Claudia Sousa
Fonte: Público
Deu grande destaque aos chimpanzés da Guiné-Bissau nas suas investigações no terreno. A cognição dos primatas não humanos e a sua conservação no habitat natural estavam entre as suas áreas de interesse.
A
primatóloga portuguesa Cláudia Sousa, da Universidade Nova de Lisboa, morreu de
cancro esta segunda-feira, aos 39 anos. A investigadora dedicou-se sobretudo ao
estudo dos chimpanzés da Guiné-Bissau e da Guiné-Conacri, onde esteve várias
vezes em expedições. O corpo encontra-se em câmara ardente na Igreja Matriz da Figueira da
Foz e o funeral será esta terça-feira a partir das 15h30, seguindo para o
cemitério de Buarcos.
Cláudia
Sousa doutorou-se em 2003 na Universidade de Quioto, sob orientação de Tetsuro
Matsuzawa, uma autoridade mundial em primatologia. A sua tese de doutoramento versava
sobre a capacidade cognitiva de os chimpanzés acumularem capital ou, por outras
palavras, de fazerem um mealheiro. Para tal, em experiências no Instituto de
Investigação de Primatas da Universidade de Quioto, a investigadora deu aos
chimpanzés tokens(objectos que têm um valor simbólico) para pedirem
frutas em troca – e que eles guardavam e só trocavam por alimentos quando
queriam.
Na
sua tese de doutoramento Cláudia Sousa mostrou que o sistema dostokens constituía
uma nova metodologia para avaliar as capacidades cognitivas dos chimpanzés. Em
particular, observou “a emergência de um comportamento único – ‘economizar’”,
lê-se no resumo da tese. Ou seja, compreendem e têm noção do valor simbólico de
certos objectos.
Em
Portugal, só há primatólogas e não preenchem os dedos de uma mão. Além de
investigar o comportamento e as capacidades cognitivas dos chimpanzés e de outros primatas
não humanos, Cláudia Sousa tinha ainda entre as suas preocupações a conservação
destes primatas no habitat natural e a sua interação com as populações humanas.
Mas
a primatóloga também trocou muitas vezes o laboratório e as salas de aulas –
era docente do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa desde 2001 – pelo trabalho de
campo. Esteve por várias vezes na Guiné-Bissau para fazer o levantamento da
distribuição dos chimpanzés no território, identificando a sua presença
principalmente através de vestígios como ninhos, fezes e pêlos, e fazendo
inquéritos às populações humanas para perceber por que razão eram caçados
(concluindo-se que não era para serem comidos, mas para a venda como animais de
estimação e, com esse dinheiro,
comprarem-se objectos).
Quando
ela e Catarina Casanova, outra primatóloga portuguesa que a acompanhou em 2006,
na quarta visita à Guiné-Bissau, deram pela primeira vez de caras com
chimpanzés no habitat natural, Cláudia Sousa descreveu-nos assim o encontro:
“Já tínhamos vistos imensos chimpanzés bebés em casa das
pessoas, mas na floresta, no habitat natural, nunca tínhamos visto. Ficámos
emocionadas.”
Também
foi à Guiné-Conacri inúmeras vezes, mais concretamente à estação de
investigação de primatas na aldeia de Bossou, dirigida por Tetsuro Matsuzawa.
Lá, Cláudia Sousa gravou, por exemplo, as vocalizações dos chimpanzés, para
estudos sobre o que tentam comunicar. “Sabemos que identificam outros
indivíduos pelo tom da voz, como nós”, disse-nos certa vez a primatóloga,
acrescentando que também continuou a recolher dados sobre as esponjas que os
chimpanzés constroem com folhas para beber água — “e a ver a transmissão desse
conhecimento ao longo de gerações”.
Entre
2007 e 2011, Cláudia Sousa foi presidente da Associação Portuguesa de
Primatologia. E antes, entre 2003 – quando nasceu a ideia da associação,
durante a Primeira Conferência Internacional de Primatologia em Portugal – e
2007, foi a sua vice-presidente.
“Tive
o privilégio de ela ter sido minha aluna há 20 anos, colega e amiga. Era
uma investigadora e mulher fantástica, que deixa escola e seguidores – alunos
que vão continuar o trabalho dela”, diz a antropóloga Eugénia Cunha, da Universidade
de Coimbra, onde Cláudia Sousa fez a licenciatura e o mestrado.
“A
professora Cláudia Sousa deixa-nos um testemunho importantíssimo de amor à
ciência e entusiasmo pela investigação. Mesmo muito fragilizada pela doença,
nunca parou de trabalhar com um entusiasmo contagiante e com projectos sempre
novos”, refere por sua vez João Costa, director da FCSH, em comunicado. “A sua
produção científica foi sempre notável, sendo este ano a vencedora do Prémio
Santander de Internacionalização da Produção Científica, que será atribuído
postumamente na Festa da FCSH.”
Ordidjanotando
Conheci
a Professora Claudia Sousa através da Professora Margarida Fernandes ambas do
departamento da Antropologia da Universidade Nova. Depois da primeira
deslocação à Guiné-Bissau, e de ter reparado o papel importantíssimo do crioulo
guineense ela sentia a necessidade de aprender a língua. Foi daí que marcamos
assim várias aulas do crioulo, que culminou com uma aprendizagem partilhada
pois graças a essa convivência aprendi muito sobre os chimpanzés da Guiné-Bissau.
Cláudia
Sousa era docente do Departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências
Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa (FCSH) desde 2001.
Hoje
três dias depois do seu falecimento (29), descubro na web esta notícia que me
deixou sobremaneira triste.
Paz a sua alma e votos de pesar à família