Marina Silva
Por : Celso Lungaretti
"Política
é propriedade", definiu o escritor Norman Mailer. Os profissionais deste
ofício acumulam um certo capital e, mesmo nos reveses, tentam fazê-lo
crescer.
No
caso presente, o da candidata derrotada Marina Silva, a moeda usual pela qual
poderá trocar seu acervo de votos e as declarações de amor eterno a um(a) dos
finalistas, seria(m) ministério(s) para si ou para seu partido no eventual
governo daquele com quem fechar o acordo.
Ocorre
que Aécio Neves representa o inimigo de classe, como ela aprendeu ou
deveria ter aprendido durante as mais de duas décadas de militância no PT.
Talvez sua educação haja sido negligenciada, afinal optou no
ano de 1985, quando o partido já iniciara a faina de expurgar tendências de
esquerda e abandonar, uma a uma, as bandeiras mais consequentes do
passado.
Aqui
cabe uma recapitulação. Em 1982, ainda sob a ditadura militar, o PT disputou
suas primeiras eleições (concorrendo aos cargos de governador, senador,
deputado federal e estadual). A propaganda eleitoral gratuita era regida pela
Lei Falcão, que dava ao partido o direito de expor apenas as fotos dos
candidatos, enquanto um locutor lia os respectivos currículos.
Como
parte significativa dos seus candidatos participara da resistência à ditadura,
o PT, dignamente, incluiu nesses currículos a informação de que haviam sido
presos políticos.
Ora,
quem tem formas de comunicar-se em massa sempre pode propagar invencionices e
quase sempre tais falácias colam, pois um traço perverso da mentalidade
do homem comum brasileiro é acreditar piamente no que se fala de mau sobre
outrem, sem exigir prova nenhuma.
P.
ex., se caluniadores imundos lançarem o boato de que uma respeitável educadora
exerce atividade parasitária e vil, martelando-a incessantemente como
recomendava Goebbeles, muitos idiotas sairão repetindo como papagaios esta
mentira deslavada.
Vai
daí que a direita passou a desqualificar os candidatos petistas com zombarias
do tipo "eles não têm currículos, têm prontuários policiais". E,
então como agora, se os caluniados não dispõem de uma rede equivalente para
restabelecerem o primado da verdade, são esmagados pelos rolos compressores que,
a partir do impulso inicial dado por raposões, vão sendo engrossados cada vez
mais pelos crédulos (que engolem qualquer patranha) e pelos despersonalizados (que
nunca ousam se colocarem contra a maioria).
É
outro traço bem brasileiro: diante de um linchamento, a grande maioria toma o
partido dos linchadores.
Os
resultados pífios obtidos na sua estréia eleitoral apavoraram os grãos
petistas. A palavra-de-ordem passou a ser respeitabilidade a
qualquer preço! Inclusive quando o preço era deixar militantes
entregues às feras direitistas, sendo retaliados e quase assassinados, como
ocorreu no episódio dos quatro de Salvador, que relato aqui.
Reatando
o fio da meada, faz sentido que uma ex-seringueira, ex-doméstica e
ex-analfabeta, entrando aos 27 anos num partido que cada vez mais se afastava
dos ideais revolucionários e provavelmente não estaria ensinando nem sequer o
bê-a-bá do marxismo aos ingressantes, mostre até hoje pouca familiaridade com o
equacionamento dessas questões em termos de classes sociais.
Afinal,
até uma ex-guerrilheira diz coisas que tirariam Marx do sério, como o
auto-elogio por haver ajudado a criar uma nova classe média.
O
velho barbudo queria é livrar a humanidade das divisões artificiais que só
servem para perpetuar a desigualdade; a visão que tinha dos que oscilavam entre
a burguesia e o proletariado era a mais depreciativa possível; e, como papa da
economia política, ele riria na cara de quem ousasse sustentar que um
coitadeza, tendo como renda mensal uma merreca tipo
R$ 291, pertenceria à classe média...
Mas,
presume-se que de ambientalismo a Marina entenda. Como poderia associar-se ao
representante de uma das burguesias mais selvagens e destruidoras do patrimônio
natural que existem no mundo?! Apoiar Aécio, no caso dela, é inadmissível!
Há,
contudo, um pequeno problema com relação à opção contrária. Marina saiu do PT
exatamente porque sua adversária no Ministério, Dilma Rousseff, conseguiu impor
no Governo Lula a diretriz do crescimento econômico sem freios, passando como
um trator sobre suas bandeiras ecológicas.
E,
na atual campanha sucessória, Dilma aprovou e aplaudiu a sua satanização,
acumpliciando-se e sendo beneficiária de um dos capítulos mais deploráveis da
história da esquerda brasileira.
Então,
espero que Marina tenha a grandeza de portar-se como verdadeira arauta de uma
nova política, abdicando dos dividendos a velha política lhe permitiria extrair
do capital acumulado nas urnas. Caso contrário, os perspicazes imediatamente
saberão que eram palavras ao vento; e os demais, aos poucos, irão chegando à
mesma conclusão.
A
coerência manda, portanto, que Marina se declare neutra e libere os seus seguidores
para votarem em quem quiserem.
*
jornalista, escritor e ex-preso político. http://naufrago-da-utopia.blogspot.com
SEMEARAM
VENTOS. COLHEREMOS UMA TEMPESTADE?
"Lo
que siento en esta ocasión,
lo
tendré que comunicar,
algo
triste va a suceder,
algo
horrible nos pasará."
(Luis
Advis, Cantata
Santa
Maria de Iquique)
Com
a velha polarização prevalecendo de novo, teremos o 2º turno sonhado pelo PT,
que não poupou nenhum golpe baixo para o viabilizar: Dilma Rousseff x Aécio
Neves.
As
perguntas que não querem calar são:
- Tendo
implodido Marina Silva com uma avassaladora blitzkrieg de falsidades, insinuações
e tendenciosidades, o PT preparou o caminho para a vitória... ou para
sofrer a sua pior derrota desde 1989?
- Como
impedirá que os votos de sua filha pródiga migrem para Aécio Neves, se a
satanizou como a pior das inimigas, ao invés de tratá-la com o respeito
devido a uma adversária também pertencente a campo da
esquerda?
- O
que lhe dá tanta certeza de triunfo, se o partido está visivelmente
desgastado após 12 anos de exercício ininterrupto do poder e já não tem
mais esperanças nem novidades para oferecer (só mais do mesmo,
quando o mesmo se tornou pouco), se sua rejeição jamais
foi tão elevada, se o momento econômico é o pior desde 2002, se nunca
houve tantas e tão chocantes denúncias para a imprensa burguesa trombetear
e se Dilma Rousseff mostra desempenho muito inferior ao de Aécio Neves nos
debates eleitorais?
- Nestas
condições, não terá sido leviandade trocar a certeza de vitória de uma das
candidatas de esquerda pelo risco de abrir as portas do Palácio do
Planalto para o inimigo de classe, concorrendo para um terrível
retrocesso?
- O
jeito é torcermos e agirmos para que os semeadores de ventos não colham
tempestades que desabarão também sobre todos nós.
Mas,
se o pior ocorrer, haverá muito o que cobrarmos depois.
E
eu serei o primeiro a fazê-lo, pois fui também o primeiro a alertar para os
perigos de encararmos uma eleição de forma tão temerária e inconsequente, com o
exclusivismo tacanho dos torcedores de futebol (o meu time
contra todos os outros) ao invés do despojamento dos verdadeiros
militantes de esquerda, que devem sempre colocar a causa acima de seus interesses
e conveniências.