segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

AOS ECONOMISTAS E NÃO-ECONOMISTAS: LIÇÕES E ILAÇÕES DO FÓRUM ECONÔMICO DE BISSAU

Arq. Fernando Jorge Teixeira
Por: Fernando Jorge Teixeira 

Houve nos idos de oitenta, na nossa praça, um debate em forma de troca de ideias num jornal, entre os “economistas” e os “não-economistas” que nos interessou bastante na altura; sendo jovens, interessados nos destinos do país - com algumas leituras pelo meio - entendíamos que não era realmente um debate entre economistas e “não-economistas” (categoria afinal inexistente), mas um debate entre os que defendiam uma concepção “capitalista” do mundo (baseada em valores Ocidentais, tidos como seguros e certos para se inspirar na construção do nosso tecido económico nacional) e os que defendiam uma concepção “socialista” do mundo baseado na negação da propriedade privada (que nenhuma relação tem com uma economia planificada, pois qualquer economia precisa de ser orientada em lógicas claras, obedecendo regras do mercado, em suma aquilo que todos os bancos centrais de países desenvolvidos procuram fazer de forma a planificar e prever os resultados futuros).

Valores que valendo o que valiam, já eram partilhados e reverenciados em quase três terços da humanidade se somarmos a China de Mao Tse Tung a União Soviética, metade da Europa, países como Vietnam, Cuba, Mongólia, Angola, a Etiópia de Megistu para não citar outra dezena de Camboja a Moçambique. Em suma só pela quantidade de partidários impressionava bastante e convencia até os mais cépticos.
Hoje esta segunda concepção, graças a Deus, desapareceu quase totalmente da face da terra, se exceptuarmos a teimosa Cuba e a louca Correia do Norte; e mesmo aqueles que como a China, que não o tiraram completamente do léxico político (por motivos de coesão interna e o papel histórico e actual do Partido Comunista Chines, e por ainda não haver uma nova filosofia de vida que possa substituir de um dia opara o outro a crença de mil milhões de pessoas) e da economia nacional (por causa do perigo do desemprego de milhões e milhões de pessoas e a destruição insensata de toda uma economia – como se fez na Rússia de Ieltsin naquela que foi um crime só comparável aos de Stalin – planificada, mas bem ou mal, gerida racionalmente) já o tiraram do pensamento económico estratégico do futuro.

E é mais que evidente para a elite chinesa que a economia da China do futuro só poderá ser capitalista no conteúdo mesmo que a forma do Estado seja diferente. Dos Chineses, é bom que se diga, que como todos os que têm a virtude da paciência aprendem com os erros, mas não ficam só pelo aprendizado: eles com a sua tão inteligente como prática concepção politica, económica e social “Um país, dois sistemas” têm ainda uma vantagem acrescida, podem aprender com os erros de um e de outro sistema. Do socialista sabem de cor todos os erros, pois os cometeram também durante anos, como todos os que seguiram essa via, até a chegada do Deng Xiao Ping. Dos erros do capitalismo apreendem na maior e melhor escola do mundo, na escola real das maiores e mais solidas economias do mundo que agora se afundam cada dia de uma ponta a outra da Europa e do outro lado do Atlântico. Como cartas de um baralho viciado as economias tombam levando milhares a falência e a bancarrota total.

Nem a escola de Chigaco, no seu auge, podia prever o que hoje em dia se passa. Pois sempre os economistas basearam as suas teorias em coisas reais e não em produtos que só existem na cabeça dos seus criadores, embora todos pensássemos que eram reais (que o digam os clientes de BernardsMadoffs deste mundo); e ainda este cataclismo esta acontecendo e pode ser que depois da queda de Espanha a França tenha que tocar no tapete (por mais que se diga o contrário para “tranquilizar” os mercados) e não demorará os seus efeitos chegarão as nossas janelas - para entrarem pelas nossas vidas adentro - e não apenas aos ecrãs dos nossos televisores para varrerem tudo que encontrarem pelo caminho. Pois este tufão, mesmo depois de todo o cataclismo que já provocou, esta na fase da “procissão ainda vai no adro” para usar uma expressão Portuguesa.

Seja como for, hoje felizmente, sabemos que as duas concepções do mundo estavam profundamente erradas. Por isso é sintomático que as suas derrocadas foram quase em simultâneo (estou falando em tempo histórico) a queda do Murro de Berlim e a crise total do capitalismo que começou com a falência do Mega Banco Lehman Brothers. Mas nesse distante tempo, ambos os campos desta discussão - que a longo termo não deu em nada, como tudo no nosso país - davam demasiado valor às suas certezas quanto as virtudes desses diferentes sistemas para uma economia como a nossa e não só. Mas hoje volvidos tantos anos penso que de todas as formas aquele exercício pueril não deixou de ser – mesmo que embrionário - um exercício útil para um futuro pensamento económico nacional que hoje se quer e é prementemente necessário.

Pois um país que não tenha e não segue um pensamento económico claro, que faça basear todas as suas decisões políticas e sociais nesse modelo, andará sempre a improvisar. E da improvisação política ou se sai bem ou se sai mal (como de resto já afirmei em outros textos), mas quase sempre mal. E nós como povo, como nação, precisamos de uma vez para sempre deixar de ser filhos e resultados do improviso.

II
Posto isto como introdução chegamos ao nosso sujeito: FÓRUM ECONÓMICO DE BISSAU. Nome simples mas de uma abrangência total não deixando de fora nenhum espaço dedutivo. Assisti a esse fórum com grande interesse esperando assistir algumas interessantes prelecções de economia por doutos economistas de outras praças sobre o nosso tecido económico quase inexistente e remédios para a cura aos nossos endémicos problemas de desenvolvimento.

As minhas expectativas quanto ao Fórum foram motivadas porque primeiro sou um apaixonado da economia - gosto dos clássicos como Adam Smith, David Ricardo, Karl Marx, Keynes e as disputas deste e seus rivais do pensamento económico,- e calhou nessa semana do Fórum o meu livro de cabeceira ser “A riqueza das Nações” de Adam Smith (obra-prima do pensamento económico ou o livro que é em si a pedra fundadora da “ciência económica", mas escrita com uma simplicidade esclarecedora que qualquer aluno do decimo segundo o pode ler sem nenhum problema) que leio com muito interesse nestes tempos de crises cíclicas em virtude das quais cada dia os telejornais abrem mais com noticias da economia do que com crimes ou escândalos das celebridades (a crise económica pelo menos teve o efeito benéfico de melhorar a qualidade do teor dos noticiários, pois agora a assistir os telejornais e noticiários aprende-se alguma coisa e não servem apenas para saber algo sobre o que aconteceu e “matar” a curiosidade) como antigamente.

Segundo, porque num país em que nada acontece de interessante no campo da economia, cultura, literatura é sempre uma lufada de ar fresco, um saudável exercício, um acontecimento dessa magnitude, nessa área de conhecimento, frequentada por tanta gente de bem. Sim naquela sala do Hotel Azalaia (para mim continua a ser Hotel 24 de Setembro) nessa manhã concentrou-se a nata da intelectualidade guineense para discutirmos o nosso país e propor soluções para sairmos do marasmo, da improvisação, diletantismo e da incompetência que nos acompanha há quarenta anos.
Aqui não falarei das dezenas de personalidades de renome internacional que estiveram presentes, pois o site do Fórum ou documentos publicados devem ter isso afixado; mas necessito salientar que trazer ao nosso país figuras como Olusegun Obasanjo, presidentes de Fundos Soberanos e CEOs de Bancos Comerciais (um tem um banco na Guiné mas nunca tinha ca posto os pés) e de varias empresas internacionais de grande porte e renome é um feito extraordinário. Mas mais do que a parte organizacional (que foi impecável) os resultados conseguidos quase“ imediatamente” foram se não espantosos, no mínimo muito pouco habituais neste tipo de fórum.

A comparência de organizações e empresas das áreas de construção e urbanismo, da área da criação de animais (até de países como Israel, vejam só) e produção de raçoes, de energia, do sector das pescas, minas, tecnologia de informação etc., etc., que demonstraram interesse real em investir neste país fizeram deste Fórum um acontecimento de enorme importância para o nosso frágil e quase inexistente sector empresarial.

Feito merecedor de enaltecimento especial pois, empresas da área económica – que diferente da área humanitária – e personalidades afins, geralmente vivem num mundo de procura de mais-valias e em que cada minuto é dinheiro. A frase time is money (tempo é dinheiro) é válida para qualquer actividade, mas na área empresarial é muito mais verdadeira. E o fórum fez jus a esse leitmotiv, pois de facto conseguiu num dia resolver coisas que normalmente demoram meses e as vezes anos e ainda teve tempo para um concerto a noite.

Ao Dr. Paulo Gomes pela clarividência, espirito de iniciativa e persistência todos os louvores. Pois convenhamos que o momento político (e conjuntura económica) não era o mais adequado, pois em virtude das malfadadas sanções que imperam sobre o país seria muito mais difícil realizar um fórum dessa envergadura e numa área tao delicada como aa economia que é muito vulnerável a mudanças políticas bruscas; alem de que muitas personalidades em virtude das sanções poderiam ser impedidos de participar mesmo que tivessem vontade para isso. Mas mesmo assim Dr. Paulo não se abateu e não se acobardou perante as dificuldades (nem falo aqui das dificuldades de logística, transporte, falta de hotéis, aeroporto precário, cortes frequentes de energia eléctrica, internet extremamente mau, etc., etc., na infindável lista dos nossos problemas caseiros). Na verdade o país precisa cada vez mais de homens como o Paulo Gomes, pragmáticos, apolíticos que baste (para tomar decisões técnicas de risco mas responsáveis); precisa cada vez mais de profissionais essencialmente técnicos e cada vez menos de políticos profissionais.

Resta dizer - para um “não economista” como eu - que independentemente de acções que vierem a ser implementadas no seguimento deste Fórum Economico uma coisa ela já conseguiu, que é provar que “é possível” fazer algo mesmo em piores cenários. É possível resgatar o país, é possível criar interesse, em relação ao país, em gente que a primeira vista pareceria quase impossível.

III
Não tive portanto o prazer de ouvir dissertações “puramente” económicas nem discussões, com réplicas e tréplicas sobre os caminhos certos para a economia nacional num acirrado debate de ideias, pois o formato do Fórum foi comum como muitos outros que já assisti (por exemplo foi quase igual a outra de três dias realizada nessa mesma sala em Dezembro de 2011 na hora da apresentação do Memorando Económico de País pelo Banco Mundial): apresentações curtas, sintéticas e objectivas - a exiguidade do tempo não o permitiria tampouco outro formato, creio – seguido de grupos de trabalho, terminando em propostas para implementação sejam elas de políticas no geral ou de projectos concretos. Mas a quantidade de contribuintes, a qualidade das contribuições, a envolvência de participantes merece uma análise atenta. Me fizeram recordar as aulas de economia política de há tantos anos passados, pois mais do que da “economia pura” falou-se de “política económica” possível para um país que se pretende que deve ser outro - que não este - forte e empreendedor.

A compreensão da importância do fórum pelo Governo e a presença no mesmo das duas mais altas individualidades de Transição foi o elo de ligação para se criar um clima de cooperação frutífera entre o sector privado e publica para futuras parcerias. Portanto o espírito do Fórum deveria nortear próximas realizações nacionais desta índole sejam elas económicas, culturais, ambientais ou outras. É desse espirito que precisamos cada vez mais de forma a interessar cada vez mais o cidadão comum no desenvolvimento e no progresso desta nossa pátria. Para devolver dinâmica a uma economia que era quase auto-suficiente em termos alimentares, quase uma autarcia, que exportava produtos alimentares, que agora entrou em colapso acelerado. Urge subir o PIB, baseando primeiramente no que temos; neste momento urge duplicar a produção de bens essenciais como o arroz o milho a mancara a cana-de-açúcar e o caju. Mas isto de tanto ser dito e não realizado acaba por ser um lugar-comum – como “incrementar o turismo”, “potenciar as nossas riquezas naturais”, “desenvolver a pesca”, “basear a nossa economia na agricultura” – mas o Fórum quer dizer-nos que não basta enuncia-los e declama-los, mas realiza-los e não menos importante, como realiza-los.

Urge uma política económica séria e consistente que liberte as forças produtivas da Nação. Precisamos encontrar o nosso caminho económico dentro deste espaço que nos cerca e envolve por todos os lados, pois não tenhamos duvidas, cada país esta nesta UEMOA par tirar o máximo proveito para o seu povo e sua nação e quem disso dúvida é inocente. Todas as uniões económicas desde o início do mundo moderno só serviram a este pressuposto. Desde a Comunidade Europeia do Carvão e Aço que veio a dar lugar a actual União Europeia uns países ganham sempre mais do que os outros em qualquer união monetária ou económica. Na Europa quem mais ganha é a Alemanha e Espanha, lo que contribuiu mais e o que recebeu mais. Seguidos de França e Itália e depois os outros. Os que mais perdem são obviamente os mais fracos como nós na UEMOA, como nós na CEDEAO. 

Mas isso também em parte depende da clarividência e capacidade dos nossos dirigentes de traçarem uma política económica nacional competente e em consonância com a sua realidade cultural, social e sem descurar a protecção e uma exploração competente de seus recursos naturais. Disto não falou o Fórum, mas o que o espirito do Fórum pode criar só pode ser conservado e potenciado, pensando e realizando uma política económica racional sim, mas nacionalista acima de tudo. Uma que quer fazer do país mais do que os outros dessas uniões, para que deixe de ser olhado com desdém e menospreza como o pior membro, o mais atrasado e o mais ignorante e desorganizado. O que fizemos para merecer isto? Não, não é o que fizemos, mas o que não fizemos.

De Adam Smith a Milton Friedman passando por Keynes a ciência económica nos diz que de uma forma ou outra temos que planear o nosso desenvolvimento económico seja ela qual for, se elegermos keynesianismo puro ou as teorias (manuais) do Banco Mundial para o uso nos países pobres do “terceiro mundo” ou “em vias de desenvolvimento” (como nos chamavam os Países Socialistas para não ferir o nosso amor próprio). Mas como o nome indica “estar em vias” de alguma coisa nada significa e nada resolve, pois a formula em si é errada. Estávamos “em vias” só nas nossas cabeças, pois salvo raras excepções todos na verdade estávamos na senda da destruição de tudo que tinha alguma coisa a ver com o desenvolvimento. Talvez a fórmula correcta (se se basear-se apenas numa definição económica e não política) seria “países no começo do processo de desenvolvimento, seja ela qual for”.

Bem termino dizendo que do Fórum independentemente de tudo o que foi dito, o essencial foi a demonstração de um espirito positivo, que não se atemoriza perante as dificuldades e esta disposto a lutar contra ventos e mares e vencer. Este “espirito do Fórum”, que gostaria que se transformasse em “espirito de Bissau”. Um espirito vencedor que contaminasse a nação e o fizesse desenvolvido próspero e rico. Na verdade um país só é rico quando os seus habitantes também o são. A Boris Eltsin,Presidente Russo, muitas vezes culparam de ter permitido o aparecimento de centenas de milionários e multimilionários na Rússia pós-comunista. Ele uma vez respondeu que só lamentava o facto de ter criado apenas de centenas de multimilionários pois gostaria de ter criado milhares. Temos que ter vistas largas, interesse nacional, permitir e potenciar o enriquecimento dos Guineenses. Aliás, este desiderato deve ser político do Estado. Enriquecer os Guineenses é um imperativo Nacional, pois dentro de pouco tempo além de não possuírem nenhuma empresa nacional, não terão o suficiente nem para comer e muito menos para educar os filhos.
Bissau, 14 de Fevereiro de 2013

* Arquiteto e Coordenador da Casa dos Direitos