muito mais profunda do que estas minhas desajeitadas palavras. Por isso uso as de Mikhail Bakhtine:  “As normas linguísticas, a sistemática da língua são análogas às normas morais, jurídicas, estéticas no sentido de que estas normas não existem senão em função da consciência dos indivíduos que compartilham uma sociedade governada por elas. Língua não é um fenómeno inteiramente objectivo (como as leis físicas), nem inteiramente subjectivo (como as impressões digitais). A liberdade individual, na linguagem, depende sempre da razão constantemente cambiável entre a palavra interior (que é para ele um pensamento sempre consciente) e a palavra exterior. A sociedade investe constantemente o indivíduo por intermédio de signos e da linguagem.”  
Por isso já afirmamos várias vezes que não é – necessariamente - uma junção consanguínea de tribos que forma um povo; nem o facto de estas viverem lado a lado num mesmo território herdados de uma dominação anterior, seja qual ela tiver sido. Pois pode bem passar sem a consanguinidade, mas nunca sem a raiz do seu existir ou o que o faz ser “esse determinado povo” e não um bando de desgarrados de indivíduos. A cultura comum pode substituir a consanguinidade mas o contrário não é valido. Sangue não faz o povo, apenas a cultura, a língua… Um povo pode até perder o seu território ancestral numa guerra ou sendo expulso dela por invasores estrangeiros, mas se conseguir conservar a sua cultura e língua e nunca deixara de ser um povo, “esse povo”.

Baseado nestes e outros pressupostos, dizemos que bem ou mal, neste momento, temos um núcleo (falante do Crioulo) formado com o sangue, costumes e cultura de todas as etnias do país: é esse o nosso “primeiro círculo”; e a partir da qual podemos expandir a interacção cultural e outras que virão através desta. É esse núcleo (não existe outro) que servirá de base de interacção sanguínea das diferentes tribos do país, independentemente de como isso se processará ou não. E não tenham dúvidas quanto a isso, pois todos os povos atuais, europeus, asiáticos ou árabes, já foram um conjunto de diferentes tribos em algum momento da sua caminhada histórica; e cada um veio a tornar-se um povo a sua maneira; uns pela submissão e integração de outras tribos, outros pela simbiose e por outros processos de endogenia ou endogamia.
  
Se uma união entre um papel (que tem como a língua materna o dialecto papel) e um mandinga (que tem como a língua materna o dialecto mandinga) só é possível, através da língua crioula (que ambos dominam), então temos no Crioulo não apenas o veículo da interação social, mas o “sítio”, o lugar sociológico do encontro” que permite realizar a primeira integração de costumes, de amizade e de amor, que futuramente levará a aspetos mais profundos como a integração social, tribal, religiosa e sanguínea. O primeiro círculo, onde vivem, produzem, socializam e realizam-se como seres humanos todas aas diferentes etnias. Portanto o crioulo como elemento primordial da superstrutura da nação. Assim falaremos do primeiro núcleo de integração para a cultura comum.
Pois se cada elemento dessa união, atras referida, continua-se a viver na sua tabanca, no meio da sua tribo, isolado, não haveria a interação nem integração, nem a primeira pedra que suportará o edifício Nação que pretendemos construir.

Aceitamos que a família é o primeiro núcleo da sociedade; que toda a organização social começa por esta célula; mas não é apenas o simples facto de falarem a mesma língua, o Crioulo, que faz dois elementos de tribos diferentes do nosso país se unirem na formação de uma família. Mas não deixa de ser importante que depois da integração sanguínea os filhos nascidos dessas uniões são já Guineenses que diferentes dos seus pais, que são ainda membros e filhos das suas tribos de origem, que eles em boa verdade já não são membros de nenhuma tribo em particular; e as suas junções futuras, com membros de terceiras tribos, levarão paulatinamente a criação do homem guineense do futuro que como língua terá cada vez mais apenas o Crioulo; até ao dia que então teremos na língua crioula o nosso veículo da integração nacional no seu todo.

V
Num outro texto que não abordava este especifico tema, mas a problemática da formação de uma nação futura, afirmamos que “não nos interessa nem a identidade crioula nem a tribal. Apenas a Nacional, como síntese das outras duas que deveriam desaparecer gradualmente.”, tentando demostrar que existe uma identidade crioula e uma tribal que numa simbiose dariam lugar a identidade nacional, a identidade crioula. Este é outro tema, outro campo de batalha, mas está de certa maneira ligado a este, por isso dissemos anteriormente que a “Guinendade só pode existir em Crioulo e dentro de uma mundivisão crioula”.
Não podemos ter um país fruto ou consequência de unidade tribal aleatória de fulas com manjacos ou de papéis com beafadas ou mandingas com Felupes. Existe um núcleo civilizacional, um cimento nacional feito de habitantes de Bissau, Bolama, Bafatá, Cacheu, Geba e Gabu entre outros centros urbanos, que numa mistura tribal com a cultura criston/crioula são essa tribo urbana moderna que dirigirá os destinos do país.
  
Embora a nossa comum cultura nacional (civilização) começou em Cacheu e Geba e nós de Bissau sejamos apenas herdeiros naturais de Cacheu, Geba e Bolama, esse cimento é feito na sua maioria de elementos de outras tribos, que sanguineamente “pertencem” as suas tribos mas culturalmente pertencem a esta tribo comum dos Bissauenses que é a tal elite de coesão nacional, na qual se deve apoiar o projecto de ressurgimento nacional. Se isso for possível através de uma revolução fecunda que destrua todas as antigas bases psicológicas erradas e apodrecidas para criar uma nova, ainda melhor, se não for possível, então será paulatinamente numa evolução. Mas, de uma forma ou de outra, lá chegaremos.

Estes fundadores do Crioulo, oriundos de Geba, Bolama, Cacheu e Bissau esta nova raça de cidadãos orgulhosos de terem a sua língua e cultura comum, génese de mistura tribal, fortalecido pela fome e sede, guerra e paz, sofrimento e recusa de resignar, com o seu forte sentimento de pertença a sua terra e a essa nova identidade e unicidade. Esse “forte sentimento de pertença” vindo de um passado tribal, como todos os povos do mundo, gerou por sua vez a idiossincrasia e modo de ser do nosso povo, com a sua língua, as suas tradições, sua música, costumes e dogmas. Esta cultura crioula hoje é a cultura nacional. Essa nossa cultura que é património de todas as tribos que sempre habitaram este território; tribos que, cada qual a sua maneira, deram o seu contributo único para o seu surgimento e existência.

Portanto, foi na sua impaciente procura de identidade, que o nosso povo cria a língua de comunhão nacional; e os falantes do Crioulo tornam-se por obra e graça de uma osmose cultural “Crioulos”. Esses Crioulos que com os seus Gãs eram os fiéis depositários de um passado pouco glorificado no presente, pois é esse passado, dos nossos avós, os fundadores do Crioulo, fundadores da cultura nossa, que almejávamos.
Essa cultura comum de filhos de todas as tribos é que nos faz Guineenses e não Senegaleses, Gambianos ou Malianos. Na verdade a única verdadeira maneira de dar valor a nós mesmo é estabelecendo a nossa identidade nacional, baseado na língua crioula como há quatrocentos anos. Pois como já afirmamos varias vezes, não é necessariamente (apenas) uma junção consanguínea de tribos que forma um povo; nem o facto de estas viverem lado a lado num mesmo território herdados de uma dominação anterior, seja qual ela tiver sido. Pois pode bem passar sem a consanguinidade, mas nunca sem a raiz do seu existir ou o que o faz ser “esse determinado povo” e não um bando desgarrado de indivíduos.

Mas isso só valerá alguma coisa se o seu resultado for a valorização do homem Guineense como um todo, como um “conjunto de homens” unidos por um destino comum, que muitos teimam em não ver. E esta mudança só terá valor se proporcionar uma tomada de consciência nacional, que por sua vez vai originar uma mudança fundamental no conjunto do povo para deixarem de pensar como tribos, para passarem a pensar como povo.
Um povo que será herdeiro de um país que não é apenas mitológico, mas que existiu nos corações e almas da nossa gente. Por isso fala-se de Bolama de antigamente, do paraíso que era Geba, da civilização de Cacheu da Silva, dos filhos de Bissau Nandô, do Crioulo de Farim, da cultura de Geba das trinta e duas pontas do Rio Grande. Dos costumes antigos, da educação que havia, do respeito para com os mais velhos, dos bailes e saraus culturais, dos “gãs” etc., etc., e ainda hoje todos nós queremos ir a Bambaya dos nossos sonhos de infância…, para por fim, sermos felizes na nossa terra…

O MEU CÂNTICO

Agora ouçam o meu canto, canto que alguém me contou uma noite de estrelas luminosas, sentado no velho porto de Buba, onde a brisa da maresia nos acalentava. Sonhado com uma linda marginal que no futuro, rodearia toda a vila e vingaria a destruída de Bissau para ser a mais linda desta costa de Africa. Assim olhando, os pontinhos de luz no horizonte, tentando alcançar com os olhos a outra margem em frente, imaginado o passado, imaginado a vida nas trinta e tal “pontas” que já desapareceram, onde se bebia champanhe e comercializava-se com a Inglaterra em 1930 e tal… e uma velha que não se aquietava, que cada momento interrompia, os meus pensamentos e destruía as minhas divagações, susteve o meu braço e o poisou no podre madeirame e me sossegou para contar o que ouviu dos seus avós, de como tudo começou. Escuto a sua voz rouca e fico a saber como o Geba nasceu, como a cultura nasceu, como a Guinendade foi parida, ali; ali mesmo, a esquerda, lá onde vês essa luzinha tremulina… foi ali que a nossa cultura comum nasceu há centenas de anos, no dia em que uma mulher, habitante das margens do Rio Grande, pela primeira vez falou em Crioulo com o seu filho recém-nascido.

Nesse dia, sem saber porque, guiada apenas pelo coração e pela herança cultural de seus pais, pela primeira vez, não falou em nenhuma das línguas das tribos da nossa terra; também não falou na língua do colonizador; nem sequer falou no dialeto com que a sua mãe tinha falado com ela quando nascera; quando lhe disse que maior que ela, só o Rio Grande… nesse longínquo dia, ela decidiu falar com o seu pequenino filho nessa língua nova, que há pouco surgiu, durante a sua adolescência, e pouco a pouco se espalhara pelos campos e aldeias perdidas, levado pelas águas dos rios e vento das florestas profundas… e que ainda continha poucas palavras e nenhum verbo, mas que um dia viria a chamar-se, orgulhosamente, Crioulo…

Era num fim da tarde, nas margens do Rio Grande, enquanto o sol desaparecia no horizonte, mas sustendo-se um pouco mais, para ouvir essa mulher, a mãe do Crioulo, anunciar uma nova língua. Ela, de costas para o curioso astro, fitando as douradas águas do rio, pousou de mansinho os seus lábios no ouvido do menino e disse num murmúrio que nenhum ser vivo ouviu, só eles, a mãe e o filho: “ami ki bu mame… abô i nha fidjo”.

As águas douradas pararam por um instante o seu leve balancear, e os sons montaram na garupa das ondas e atravessaram todos os rios dos Rios da Guiné. Estas palavras, agora sagradas, levadas pelas águas, as vezes revoltas, as vezes plácidas, como só os nossos rios sabem ser, subiram todos os rios e desaguaram por fim, em todos os caminhos e praias da nossa terra. Por fim aportaram em praias arenosas, litorais escarpados, costas lamacentas. Subiram montes, desceram os vales, atravessaram profundos matos, galgaram os montes e vales, passaram por Varela e Bruce, Cassuma e Quinhamel, aportaram nas vilas e tabancas ao sabor dos ventos, na garupa de cavalos de caçadores, no cajado dos pastores, na boca dos djidius, missionários e aladjes… por fim subiram ao porão dos navios negreiros, e nos corpos nus riscados pelo chicote, nas feridas gangrenados dos nossos avós, atravessaram o Atlântico passaram pelas ilhas de Cabo Verde e rumaram para outros mares do mar Atlântico e chegaram as Caraíbas, a ilha de Cuba e a América… e nesses confins do mundo, o sangue do nosso povo correu livre nas veias de outros povos...

Assim nasceu a cultura Guineense, a Guinendade, da boca dessa mulher, e cresceu no peito desse menino, filho dessa a mulher, que primeira falou Crioulo no ouvido do seu filho. Dessa frase, dessa decisão, nasceu a nossa cultura comum.
Com esta frase nasceu, pois o menino já não apreendeu outra língua que não seja esta, e anos depois, feito homem, nas margens de outro rio, na mesma terra, viria a dizer ao seu filho na mesma língua que tinha ouvido ao nascer, que ele era guineense porque os guineenses são os que nascem nos Rios da Guiné… são os que falam o Crioulo dos Rios da Guiné… que são como ele, quem, tirando o Corrubal e o Geba, o Ceu e as estrelas, o Povo e a sua língua, nada era maior… nada; nada; nada…

Por: Fernando Teixeira
Bissau, 8-16 de Abril, Semana da Crioulofonia/Purmeru Sumana di kriolofunia