Arq. Fernando Jorge Teixeira
Por: Fernando Jorge Teixeira
Houve nos idos de oitenta, na nossa praça, um
debate em forma de troca de ideias num jornal, entre os “economistas” e os
“não-economistas” que nos interessou bastante na altura; sendo jovens,
interessados nos destinos do país - com algumas leituras pelo meio -
entendíamos que não era realmente um debate entre economistas e
“não-economistas” (categoria afinal inexistente), mas um debate entre os que
defendiam uma concepção “capitalista” do mundo (baseada em valores Ocidentais,
tidos como seguros e certos para se inspirar na construção do nosso tecido
económico nacional) e os que defendiam uma concepção “socialista” do mundo
baseado na negação da propriedade privada (que nenhuma relação tem com uma
economia planificada, pois qualquer economia precisa de ser orientada em
lógicas claras, obedecendo regras do mercado, em suma aquilo que todos os
bancos centrais de países desenvolvidos procuram fazer de forma a planificar e
prever os resultados futuros).
Valores que valendo o que valiam, já eram
partilhados e reverenciados em quase três terços da humanidade se somarmos a
China de Mao Tse Tung a União Soviética, metade da Europa, países
como Vietnam, Cuba, Mongólia, Angola, a Etiópia de Megistu para não
citar outra dezena de Camboja a Moçambique. Em suma só pela quantidade de
partidários impressionava bastante e convencia até os mais cépticos.
Hoje esta segunda concepção, graças a Deus,
desapareceu quase totalmente da face da terra, se exceptuarmos a teimosa Cuba e
a louca Correia do Norte; e mesmo aqueles que como a China, que não o tiraram
completamente do léxico político (por motivos de coesão
interna e o papel histórico e actual do Partido Comunista Chines, e por ainda
não haver uma nova filosofia de vida que possa substituir de um dia opara o
outro a crença de mil milhões de pessoas) e da economia nacional (por
causa do perigo do desemprego de milhões e milhões de pessoas e a destruição
insensata de toda uma economia – como se fez na Rússia de Ieltsin naquela
que foi um crime só comparável aos de Stalin – planificada, mas bem
ou mal, gerida racionalmente) já o tiraram do pensamento económico estratégico
do futuro.
E é mais que evidente para a elite chinesa que a
economia da China do futuro só poderá ser capitalista no conteúdo mesmo que a
forma do Estado seja diferente. Dos Chineses, é bom que se diga, que como todos
os que têm a virtude da paciência aprendem com os erros, mas não ficam só pelo
aprendizado: eles com a sua tão inteligente como prática concepção politica,
económica e social “Um país, dois sistemas” têm ainda uma vantagem acrescida,
podem aprender com os erros de um e de outro sistema. Do socialista sabem de
cor todos os erros, pois os cometeram também durante anos, como todos os que
seguiram essa via, até a chegada do Deng Xiao Ping. Dos erros do capitalismo
apreendem na maior e melhor escola do mundo, na escola real das maiores e mais
solidas economias do mundo que agora se afundam cada dia de uma ponta a outra
da Europa e do outro lado do Atlântico. Como cartas de um baralho viciado as
economias tombam levando milhares a falência e a bancarrota total.
Nem a escola de Chigaco, no seu auge, podia
prever o que hoje em dia se passa. Pois sempre os economistas basearam as suas
teorias em coisas reais e não em produtos que só existem na cabeça dos seus
criadores, embora todos pensássemos que eram reais (que o digam os clientes de BernardsMadoffs
deste mundo); e ainda este cataclismo esta acontecendo e pode ser que depois da
queda de Espanha a França tenha que tocar no tapete (por mais que se diga o
contrário para “tranquilizar” os mercados) e não demorará os seus efeitos
chegarão as nossas janelas - para entrarem pelas nossas vidas adentro - e não
apenas aos ecrãs dos nossos televisores para varrerem tudo que encontrarem pelo
caminho. Pois este tufão, mesmo depois de todo o cataclismo que já provocou,
esta na fase da “procissão ainda vai no adro” para usar uma expressão
Portuguesa.
Seja como for, hoje felizmente, sabemos que as
duas concepções do mundo estavam profundamente erradas. Por isso é sintomático
que as suas derrocadas foram quase em simultâneo (estou falando em tempo
histórico) a queda do Murro de Berlim e a crise total do capitalismo que
começou com a falência do Mega Banco Lehman Brothers. Mas nesse distante tempo, ambos os campos desta
discussão - que a longo termo não deu em nada, como tudo no nosso país - davam
demasiado valor às suas certezas quanto as virtudes desses diferentes sistemas
para uma economia como a nossa e não só. Mas hoje volvidos tantos anos penso
que de todas as formas aquele exercício pueril não deixou de ser – mesmo que
embrionário - um exercício útil para um futuro pensamento económico nacional
que hoje se quer e é prementemente necessário.
Pois um país que não tenha e não segue um
pensamento económico claro, que faça basear todas as suas decisões políticas e
sociais nesse modelo, andará sempre a improvisar. E da improvisação política ou
se sai bem ou se sai mal (como de resto já afirmei em outros textos), mas quase
sempre mal. E nós como povo, como nação, precisamos de uma vez para sempre
deixar de ser filhos e resultados do improviso.
II
Posto isto como introdução chegamos ao nosso
sujeito: FÓRUM ECONÓMICO DE BISSAU. Nome
simples mas de uma abrangência total não deixando de fora nenhum espaço
dedutivo. Assisti a esse fórum com grande interesse esperando assistir algumas
interessantes prelecções de economia por doutos economistas de outras praças
sobre o nosso tecido económico quase inexistente e remédios para a cura aos
nossos endémicos problemas de desenvolvimento.
As minhas expectativas quanto ao Fórum foram
motivadas porque primeiro sou um apaixonado da economia - gosto dos clássicos
como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Keynes e as disputas deste e seus
rivais do pensamento económico,- e calhou nessa semana do Fórum o meu livro de
cabeceira ser “A riqueza das Nações” de Adam Smith (obra-prima do pensamento
económico ou o livro que é em si a pedra fundadora da “ciência económica",
mas escrita com uma simplicidade esclarecedora que qualquer aluno do decimo
segundo o pode ler sem nenhum problema) que leio com muito interesse nestes
tempos de crises cíclicas em virtude das quais cada dia os telejornais abrem
mais com noticias da economia do que com crimes ou escândalos das celebridades
(a crise económica pelo menos teve o efeito benéfico de melhorar a qualidade do
teor dos noticiários, pois agora a assistir os telejornais e noticiários aprende-se alguma
coisa e não servem apenas para saber algo sobre o que
aconteceu e “matar” a curiosidade) como antigamente.
Segundo, porque num país em que nada acontece de
interessante no campo da economia, cultura, literatura é sempre uma lufada de
ar fresco, um saudável exercício, um acontecimento dessa magnitude, nessa área
de conhecimento, frequentada por tanta gente de bem. Sim naquela sala do Hotel Azalaia (para
mim continua a ser Hotel 24 de Setembro) nessa manhã concentrou-se a nata da
intelectualidade guineense para discutirmos o nosso país e propor soluções para
sairmos do marasmo, da improvisação, diletantismo e da incompetência que nos
acompanha há quarenta anos.
Aqui não falarei das dezenas de personalidades de
renome internacional que estiveram presentes, pois o site do Fórum
ou documentos publicados devem ter isso afixado; mas necessito salientar que
trazer ao nosso país figuras como Olusegun Obasanjo, presidentes de Fundos
Soberanos e CEOs de Bancos Comerciais (um tem um banco na Guiné mas nunca tinha
ca posto os pés) e de varias empresas internacionais de grande porte e renome é
um feito extraordinário. Mas mais do que a parte organizacional (que foi
impecável) os resultados conseguidos quase“ imediatamente” foram se não
espantosos, no mínimo muito pouco habituais neste tipo de fórum.
A comparência de organizações e empresas das
áreas de construção e urbanismo, da área da criação de animais (até de países
como Israel, vejam só) e produção de raçoes, de energia, do sector das pescas,
minas, tecnologia de informação etc., etc., que demonstraram interesse real em
investir neste país fizeram deste Fórum um acontecimento de enorme importância
para o nosso frágil e quase inexistente sector empresarial.
Feito merecedor de enaltecimento especial pois,
empresas da área económica – que diferente da área humanitária – e
personalidades afins, geralmente vivem num mundo de procura de mais-valias e em
que cada minuto é dinheiro. A frase time is money (tempo é
dinheiro) é válida para qualquer actividade, mas na área empresarial é muito
mais verdadeira. E o fórum fez jus a esse leitmotiv, pois de facto
conseguiu num dia resolver coisas que normalmente demoram meses e as vezes anos
e ainda teve tempo para um concerto a noite.
Ao Dr. Paulo Gomes pela clarividência, espirito
de iniciativa e persistência todos os louvores. Pois convenhamos que o momento
político (e conjuntura económica) não era o mais adequado, pois em virtude das
malfadadas sanções que imperam sobre o país seria muito mais difícil realizar
um fórum dessa envergadura e numa área tao delicada como aa economia que é
muito vulnerável a mudanças políticas bruscas; alem de que muitas
personalidades em virtude das sanções poderiam ser impedidos de participar
mesmo que tivessem vontade para isso. Mas mesmo assim Dr. Paulo não se abateu e
não se acobardou perante as dificuldades (nem falo aqui das dificuldades de
logística, transporte, falta de hotéis, aeroporto precário, cortes frequentes
de energia eléctrica, internet extremamente mau, etc., etc., na infindável
lista dos nossos problemas caseiros). Na verdade o país precisa cada vez mais
de homens como o Paulo Gomes, pragmáticos, apolíticos que baste (para tomar
decisões técnicas de risco mas responsáveis); precisa cada vez mais de
profissionais essencialmente técnicos e cada vez menos de políticos profissionais.
Resta dizer - para um “não economista” como eu -
que independentemente de acções que vierem a ser implementadas no seguimento
deste Fórum Economico uma coisa ela já conseguiu, que é provar que “é possível”
fazer algo mesmo em piores cenários. É possível resgatar o país, é possível
criar interesse, em relação ao país, em gente que a primeira vista pareceria
quase impossível.
III
Não tive portanto o prazer de ouvir dissertações
“puramente” económicas nem discussões, com réplicas e tréplicas sobre os
caminhos certos para a economia nacional num acirrado debate de ideias, pois o
formato do Fórum foi comum como muitos outros que já assisti (por exemplo foi
quase igual a outra de três dias realizada nessa mesma sala em Dezembro de 2011
na hora da apresentação do Memorando Económico de País pelo Banco
Mundial): apresentações curtas, sintéticas e objectivas - a exiguidade do tempo
não o permitiria tampouco outro formato, creio – seguido de grupos de trabalho,
terminando em propostas para implementação sejam elas de políticas no geral ou
de projectos concretos. Mas a quantidade de contribuintes, a qualidade das
contribuições, a envolvência de participantes merece uma análise atenta. Me
fizeram recordar as aulas de economia política de há tantos anos passados, pois
mais do que da “economia pura” falou-se de “política económica” possível para
um país que se pretende que deve ser outro - que não este - forte e
empreendedor.
A compreensão da importância do fórum pelo
Governo e a presença no mesmo das duas mais altas individualidades de Transição
foi o elo de ligação para se criar um clima de cooperação frutífera entre o
sector privado e publica para futuras parcerias. Portanto o espírito do Fórum
deveria nortear próximas realizações nacionais desta índole sejam elas
económicas, culturais, ambientais ou outras. É desse espirito que precisamos
cada vez mais de forma a interessar cada vez mais o cidadão comum no
desenvolvimento e no progresso desta nossa pátria. Para devolver dinâmica a uma
economia que era quase auto-suficiente em termos alimentares, quase uma
autarcia, que exportava produtos alimentares, que agora entrou em colapso
acelerado. Urge subir o PIB, baseando primeiramente no que temos; neste momento
urge duplicar a produção de bens essenciais como o arroz o milho a mancara a
cana-de-açúcar e o caju. Mas isto de tanto ser dito e não realizado acaba por
ser um lugar-comum – como “incrementar o turismo”, “potenciar as nossas
riquezas naturais”, “desenvolver a pesca”, “basear a nossa economia na agricultura”
– mas o Fórum quer dizer-nos que não basta enuncia-los e declama-los,
mas realiza-los e não menos importante, como
realiza-los.
Urge uma política económica séria e consistente
que liberte as forças produtivas da Nação. Precisamos encontrar o nosso caminho
económico dentro deste espaço que nos cerca e envolve por todos os lados, pois
não tenhamos duvidas, cada país esta nesta UEMOA par tirar o máximo proveito
para o seu povo e sua nação e quem disso dúvida é inocente. Todas as uniões
económicas desde o início do mundo moderno só serviram a este pressuposto.
Desde a Comunidade Europeia do Carvão e Aço que veio a dar lugar a actual União
Europeia uns países ganham sempre mais do que os outros em qualquer união
monetária ou económica. Na Europa quem mais ganha é a Alemanha e Espanha, lo
que contribuiu mais e o que recebeu mais. Seguidos de França e Itália e depois
os outros. Os que mais perdem são obviamente os mais fracos como nós na UEMOA,
como nós na CEDEAO.
Mas isso também em parte depende da clarividência e
capacidade dos nossos dirigentes de traçarem uma política económica nacional
competente e em consonância com a sua realidade cultural, social e sem descurar
a protecção e uma exploração competente de seus recursos naturais. Disto não
falou o Fórum, mas o que o espirito do Fórum pode criar só pode ser conservado
e potenciado, pensando e realizando uma política económica racional sim, mas
nacionalista acima de tudo. Uma que quer fazer do país mais do que os outros
dessas uniões, para que deixe de ser olhado com desdém e menospreza como o pior
membro, o mais atrasado e o mais ignorante e desorganizado. O que fizemos para
merecer isto? Não, não é o que fizemos, mas o que não fizemos.
De Adam Smith a Milton Friedman passando
por Keynes a ciência económica nos diz que de uma forma ou outra
temos que planear o nosso desenvolvimento económico seja ela qual for, se
elegermos keynesianismo puro ou as teorias (manuais) do Banco Mundial para o
uso nos países pobres do “terceiro mundo” ou “em vias de desenvolvimento” (como
nos chamavam os Países Socialistas para não ferir o nosso amor próprio). Mas
como o nome indica “estar em vias” de alguma coisa nada significa e nada
resolve, pois a formula em si é errada. Estávamos “em vias” só nas nossas cabeças,
pois salvo raras excepções todos na verdade estávamos na senda da destruição de
tudo que tinha alguma coisa a ver com o desenvolvimento. Talvez a fórmula
correcta (se se basear-se apenas numa definição económica e não política) seria
“países no começo do processo de desenvolvimento, seja ela qual for”.
Bem termino dizendo que
do Fórum independentemente de tudo o que foi dito, o essencial foi a
demonstração de um espirito positivo, que não se atemoriza perante as
dificuldades e esta disposto a lutar contra ventos e mares e vencer. Este
“espirito do Fórum”, que gostaria que se transformasse em “espirito de Bissau”.
Um espirito vencedor que contaminasse a nação e o fizesse desenvolvido próspero
e rico. Na verdade um país só é rico quando os seus habitantes também o são. A Boris
Eltsin,Presidente Russo, muitas vezes culparam de ter permitido o
aparecimento de centenas de milionários e multimilionários na Rússia
pós-comunista. Ele uma vez respondeu que só lamentava o facto de ter criado
apenas de centenas de multimilionários pois gostaria de ter criado milhares.
Temos que ter vistas largas, interesse nacional, permitir e potenciar o
enriquecimento dos Guineenses. Aliás, este desiderato deve ser político do
Estado. Enriquecer os Guineenses é um imperativo Nacional, pois dentro de pouco
tempo além de não possuírem nenhuma empresa nacional, não terão o suficiente
nem para comer e muito menos para educar os filhos.
Bissau, 14 de Fevereiro de 2013
* Arquiteto e Coordenador da Casa dos Direitos