quinta-feira, 13 de outubro de 2011

Arroz, dependência desnecessária

Luís Barbosa Vicente

Por: Luís Barbosa Vicente - Gestor e consultor de projectos de investimento
De acordo com os dados estatísticos de 2009 (Fonte INE), o comércio externo da Guiné-Bissau teve um desempenho negativo em termos de saldo comercial, em cerca de 20,5 Bilhões de Fcfa, assim desagregado: Importação 54,9 Bilhões de Fcfa; Exportação 34,5 Bilhões de Fcfa; Saldo Comercial - 20,5 Bilhões de Fcfa. A Taxa de Cobertura foi de 63%.
Ou seja, a Guiné-Bissau depende do exterior, para manutenção da sua sobrevivência, em termos de abastecimento de produtos à sua população, em cerca de 47%. Obviamente que o impacto negativo do saldo comercial guineense, no montante de 20,5 Biliões de Fcfa, é muito dinheiro para um País que tem efectivamente recursos naturais suficientes para contrariar essa tendência.
É sobre um destes recursos, enquadrado no sector agrícola, nomeadamente o “arroz” que pretendo fazer um pequeno ensaio no sentido de alertar para a necessidade urgente de olharmos para este sector de uma forma séria e prioritário para o desenvolvimento do País.
O sector da agricultura na Guiné-Bissau sofre as consequências das sucessivas crises políticas no país. Há poucos meios, não há recolha de dados estatísticos, falta formação e, como se não bastasse, os governos vão contribuindo apenas com menos de três por cento do OE para o Ministério da Agricultura. A Guiné-Bissau é um país essencialmente agrícola, e a agricultura é um sector prioritário e chave para o desenvolvimento do país.
O arroz, base essencial da alimentação dos grupos mais vulneráveis, sobretudo da população urbana mais carenciada, representa cerca de 16,9% no conjunto das mercadorias importadas (em 2009) cujo montante ascende à 9,3 Bilhões de Fcfa.
Pretendo assim evidenciar alguns dados, tendo sempre em conta que o mesmo consta do relatório do Comércio Externo (ano de 2009) publicado no site do INE[1], cujo organismo é tutelado pelo Ministério da Economia, Plano e Integração Regional.
Os dados constantes no documento supra, identificam três países, no conjunto de dezoito, que fornecem este produto à Guiné-Bissau. Estes três países representam cerca de 59,7% do total (ton) do arroz importado, nomeadamente, por ordem decrescente, Vietname (18,6 ton), Tailândia (17,4 ton) e Senegal (10,9 ton), que em termos monetários equivale cerca de 5,6 Bilhões de Fcfa.
A tabela 1 a seguir identifica melhor a importação dessa mercadoria por País de Origem, a quantidade (ton) e valor (10³ XOF).
Tabela 1. Importação de arroz (2009)

PAÍS DE ORIGEM
QUANTIDADE (TON)
VALOR          (10³ XOF)
% S/VALOR
FRANÇA
8
1013
0,01%
ILHAS CANARIAS
125
10000
0,11%
GAMBIA
61
13070
0,14%
INDIA
329
27386
0,29%
ANTIGUA
264
38413
0,41%
EMIRATOS A. UNIDOS
604
50585
0,54%
ESPANHA
526
60000
0,64%
RUSSIA
1
80000
0,86%
SINGAPURA
2770
234002
2,51%
PORTUGAL
3000
249926
2,68%
CHINA
2526
258080
2,77%
ARGENTINA
7137
571234
6,13%
COREIA DO SUL
827
643038
6,90%
PAQUISTAO
9362
749190
8,04%
BRASIL
4105
758030
8,13%
SENEGAL
10890
1144410
12,28%
TAILANDIA
17377
1814377
19,46%
VIETNAME
18661
2618660
28,09%
TOTAL
78573
9321414
100,00%

            Fonte: INE, dados de comércio externo referente ao ano 2009
Conforme se pode constatar na tabela supra, o arroz “Vietnamita” tem um peso significativo no conjunto dos fornecedores que abastecem o mercado guineense, representando cerca de 28,09% da transacção financeira realizada. Por conseguinte, e conforme pode notar na tabela 2 a seguir, o continente asiático representa cerca de 68,6% da transacção realizada, que em termos financeiros corresponde cerca de 6,4 Bilhões de Fcfa e 52,4 Mil Toneladas de arroz importado. De acordo com estes dados, tudo leva a crer que, praticamente, todas as famílias guineenses consomem pelo menos 1 saco de arroz asiático (5 kg ou mais) e consequentemente 1 kg de arroz produzido no Vietname.
Um dado curioso: de acordo com os dados constantes no relatório de comércio externo 2009, por mais estranho que parece, não existe exportação de mercadorias nacionais para os países como Vietname, Tailândia, Singapura e Paquistão. Julgo que é de ponderar muito bem as trocas comerciais com estes parceiros e tentar perceber que oportunidades de negócios poderão ser desencadeadas com os mesmos (voltaremos a este assunto nos próximos artigos que, com certeza, irei produzir).
Tabela 2. Distribuição por Continente
CONTINENTE DE ORIGEM
QUANTIDADE (TON)
VALOR          (10³ XOF)
% S/VALOR
EUROPA
3660
400939
4,30%
ÁFRICA
10951
1157480
12,42%
AMÉRICA
11506
1367677
14,67%
ÁSIA
52456
6395318
68,61%
Total
78573
9321414
100,00%

Fonte: INE, dados de comércio externo referente ao ano 2009

No que refere à dependência deste produto do País de origem, no conjunto de parceiros africanos, Senegal representa cerca de 12,42% do valor transaccionado, ou seja revela-se uma forte presença comercial face à necessidade do País, perfazendo assim cerca de 1,1 bilhões de Fcfa do montante transaccionado. Este País é só o terceiro fornecedor do arroz à Guiné-Bissau.
Por uma questão de seriedade na análise e, também, no sentido de se proceder um enquadramento lógico e coerente da articulação das políticas de importação deste produto, com o papel desempenhado pelo governo guineense, procederei a ligação ao documento que se denomina Plano Nacional de Investimento Agrário (PNIA), lançado em Abril de 2009 no quadro da Política Agrícola Comum da CEDEAO. Uma das razões que me leva a fazer esta articulação tem a ver com um dos propósitos do próprio plano que prevê que a Guiné-Bissau deverá conseguir a sua soberania alimentar em termos de arroz como alimento básico da população.
O Plano Nacional de Investimento Agrário (PNIA)[2] é uma ferramenta que irá contribuir para a aplicação na Guiné-Bissau, da Política Agrícola Comum da CEDEAO. É um plano desenhado para 15 anos. Os custos para o seu desenvolvimento estimam-se em cerca de 152,5 Bilhões de Fcfa. Elege seis grandes temas, a seguir identificados, como eixos para a redução da pobreza e da insegurança alimentar:
1.    Promoção das Fileiras de Produção Vegetal
2.    Promoção da Produção Animal
3.    Promoção da Produção Halieutica
4.    Gestão Durável dos Recursos Naturais (água, solos e florestas)
5.    Pesquisa e Desenvolvimento Agrícolas
6.    Reforço Institucional e Coordenação Sectorial
De acordo com o documento, este plano inscreve-se numa perspectiva de longo prazo, dividido em três fases sucessivas de cinco anos cada. A Fase 1 (2011-2015) concentra-se na criação ou reabilitação de estruturas e infra-estruturas de apoio à produção.
Na Fase 2 (2016-2021) as prioridades serão consagradas ao reforço e a consolidação de iniciativas e dos investimentos privados, ao desenvolvimento e consolidação de cooperativas, de organizações camponesas e instituições de micro-finanças. Nesta fase as condições serão criadas para impulsionar a economia rural. Prevê-se que no final desta fase, a Guiné-Bissau deverá conseguir a sua soberania alimentar em termos de arroz como alimento básico da população.
Por último, a fase 3 (2021-2025) será uma fase baseada no reforço e na consolidação da integração comercial ao nível regional, sub-regional e internacional. No final desta fase, as fontes de renda para os agricultores serão diversificadas, graças ao desenvolvimento da comercialização. A poupança rural será substancialmente aumentada e as instituições de micro-finanças operacionais. Prevê-se que no final desta fase, Guiné-Bissau deverá conseguir o desenvolvimento de fluxos de exportação de produtos alimentares (incluindo o arroz) para fornecer certos mercados regionais deficitários.
No entanto, no que se refere ao desenvolvimento da fileira das culturas alimentares, onde também está inserido a produção de arroz, base de análise deste pequeno ensaio, que se enquadra na fileira de produção vegetal, o investimento previsto estima-se em cerca de 24,1 Bilhões de Fcfa, representando assim 15,8% do total do investimento do PNIA. Os objectivos quantitativos previstos no programa de investimento produtivo da cultura alimentar “arroz” é de cerca de 300 Mil Toneladas em 2015 que beneficiará cerca de 112 Mil famílias. Efectivamente, não se duvida da bondade deste Plano.
No entanto, se olharmos para o Orçamento Geral do Estado Guineense nos últimos três anos (2009, 2010 e 2011), os investimentos previstos para o Ministério de Agricultura e Desenvolvimento Rural, um dos sectores essenciais para o desenvolvimento do País, tem um peso pouco significativo em termos do PIB e do Plano de Investimento Público. A tabela 3 e 4 seguintes demonstram bem essa tendência:
Tabela 3. Orçamento Geral do Estado
(Valores em Bilhões Fcfa)
Descrição
2009[3]
2010[4]
2011[5]
Orçamento Geral do Estado
143,5
121,1
101,9
Ministério da agricultura (Programa de Investimento Público)
6,8
6,7
4,4

         Fontes: Orçamento Gerais do Estado 2009, 2010 e 2011
Tabela 4. Investimento em % do OGE e PIB
         (Em % OGE e PIB)

Ministério da Agricultura
2009
2010
2011
OGE
PIB
OGE
PIB
OGE
PIB
Investimento previsto
4,7%
0,24%
5,6%
0,63%
12,5%
0,24%

             Fontes: Orçamento Gerais do Estado 2009, 2010 e 2011
Pese embora não constar, de uma forma clara e específica, nos Orçamentos Gerais do Estado atrás referidos, os investimentos públicos que consubstanciam a política de produção do arroz, conforme consta do Plano Nacional de Investimento Agrário, tudo indica que os montantes previstos, e no caso de estarem a ser executados, serão insuficientes perante os objectivos que se pretendem alcançar.
Ora, no meu entender, deverão ser adoptados medidas mais concretas, durante a fase que precede a elaboração dos Orçamentos Gerais do Estado, que estimulem a iniciativa privada e fomento desta prática como objectivo primordial de sustentabilidade agrícola nos próximos anos. Isto porque, e de acordo com os dados do comércio externo, fomentando as iniciativas privadas com forte componente do investimento público e parcerias internacionais, poderá devolver ao País a sua autonomia na produção do arroz, indo assim de encontro aos objectivos previstos no PNIA e também na redução do seu défice comercial global em cerca de 50%.
Bem hajam.
Rio Maior, 11 de Outubro de 2011.


[3] Poderá ser consultado através do link http://www.minfin-gov.bissau.net/orcamento/oge2009.pdf
[4] Poderá ser consultado através do link  http://minfin-gov.bissau.net/orcamento/OGE2010.pdf
[5] Poderá ser consultado através do link  http://minfin-gov.bissau.net/documentos/OGE-2011_ROMAO_VERSAO_ANP-03-12-2010.pdf
Nota Ordidja
Fome: Três Países Africanos de Língua Portuguesa melhor
Fonte: Diário Digital / Lusa
A Guiné-Bissau, Angola e Moçambique registaram melhorias no combate à fome, refere o relatório de 2011 do Instituto Internacional de Pesquisa sobre alimentação (IFPRI), disponível no «site» da instituição. De acordo com o documento, a Guiné-Bissau surge como o País Africano de Língua Portuguesa (PALOP) melhor classificado no Índice Global da Fome (GHI), cotado no nível «grave» com 19,5, depois de ter abandonado o nível «alarmante» onde se encontrava em 2001 (22,8). Angola, por seu turno, passou da situação de «extremamente alarmante» para «alarmante», tendo descido de 33,4 para 24,2, um pouco mais do que o índice atribuído a Moçambique (22,7), que em 2001 era de 28,4.


Depois de ler mais um belíssimo artigo do irmão, amigo e camarada do mesmo “kanal” Luis Vicente, esta notícia simpática que esclarece que afinal estamos melhorando na alimentação, é aquela correlação perfeita, que se consegue de vezes enquando nestas lides. Como seria recomendável que estes conteúdos que sugerem decisões transformadoras e não chanchada, com relação às políticas nacionais causassem efeitos positivos ao ponto de melhorar a produção do arroz nacional. Já escutei várias opiniões sobre o assunto, e outros até garantem de pés juntos, avanços consideráveis no cultivo de arroz na Guiné-Bissau, graças ao investimento de um grupo espanhol,  para resgatar a grande fama de produtores, do passado.
Que chegue à frente, àquele que queira partilhar dados ou elementos sobre esta questão... A porta da Ordidja está e estará sempre aberta, para publicar nobas e artigos efervescentes e otimistas mas pff não enviem artigos intermitentes ou deprimentes... Porque aí não sei se haverá alguém para abrir à porta! Não sou de ferro!!!