domingo, 9 de março de 2014

Com cinco milhões de dólares Brasil "salva", Guiné-Bissau

Encontro com Carlos Moura na CNBB (Foto Amilton Leal) 

Todos sabem que as Forças Armadas é o calcanhar de Aquiles da Guiné-Bissau. A forte evidência desta afirmação é o fato de, volta não volta, opinam, mandam recados e intervêm na cena política guineense. Para os males do nosso destino, tentam sempre repor uma suposta justiça e ordem, prometendo acabar com a operacionalidade da violência dos sanguinários e das atrocidades, que eles mesmos praticam. Dizem eles que se sentem no dever de nos “salvar” dos maus políticos ou politicas publicas desastrosas, julgando eles, que tudo o que fazem é para o bem do Povo. Ou seja, ensinam, antes de aprender. Será que a culpa é só deles???  

Numa democracia, os militares são “híbridos” com a função social de defender o território nacional, podem trabalhar em vários setores (construção civil, agricultura, saúde etc) e têm que se submeter ao poder político, numa linguagem terra-a-terra, têm que conhecer o respetivo lugar. O leit@r dirá, mas isso não é segredo para ninguém. Concordo plenamente! Mas a realidade é essa e, vale a pena ser relembrado sempre.

Um dia se Deus quiser, terei tempo para transcorrer sobre os episódios que marcaram a minha coabitação com os militares, durante os três anos da minha permanência em Mansoa. Como não acredito em coincidências, empurro para o futuro a vontade de discorrer sobre fatos marcantes e pitorescos desse período. Fato, a estrutura militar guineense hoje, é chefiado pelo CEMFA António Indjai, que foi precisamente o comandante do aquartelamento de Mansoa nesses três anos. A bem da verdade, a minha relação com os castrenses em Mansoa foi na maior parte do tempo, saudável e cordial.

Mas não é esse assunto que me trás de volta ao mural deste Blog. Hoje que a disposição para escrever não me falta, retorno para colocar o meu ponto-de-vista, recorrendo ao notável encontro em Brasília com o atual representante permanente da CPLP na Guiné-Bissau, anteriormente designado representante especial. Falo-vos do Dr. Carlos Moura, um homem que incontestavelmente decidiu enfrentar ao lado dos guineenses, os problemas políticos e sociais que afligem o país, com um papel que deve ser entendido como uma contribuição adicional, despido de qualquer interesse neocolonial ou geopolítico. Passar uma manhã, conversando com Dr. Carlos Moura é beber conhecimentos de fatos que marcam a situação atual vivida na Guiné-Bissau.
Encontro com Carlos Moura na CNBB (Foto Amilton Leal) 

Pequena ressalva, o encontro decorreu numa das instalações da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil(CNBB), e foi promovido pelo Professor Ivair dos Santos, Coordenador do Centro da Convivência Negra (CCN) da Universidade de Brasília (UnB) e estavam presentes na sala para além dos já citados, a Ir. Rosita Milesi, coordenadora do setor Pastoral da Mobilidade Humana da CNBB, e a equipa da CCN composta pelo Gaudêncio Pedro da Costa, Mouamar Dinis Sequeira e Amilton Leal. Entre perguntas e respostas a conversa foi fluindo sobre como tem sido a intervenção da CPLP em Bissau.

“Já em 2005, tive oportunidade de participar enquanto representante da CPLP, no grupo de personalidades e organizações que conseguiram dirimir os conflitos, com o regresso do Nino Vieira e os desentendimentos depois das eleições. Tinha acesso direto às partes em desacordo, e depois de um árduo trabalho de criação de pontes, os problemas foram resolvidos. Na verdade pensei que a Guiné, iria retomar um processo de estabilização, e fui daqueles que acreditou que os problemas do país estariam em primeiro lugar e, sobre todos os outros problemas, principalmente os pessoais. Infelizmente tudo foi uma grande desilusão... E é uma pena ver o Povo sofrendo e sujeito a viver mais uma triste realidade” rematou Dr. Carlos Moura.

“Durante este primeiro período da minha permanência em Bissau, consegui reunir-me com todos os representantes das instituições internacionais na Guiné...Fui também recebido pelo Presidente da República de Transição, pelo Primeiro Ministro, pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, Ministro da Defesa e o Chefe de Estado Maior das Forças Armadas (CEMFA), algumas dessas pessoas já conhecia ...Há um sentimento da parte das autoridades guineenses, de que com a ajuda da ONU, CPLP, CEDEAO, UA e UE vai se ultrapassar esta situação de crise que assola o país, e existe um consenso de que os guineenses devem ser os primeiros a querer resolver esta situação” afirmou Dr, Carlos Moura, depois de ter-lhe sido perguntado sobre o papel das organizações internacionais.

Sobre as eleições o Dr. Carlos Moura foi peremptório “Só a eleição não resolve o problema da estabilização, viu-se em 2005, que não resolveu, bastaram 3 a 4 anos para que novos ciclos de instabilidade ressurgissem, ou seja, a eleição é o principio e não o fim, o fundamental é criar uma Agenda Nacional inclusivo e, com uma visão de longo termo... Penso que, tem que se começar a preparar o período pós-eleição, tem que se acabar com a metodologia da "agulha negra" na Guiné”    

“Não quero ser draconiano, em minha opinião, a Guiné-Bissau precisa fazer urgentemente a desejada reforma no setor das Forças Armadas. Em relação a esse assunto, o Brasil já tem um plano de intervenção, orçado em 5 milhões de dólares americanos, que aguarda deferimento das partes, esse montante é quase nada se levarmos em conta que poderá salvar a democracia guineense e evitar mais perdas de vidas...E falta fundamentalmente que seja aceite pelas autoridades guineenses” sublinhou o representante permanente da CPLP na Guiné-Bissau.

Perguntado sobre a possibilidade de se criar uma força de manutenção da paz na Guiné-Bissau, conduzida pela CPLP, e chefiada pelo Brasil, respondeu “Não sou adepto de forças estrangeiras para a estabilização de paz num país, e em relação a CPLP esta questão não está a ser colocada, até porque a experiência da intervenção angolana deixou algumas marcas que devem ser sanadas. Embora falo pela CPLP, mas uma intervenção do Brasil para a manutenção da paz seria possível neste cenário, talvez, através de um acordo bilateral. O que posso garantir enquanto representante da CPLP é que, os laços que nos unem enquanto povos da mesma língua são inquebráveis e, os guineenses devem olhar para CPLP como uma organização irmã que quer ajudar a criar uma sociedade baseada nos nobres ideais humanos, que nortearam a luta da independência, em que todos poderão desfrutar do acesso as condições mínimas de sobrevivência, com dignidade e respeito sem a contínua agressão e afronta aos seus direitos humanos, e acreditar que somos todos capazes de ultrapassar momentos como este.”

Conversou-se ainda sobre outros assuntos, que não mereceram destaque nas minhas anotações, por isso não os menciono. Ousaria mesmo dizer que, cada vez mais tenho a leve esperança que não foi uma luta perdida, o projeto inacabado da criação da Nação Guineense. Não gostaria de terminar sem arriscar-me numa antevisão do futuro, de um país que, como alguém já afirmou será de muita prosperidade e paz!