terça-feira, 1 de março de 2011

POEMAS

PANFLETO SOCIAL
(…)

Volto à leviandade
a essa acrobata mágica
que realiza como a imaginação
volto ao meu poder
à minha colaboração terrena
volto às gaffes
ponho outra vez os meus olhos
inconvenientes como o amor
e tiro aliviado os óculos sociais
graduados de conveniência
e com aros oficiais.
Desisto do escritor
prefiro o protagonista do livro do autor
fujo de casa e escondo-me na rua
fujo do nome e mais do renome
não há esconderijo senão nas massas.
A Arte só vale quando todos forem artistas
e não só os privilegiados
esses que respondem a chamada.
Morro farto de procurar semelhantes
só vejo chefes e secretários
mestres e discípulos
filhos e pais
secundários e principais
amos e servidores
criados e patrões
todos iguais.
Mais uma geração a cantar construção.
(…)
A sociedade está podre
já fede
e não lhe cheira,
o mal só se vê nos outros
só cheira nos outros
quando o mal é nosso
pegaram-nos
é um mal estranho.
Disseram que o homem é um animal social
aí o têm
arranjaram-na bonita.
E se calhar estão todos como eu.
Quem nos teria posto em sociedade?
Quem fez de «todos» uma realidade
ou estava a pensar na lua
ou doente de paranóia.
Que linda ideia: «Todos!»
E mais ainda: «o bem de todos!»
Serei parvo ou imbecil
só entendo cada um.
Vejo até por mor de todos
dar cabo de cada um.
Não quero mal a ninguém
mas já tenho raiva de todos.
Isto de levar cada um a ter raiva a todos
é igualzinho a desejar o bem comum
lindas maneiras de eliminar cada um.
Porque a sociedade é de alguns
(…)


JOSÉ DE ALMADA NEGREIRO

Nota Ordidja

Sei lá se continua…
Mas pode ler mais no livro “Poemas - José de Almada Negreiros” - Assírio & Alvim - IIª edição - Corrigida: Maio 2005