Foto: Raul Vera Cruz
Barbosa (Facebook)
Por: Geraldo Martins*
Espero ainda um dia
escrever sobre o Manecas Rambout. Ele faz parte da “lista restrita” de pessoas
extraordinárias que influenciaram positivamente a minha carreira profissional.
Antes de o conhecer pessoalmente, conheci-o por interpostas pessoas. O meu
amigo Huco Monteiro apresentou-mo um dia, no início dos anos noventa, quando
comecei a trabalhar no Ministério da Educação. Ele ministro, eu um quadro
recém formado.
Confirmei então a
“marca” que ele já carregava com humildade: Inteligência. Manecas possuia uma
inteligência perspicaz e refinada. Era capaz de elaborar articuladamente sobre
um assunto em espiral, num círculo que parecia de repente que estava a sair fora
de órbita, para, surpreendemente, voltar com desenvoltura ao assunto e concluir
elegantemente o raciocínio iniciado. Vi-o neste maravilhoso exercício várias
vezes, ao longo de muitos anos, e posso dizer que, com ele, conseguia convencer
muita gente. Penso, sinceramente, que nem sempre tinha razão, mas a
inteligência também serve para isso – trazer a razão do nosso lado.
Os anos em que
dirigiu o Ministério da Educação foram anos dourados da cooperação com a
Suécia. Quase tudo -- concepção e impressão de manuais escolares, fornecimento
e distribuição de material didáctico às escolas, confecção de carteiras,
formação de professores – trazia estampado o selo “Supported by Sweden”.
Manecas tem imenso mérito nisso. Hábil negociador, conseguia quase sempre dos parceiros
de desenvolvimento o que queria. Uma das suas mais bem sucedidas investidas foi
convencer a Suécia a financiar um suplemento salarial para os professores, em
1992. Um país estrangeiro a pagar salários de funcionários públicos? Pois é:
fê-lo.
Manecas preocupava-se
com as pessoas. Um dia mandou-me subir ao seu gabinete e pediu-me que
trabalhasse com o escritório do PAM na preparação do novo programa de cantinas
escolares. E lançou-me este desafio:
-- Vamos propor a
inclusão de um “subsídio de arroz” aos professores a fim de melhorar as suas
condições de vida.
Durante seis meses,
trabalhei com o Alain Cordeil (na altura representante do PAM em Bissau) e,
depois, fomos ambos a Roma defender o projecto. Um sucesso: 9 milhões de
dólares para financiar refeições aos alunos e um saco de arroz por mês aos
professores do ensino básico, durante três anos.
Manecas era um homem
que valorizava muito a competência e procurava basear a sua liderança na
meritocracia. Uma vez, o seu amigo Agnelo Regalla, na altura Secretário de
Estado da Informação, veio visitá-lo ao seu gabinete, no meio de uma grave
crise com o recém-criado Sindicato Nacional do Professores (SINAPROF).
Chamaram-me ao gabinete e ambos propuseram que eu fosse à televisão nacional à
noite, explicar à opinião o que se estava a passar – foi a minha primeira
exposição nacional.
Estas são apenas
algumas lembranças minhas de um intelectual humilde e íntegro. Não o via há
muito tempo, mas sabia que estava em Angola. Globalmente, a competência nunca se
perde. O que a Guiné-Bissau perdeu, ganhou-o Angola. Hoje, porém, ambos
perderam.
Descanse em paz
Manecas !
*Geraldo Martins -
guineense, ex-ministro da Educação Nacional, Cultura e Desporto da
Guiné-Bissau e especialista em Desenvolvimento Humano no Banco Mundial