Ricardo Rosa
Por: Ricardo Rosa
Passaram-se já mais de vinte anos desde que se iniciou o processo
democrático no nosso país. Foram realizadas cinco eleições legislativas entre
1994 e 2014. Há vinte anos que o cidadão eleitor vota de uma forma directa e
livre. A liberdade de ser ele e só ele a expressar o seu voto dá-lhe acesso a
um momento nobre no exercício do seu direito de cidadania, a confidencialidade
do voto. Só ele sabe em quem votar. Acção exclusivamente individual. A ele a
decisão.
Vinte anos, cinco eleições. Estas deveriam ser a nossa sexta eleição
legislativa. Um atraso de quatro anos devido às instabilidades que foram
ciclicamente assolando o país. Um atraso que prejudicou principalmente a evolução
socioeconomica da população guineense e não deixou as instituições da República
funcionarem no rigor e na qualidade dos serviços públicos prestados. Quatro
longos anos de atraso (misturados nos vinte da democracia) por falta de
entendimento entre a classe política, a classe castrense e a sociedade civil.
Verdadeiro «djunda djunda na baliza di
báss ... kada kim ku si rosson».
A responsabilidade dos que foram escolhidos pelo povo deve ser orientada
para o melhor servir que mandar. O melhor fazer que ter. “Servir ... fazendo” deve ser sempre o mote no
exercício desses poderes públicos especiais delegados. É disso que a população
precisa e, sobretudo, é disso que a população espera. Uma aprendizagem que para
nós, vai-nos conduzir a uma realidade em que a nossa maturidade política,
progressivamente, será medida pela qualidade dos serviços públicos colocados à
disposição dos cidadãos. Haveremos de lá chegar!
O sistema eleitoral instituído pela Lei Eleitoral nº 3/1998 de 23 de Abril,
alterada pela Lei Eleitoral nº 10/2013 de 25 de Setembro, para as eleições
legislativas, baseia-se no método D`Hondt, também conhecido como método da
média mais alta. Desde os primeiros resultados eleitorais de 1994 que o formato
adoptado na sua aplicação tem vindo a ser contestado por analistas políticos,
politólogos, sociólogos, cidadãos anónimos e, também pelos partidos políticos,
particularmente, com maior dispersão de votos. Isto pela forma como a
representatividade dessa expressão é observada na Assembleia Nacional Popular (ANP).
Por esta razão, e sem pôr em causa a opção do voto do cidadão, acreditando ter sido sempre fiel e, inequivocamente, expressando nas urnas a razão da sua
escolha, procurarei aqui apresentar ideias e quiçá soluções que poderão contribuir
para um bom entedimento da sociedade política sobre o enquadramento do sistema
eleitoral, uma vez que as partes não têm sabido interpretar as orientações do
cidadão eleitor, semeando instabilidade e desordem e, colhendo desconfiança e
vingança.
As eleições legislativas de 2014, quando analisados a olho nu, reflectem no seu todo, a vontade livre de cada um escolher
o candidato a deputado proposto pelos partidos políticos e, será proveitoso, esta
vontade ser entendida pelos eleitos tal e qual, sem subterfúgios. Coloquemos de
parte as diferenças e respeitemos a vontade expressa através do voto pelo
cidadão eleitor.
Haverá coerência? Quantos eleitores ficaram de fora? Será este método, aplicado como é, um factor de desestabilização social? Será que poderemos falar de
democracia representativa quando uma larga franja da sociedade não tem voz na
Assembleia? Será que a forma como o método é aplicado, tendo em consideração a nossa
realidade geopopulacional, não seria talvez
melhor para as futuras eleições Autárquicas (representatividade na Assembleia
Municipal)? A todos nós o dever de melhor reflectir. Sem paixão.
Segundo os resultados definitivos anunciados pela Comissão Nacional de Eleições (CNE), 586.524 cidadãos eleitores votaram nos 15
partidos que propuseram os seus candidatos a Deputado da Nação. Os partidos com mandatos na ANP são: a) o PAIGC com
281.408 votos, representando 47,98%, 57 mandatos; b) o PRS com 180.432 votos,
representando 30,76%, 41 mandatos; c) o PCD com 19.757 votos, representando 3,37%,
02 mandatos; d) o PND com 28.581 votos, representando 4,87%, 01
mandato; e) a UM
com 10.803 votos, representando 1,84%, 01 mandato.
Os partidos sem mandatos na ANP são: a) PRID b) UPG c) RGB d) PRN e) MP f)
PUSD g) PT h) PS-GB i) PSD j) FSD, com um total global de 65.543 votos
expressos validamente, representando 11,17%. Os votos nulos representam 5,23% dos
votos expressos e, os votos em branco 9,38%. A abstenção representa 11,43% da
massa eleitoral.
Mas também podemos realçar o facto que, por exemplo, o PND teve mais votos que
o PCD mas este último tem mais 01 mandato e, a UM que foi menos votada que o
PRID (17.919 _ 3,06%) tem 01 mandato e o PRID não tem nenhum.
Nesta sequência de compartimentos, concluímos que a população eleitora de 775.508
dos quais 88,57% votaram, desde logo
muito positivo para a nossa jovem democracia, não deveria ser fraccionado pelos
29 círculos mas sim, talvez, por círculos regionais ou por um círculo nacional
único mais a diáspora, aliás já anteriormente defendida pelo Senhor Dr.
Fernando Delfim Da Silva no seu livro “Método
d`Hondt anda avariado?” publicado em 1998. E não iria pôr em causa a maioria absoluta
do partido mais votado, neste caso o PAIGC. Muito pelo contrário, talvez até atingisse
a maioria qualificada. Mas, é um exercício que cada um pode resolver e daí
fazer o seu devido juízo. Principalmente os que terão a responsabilidade de
governar e de legislar.
Podemos ainda analisar o peso de cada partido na massa eleitoral, então, teremos o PAIGC com 36,29% da massa eleitoral representando
55,88% de mandatos na ANP, o PRS com 23,27% representando 40,20% de mandatos, o
PCD com 2,55% representando 1,96% mandatos, o PND com 3,69% representando 0.98%
de mandatos e, a UM com 1,39% da massa eleitoral representando também 0,98% de mandatos
na ANP.
Concluindo, poderemos constatar que 32,81% da massa eleitoral, ou seja,
254.527 cidadãos eleitores não estarão representados no hemicíclo legislativo. Cidadãos
eleitores sem voz. A sua voz será a consciência dos legisladores e dos governantes
e, do futuro Presidente da República eleito. Haverá razão?
Acredito que para o bem da verdade factual e democrática que efectivamente necessitamos
e, longe do jogo político legítimo dos partidos políticos, os nossos futuros
dirigentes devem saber interpretar as entrelinhas do resultado eleitoral, ou
seja, tomar em consideração todo o eleitorado que não terá expressão política na
ANP, colocando assim a vontade popular expressa nas urnas ou fora dela acima
do formato legal do nosso sistema eleitoral e dos interesses estritamente
partidários e políticos, utilizando sim os seus poderes de autoridade para, de entre
outros assuntos, privilegiar uma profunda revisão do sistema eleitoral onde a
representatividade seja justa e legítima.
Com isto a população ganha mas, sobretudo, serão os próprios dirigentes a
tirar maior proveito porquanto estarem de facto num projecto de servir o povo e
não de mandar no povo. Não podemos continuar a ser uma sociedade política sem
união numa solidariedade que deveria ser comum.
Que a nossa querida Guiné ganhe!
Que a nossa jovem democracia amadureça!
Todos juntos, BOA GOVERNAÇÃO!
Bissau, 30 de Abril de 2014