Huco Monteiro
Por: Huco Monteiro
É
quase uma da manha, a barulhenta Bissau e maioria das localidades do país
dormem. Até Bambu, a inevitável discoteca do DJ Mangui tem as luzes apagadas.
Noite de facas longas? Kim ku sibi! Ontem fomos às urnas e o bom povo
guineense fluiu em massa nas diferentes mesas capilarmente espalhadas pelo
território nacional. Bravo à organização. Os membros da mesa já estavam nos
locais pelas cinco da manhã e à votação começou às 7 em ponto. Não obstante
alguns problemas verificados, quais sejam cadernos eleitorais defeituosos e que
dificultam a detecção rápida do nome de um eleitor na lista, falta de boletins,
a impreparação politica técnica e cívica de alguns escrutinadores, globalmente,
assistimos, mais um exemplar e aceitável ato eleitoral.
Não
tenho cifras relativas à taxa de participação mas posso testemunhar uma
extraordinária afluência às urnas. O povo tinha vontade de dizer o seu
veredicto, numa transição em que em poucas ocasiões quisemos saber a sua
opinião, ele que é detentor da soberania e fonte legitimadora dos poderes. Nim
purmeru galu ka kanta ba inda, já havia pessoas a marcarem o seu lugar na
bicha: pega forma, suma na tempu di Armazém do povo. Queriam votar.
Estas foram as eleições mais testemunhadas, senão mais biciadas(tradução:vigiadas)
da história política deste país. Cerca
de seiscentos observadores estiveram presentes e quadrilharam todas as
assembleias de voto previstos pela CNE. Justamente, e pela primeira vez, o
escrutínio foi seguido por uma observação nacional, reforçando a
credibilidade dos resultados que vão sair desta importante consulta política.
Até aqui, as vozes foram unânimes em admitir que o processo decorreu num
ambiente de civismo. Não houve pressões, nem intimidações nem tentativas
ostensivas de fraude.
Pelas
17 horas, fiz uma ronda em alguns bairros. Mas elegi Pilum, Nghala e Antula
para assistir à contagem dos votos e publicação dos resultados afim de inferir
a tendência a nível nacional. Em 2008, eu tinha feito a mesma coisa e pelas 11
da noite estava eu a prognosticar/anunciar uma maioria "qualificada"
do PAIGC no novo parlamento. Houve muito descontentamento. Só a CNE é, e está
mandatáda a proclamar os resultados. Mas assim foi, através das diferentes atas publicadas nos "pé di mango" ou outros murais improvisados
junto das assembleias de voto. Prognóstico, com base em resultados parcialmente
obtidos. Hoje, já não ouso fazer isso, dado às minhas novas funções na CEDEAO.
Por isso limito-me a estas crônicas, através do meu telemóvel. I ka vontadi ku faltam de me dar a este exercício que anos a fio ensino na minha universidade, no âmbito da cadeira das políticas públicas. Porém os ensinamentos são os mesmos. Pilum e Missira configuram as tendências que vamos encontrar em Oio, Cacheu, Bafata e Gabu, as maiores regiões eleitorais da Guiné, após Bissau. Em Antula consigo deslumbrar a correlação de forças entre os dois maiores partidos do espectro político eleitoral.
1. Uma expressiva participação dos leitores
2. Notável afluência das mulheres e dos jovens
3. O voto muçulmano foi influenciado pelo Congresso de Cacheu
4. O voto de Pilum informa/prediz a configuração de Bafata e Gabu
5. Haverá uma acentuada bipolarização no parlamento, em detrimento da representação
de pequenas formações
6. Paradoxalmente, o partido vencedor vai dispor de uma maioria que lhe permita
dominar o parlamento (E asfixiar o jogo democrático e o princípio do contraditório?
Renunciar a consultas e a entendimentos? Repetir a gestão autista e por vezes
autoritária? Tenho esperança que não. Somos uma pátria siti ku liti.)
E
agora, o que vai acontecer amanhã. Nim muru nin djambakus ka sibi. Noite de
facas longas. Kada Kim na findji durmi. Kilis ku durmi iabri um udju. O
problema da Guiné é o pós-eleições. Os guineenses só aceitam resultados quando
estes vão ao seu favor. Nem todos. O meu primo Nando Vaz já reconheceu que não
fez bons resultados e declarou, ter telefonado àquele que ele pensa que vai
ganhar. Gesto nobre e meritório de menção da parte daquele que foi certamente o
mais criticado entre os líderes da transição. E os outros? Agora são duas da
manhã. A noite êxito longa. Vou também dormir mas deixando um olho e os ouvidos no portão a
escutar coisas de kuíus que espantam padidas, aliás guineenses. Paransa Deus
sol mansi. Paransa Deus Guiné bida pátria siti ku liti ku udju na futuro, suma
na sunhu di Cabral.
Caros irmãos, sejam indulgentes aos erros que notarem, pois é difícil escrever
textos longos num telemóvel.