Chinua Achebe
Morre
Chinua Achebe, avô da literatura africana
Fonte: G1
Escritor
de 82 anos é autor de "O Mundo se Despedaça", traduzido para 50
idiomas e com mais de 50 milhões de cópias vendidas. O
romancista e poeta nigeriano Chinua Achebe, amplamente visto como um avô de
literatura africana moderna, morreu aos 82 anos de idade.
Desde
a publicação de seu primeiro romance "O Mundo se Despedaça", 50 anos
atrás, Achebe formou um entendimento da África pela perspectiva africana muito
mais do que qualquer outro autor.
Como
romancista, poeta e locutor, Achebe foi um parâmetro contra o qual gerações de
escritores africanos foram comparadas. Para as crianças de todo o continente,
seus livros foram por décadas um abrir de olhos para o poder da literatura.
Descrevendo
Achebe como "um colosso da literatura africana", o presidente da
África do Sul, Jacob Zuma, lamentou sua morte. Nelson
Mandela, que leu livros de Achebe enquanto estava preso durante o regime de
segregação racial sul-africano, o classificou de um escritor "em cuja
companhia os muros da prisão desmoronavam".
"O
Mundo se Despedaça", publicado em 1958, fala do combate fatal entre sua
etnia Igbo e colonizadores britânicos nos anos 1800. Foi a primeira vez que a
história da colonização europeia no continente foi contada de um ponto de vista
africano para uma audiência internacional. O livro foi traduzido para 50
idiomas e teve mais de 10 milhões de cópias vendidas em todo o mundo.
Mais
tarde, Achebe voltou sua atenção para a devastação levada à Nigéria e à África
por golpes militares e ditaduras. "Anthills of the Savannah"
("Formigueiros da Savana", em tradução livre), publicado em 1987, se
passa após um golpe num país africano fictício, onde o poder foi corrompido e a
brutalidade do Estado silencia a todos, exceto os mais corajosos.
A
dor pela morte de Achebe foi sentida em toda a Nigéria, mas especialmente em
sua terra natal, no sul do país, lar dos Igbos. "Toda nossa família está
chorando de luto", disse o primo do escritor e um chefe tradicional da
etnia, Uba Onubon, à Reuters no vilarejo de Ikenga.
Chinua
Achebe 1930-2013: o escritor que tinha medo de ficar sem história
Fonte: Público
Um
dos pais da literatura africana moderna e autor do romance Quando Tudo
se Desmorona, morreu aos 82 anos.
“Receio
que esta triste notícia tenha sido confirmada”, declarou Mari Yamazaki,
porta-voz das edições Penguin em Londres, num email enviado à France Presse,
que não dá mais informações sobre o sucedido. Segundo os media nigerianos, o
escritor morreu nos EUA, num hospital de Boston (Massachusetts).
Chinua
Achebe levou para os seus livros as 500 falas do seu país e com elas contou o
colonialismo europeu como nunca antes fora contado. Morreu aos 82 anos, sem
Nobel, mas com seguidores que continua a pôr a Nigéria em destaque na geografia
da literatura.
Escreveu
em inglês, mas com uma babel na cabeça. A das palavras que se dizem na
transmissão oral das coisas num país de 250 etnias e onde se falam 500 línguas.
Ele era o sábio passador de experiências, o que dá nome às coisas e ao mesmo
tempo é capaz de as traduzir para prosa, construindo narrativas sobre uma
identidade em mudança e dando a cada leitor a ilusão de estar entre os que se
sentam à volta da tal grande árvore a ouvir o sábio. A carreira literária e ficcional
deste homem natural de Ojidi, sudeste da Nigéria, onde nasceu em 1930 tem como
base um contágio civilizacional onde é difícil falar de inocentes – sempre foi
um crítico de corruptos e de quem se deixava corromper – mas onde o Ocidente e
a literatura que a Europa ia produzindo sobre África ao longo do século XX não
saem bem na fotografia.
Quando
se fala de Chinua Achebe fala-se de um dos mais lúcidos narradores do
colonialismo europeu em África e, depois da descolonização, um homem pouco
desejado não apenas durante a Guerra Civil, como pelo regime ditatorial que se
seguiu e que colou a Nigéria a uma das mais trágicas nações africanas da
História recente.
Exilado,
primeiro em Inglaterra e mais tarde nos EUA, continuou a escrever e a falar
sobre a corrupção e a violência no continente africano. Chinua Achebe, o
escritor que gostava de Yeats e de T. S. Eliot e que morreu em Boston, não se
limitava a contemplar a paisagem à sobra da tal árvore. Foi o intermediário
dessa paisagem em transformação, inaugurando um estilo que haveria de ser
seguido por muitos autores africanos que, como ele, ou a partir dele, foram
capazes de fazer a síntese entre um continente oral que tenta sobreviver com
mais ou menos prejuízo da sua identidade, e um mundo comandado pela palavra
escrita. Era assim em 1958, ano da sua estreia literária.
Antes,
desde o início, foram as histórias contadas em casa. Não lidas, mas ditadas
pela memória. E quando pensava em histórias era assim que as via. Sons com um
sentido quase mítico como nos livros que haveria de escrever mais tarde, depois
do inglês se ter sobreposto na sua vida às falas do seu país. O pai,
evangélico, era professor de religião, e a mãe corria a provincia de Igbo
– onde Chinua cresceu e que foi o centro da sua literatura - a passar o
Evangelho. A conversão da família ao "Deus da Europa, uno" não foi
suficiente para matar a oralidade dos muitos deuses, esse plural divino que
marcou também a infância do escritor que, seduzido pelas histórias que ia
ouvindo, quis encontrar as suas histórias. O medo, o perigo, como ele dizia em
muitas entrevistas, era o de, no meio de tantas histórias, das histórias dos
outros, não ter a sua propria história. Algo que dizia não apenas a pensar no
indivíduo.
Terá
assim começado na escrita, a partir da necessidade de criar uma narrativa que,
para ele, era uma forma de ganhar e preservar identidade. No caso de Chinua
Achebe, fortemente marcada pelas origens. Por um continente e pela sua
pluralidade de vozes, tragédias e sonhos. Essa tradição, hoje seguida por
muitos nomes celebrados da literatura, foi iniciada com Things Fall
Apart– editado em Portugal com o titulo Quando o Mundo se Desmorona (Mercado
das Letras, 2008) – o primeiro dos cinco romances que escreveu e intercalou com
mais de uma dezena de livros de ensaio ou poesia, e que continua a ser uma das
mais vivas e inovadoras da actualidade, materializada em autores como Teju Cole
(de que a Quetzal vai editar o romance Open City) ou Chimamanda
Ngozi Adechie (autora de Meio Sol Amarelo e A Cor do
Hibisco). Nesse ano – 1958 – com esse romance e essa capacidade invulgar de
passar para a escrita a tradição da oralidade, pode dizer-se que se situa um
dos embriões da literatura moderna africana.
Pouco
conhecido em Portugal, apesar de ter cá publicados três dos seus cinco romances
– A Flecha e Deus, Edições 70, 1978 e Um Homem Popular,
Caminho 1987, além do primeiro Quando Tudo se Desmorona –
Achebe era considerado um dos mais influentes escritores de língua inglesa e os
seus livros uma referência para quem queria perceber a cultura centro-africana.
A tal ponto que o mundo literário não se espantaria se a Academia Sueca o
tivesse premiado com um Nobel. Sobre ele, Nadine Gordimer, sul-africana e Nobel
em 2001, destacou a capacidade invulgar de conjugar o riso e o horror. A
observação vinha no longo artigo que a edição on-line do
americano The New York Times dedicou à morte do escritor que
dizia que a escrita se assemelhava a uma luta, mas que acreditava que o
trabalho de quem escreve não se limita aos livros.